A Dama da Noite \ Vozes II (Taquicárdico)

A DAMA DA NOITE

Alisou a cabeça com as mãos calejadas pela centésima vez naquela noite. Estava nervoso. Claro como um dia claro. Mas era uma noite escura...

Olhou pela janela. A escuridão da mata parecia ter engolido o mundo, deixando apenas a sua humilde casa pairando no espaço dos ventos eternos. Sentiu-se sozinho no mundo. De nada mais adiantava compartilhar nada, já que seus gritos enfraquecidos pela moléstia jamais chegariam aos ouvidos de um ser humano.

Desesperado, correu para a porta. Mal se prontificou diante da tábua de madeira com ferrolho, alguém bate na porta. Bám! Bam! Ele se assusta. Dá um passo para trás, com medo, mas logo seu medo se transforma em felicidade. Uma pessoa! Já não estava mais só! Abriu a porta com inocência de uma criança, como se não importasse se a pessoa do outro lado do umbral fosse um assassino ou um louco.

Viu rapidamente o seu mundo. Uma estrada de chão quase invisível levava a entrada do casebre aos montes dos arredores do Condado, cujo manto negro que encobria as montanhas preguiçosas elevavam-se para céus antigos e misteriosos. A lua, vermelha como sangue, iluminava fracamente o campo. Sentiu algo em seus pés...

- Ei, aqui embaixo!

Olhou para o chão como num reflexo, O que ele viu, jamais esqueceria. Morreu naquela mesma noite.

24 HORAS ATRÁS

O homem sente-se inseguro naquela selva de concreto. Pessoas para lá e para cá. Triste e cabisbaixo, espera o sinal ficar vermelho para poder atravessar. Olha para cima. As luzes dos altos prédios parecem esconder em seus interiores morte ou solidão. Atravessa a rua a passos largos. Logo, vê-se só. Está na ponte. O frio aumenta. Ele vê as luzes da cidade, mas não vê viv’alma. Olho para a ponte, começa a andar. - Ei! Aqui!

Uma mulher o chama no meio da ponte. Sua face, indescritível. Suas vestes, malignas. Ela exala podridão.

Ele grita.... Então acorda, apalpa a cama. Está no velho e encardido chão de sempre. Olha o redor. Seu casebre isolado continua fétido e solitário. Ele senta na cama. Alisou a cabeça com as mãos calejadas. Será uma noite difícil.

***

TAQUICÁRDICO (Vozes II)

Digamos que ele era a própria solidão. De joelhos na viela, ele tentava vomitar. Não que tivesse comido algo durante o dia todo que havia passado. Ele apenas queria botar para fora sua alma. Levantou-se, e fitou do morro a cidade que se elevava para os céus do condado de Belo Monte. Algo muito ruim aconteceu. Algo muito ruim vai acontecer!

Tirou a franja da testa e a botou para trás. Ao sorrir, escutou passos. Ele sabia quem era, por isso não houve susto ou surpresa. A coisa negra que acompanhava os insondáveis amarrou seus braços no pescoço dele. Ficaram abraçados por horas. Somente quando a lua se foi e o sol dava indícios de sua chegada, a coisa sumiu.

Sentou num banco de praça. O sono dominava-o totalmente. Sentia-se um zumbi errante que errava pela cidade e comia os miolos de seres negros. Ao adormecer, sonhou que estava ali, naquele mesmo lugar. O céu estava negro e a lua em seu zênite iluminava os confins do condado e da cidade. Ali teria morte...

Sentiu algo em suas pernas, quente. Olhou para baixo como se num gesto inato. Abaixo de sua cabeça, um cão estava a lamber-lhe as mãos. Parou, estatelado. Os olhos pareciam pedras. Dentro de si surgiu um sentimento que ele não sabia explicar. Arregalaram-se os olhos como se uma prensa comprimisse sua cabeça. Por um momento, pareciam que eles iriam saltar-lhe da órbita e cair no cachorro. Depois, no chão, o cachorro comeria seus olhos e ele ficaria cego. Eu! Cego! Não podia aceitar isso.

Por um breve instante, escutou a voz em seus ouvidos... – Faça...

Sentiu o coração bater, taquicardíaco. Tirou, levemente, algo do bolso. Pensou mil vezes seguidas. A voz era clara. A regra era clara. Mirou a lâmina contra o cachorro. Um, dois... três... Sentiu o coração pulando pela boca. Foi rápido. Num golpe, acabou com tudo. Vraau! O sangue jorrou aos montes.

As 7 horas da manhã, um sábado, um velhinho ia comprar pão. Passou pela calçada tranquilamente. Ao cruzar-se com um banco, encontrou o chão ensopado de sangue. Um homem com a jugular cortada, canivete na mão, morto. Seu sangue jorrava aos montes. Ali mesmo, um cão de rua, vira-lata, lambia, com tranquilidade, o líquido vermelho que se juntava numa poça. Naquela manhã fatídica, apenas um grito foi escutado. Eles vieram logo depois.

Brenno Lima
Enviado por Brenno Lima em 09/08/2020
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