Aparição

Distraído no sofá de sua casa, Jorge acabou adormecendo. Estava mergulhado na completa escuridão daquela noite sem estrelas, lendo um belo livro de Machado de Assis, quando acabou caindo sobre o exemplar.

Levantou-se assustado, sem saber exatamente onde estava. A luz do abajur era a única luminosidade que possuía, pois todo o restante da casa estava como a noite – inteiramente escura. Olhou o relógio ao lado do abajur. Marcava 23:30.

“É hora de dormir”, pensou consigo mesmo. Deixou o Machado na gaveta da cômoda e se levantou. Trôpego de sono, mirou a porta entreaberta da sala e caminhou em direção à mesma.

Residente no local há mais de trinta anos, Jorge sabia exatamente onde estava cada ponto da sua casa. Era costume seu, portanto, sair casa afora madrugada adentro sem acender qualquer interruptor.

Caminhou pelo corredor que desembocava na sala onde estivera e o postou a atravessar. Sabia que a porta do banheiro estava a 22 passos de distância à direita e o quarto, mais 14 à esquerda.

Contudo, no décimo quarto passo, percebeu um inesperado vento lhe passar, na direção contrária. O gélido vento encostou em seu ombro esquerdo e rosto e o seu frio espalhou por todo o corpo.

Jorge parou.

“O que diabos é isso?”. Olhou para trás. Fitou a luz do abajur normalmente ao fundo. “Será que esqueci alguma janela aberta?”

Caminhou mais três passos e apertou o interruptor. Uma forte luz iluminou todo o corredor, revelando todos os traçados do local. Fitou a porta da cozinha ao final hermeticamente fechada. Franziu ou olhos. “Que estranho!”.

Continuou sua caminhada, adentrou no banheiro, acendeu a luz do local e fechou a porta.

Dez segundos depois, escutou um pequeno gemido ecoar por todos os cantos da casa. Era extremamente baixo, quase imperceptível. Ao mesmo tempo, parecia vir de todos os lugares.

A espinha de Jorge gelou.

Abriu a porta em um só pulo. Percebeu uma enorme sombra oriunda da luz bruxuleante do abajur. Ocupava quase toda a parede e tinha formato reptiliano. E não estava parada, vinha em sua direção. Ao mesmo tempo, a luz tremia constantemente.

Jorge correu em direção à sala. No meio do caminho, ao passar pela porta aberta de um cômodo à sua direita, percebeu a janela de madeira tremer com o vento.

“Vento dessa força? Em pleno junho?”, se perguntou, estranhando. Adentrou no cômodo que possuía uma cama de solteiro e um guarda-roupa e foi até a janela de madeira. Mexeu na mesma. Completamente presa. Não mexeu um único centímetro.

Saiu do cômodo. Percebeu a luz do abajur completamente normal. Foi até o interior da sala. Nada de anormal. Postou-se a apagar o abajur. Colocou o dedo no botão ao lado do fio e o apertou. De repente, aparece à sua frente uma imagem de algumas crianças mortas. Estavam completamente ensanguentadas, com os corpos dilacerados e a cabeça fora do pescoço. Salta para trás. Volta a enxergar a sala, agora inundada parcialmente na escuridão.

“O que Diabos foi isso?”, perguntou para si próprio. Sua perna tremia tão forte que mal conseguia andar.

Jorge levou as mãos ao rosto, na tentativa de afugentar a imagem horrível que não saía da sua cabeça.

“O que eu acabei de ver?”, se perguntou novamente. Saiu do interior da sala e adentrou novamente no corredor.

Seu coração palpitava violentamente no peito e o homem caminhava a passos largos em busca do seu quarto. Acelerou os trinta e seis passos necessários para se chegar ao cômodo, abriu a porta, acendeu a luz do cômodo, apagou a do corredor e correu para a cama. Parecia uma criança afugentada. Pulou sobre a cama, desligou a luz pelo interruptor ao lado desta, cobriu-se com as cobertas e postou-se a dormir.

Ao deitar a cabeça no travesseiro e fechar os olhos, o pequeno e estranho gemido voltou a ecoar por todos os lugares da casa. Adentrou no seu ouvido e foi caminhando por dentro de sua cabeça. Chegou ao cérebro e começou a ecoar. Pela sua constância, o gemido nunca deixava de atingir o seu cérebro. Repentinamente, Jorge acorda e vomita ao lado de sua cama.

Respira fundo. Evitava engasgar. A queimação do suco gástrico atravessava o seu esôfago.

“O que está acontecendo?”, se perguntou. Distanciou-se do vômito e saltou da cama. Ao colocar o pé no chão, teve uma segunda visão: três pessoas estavam em um campo completamente destruído. Com armas na mão, fitavam Jorge. Em seguida, levantam as armas em direção aos queixos. Jorge tenta impedir, levantando a mão em direção a estes. Em vão. Os homens atiram contra suas próprias cabeças.

Jorge gritou. Caiu no chão, com as costas na cama. Assustado, suava frio. Suas mãos tremiam involuntariamente. O estômago revirava no abdômen. Cravou a cabeça entre as pernas e fez uma concha com o próprio corpo. Postou-se a chorar controladamente.

“O que está acontecendo comigo?”

Acalmando-se, parou de chorar, desenterrou a cabeça e respirou fundo. “Eu preciso procurar ajuda”, pensou consigo mesmo. Levantou-se. Lembrou-se que deixou o seu telefone celular na cozinha e saiu novamente do quarto.

Em completa velocidade, correu em direção à cozinha. Tamanha a velocidade que o assoalho de madeira rangeu. Chegou ao cômodo. Abriu a porta rapidamente e, ligando a luz, avançou em direção ao armário. Encontrou o seu celular, que estava carregando, desbloqueou a tela e postou a ligar. Apertou 1, 9 e 0 e, antes de clicar no botão de ligar, parou.

- Para quem eu ligo? – se perguntou, em voz alta. “Realmente não é para a Polícia”.

Pensou em ligar para o SAMU. “Não faz sentido”.

- Para quem eu ligo? – se perguntou novamente. “O que eu faço?”

Procurou na internet o telefone da Unidade de Pronto Atendimento da cidade. Anotou-o e ligou.

- Unidade de Pronto Atendimento, boa noite. – disse uma atendente

- Oi. Desculpa ligar essa hora. Eu estou me sentindo mal. Estou com delírios, alucinações e vomitei sem nenhum motivo. – Jorge estava visivelmente nervoso do outro lado da linha

- Qual o seu nome, senhor?

- Jorge.

- Senhor Jorge, desde quando você está com estes sintomas?

- Estou desde agora há pouco, não deve ter mais que vinte minutos. – olhou para cima, procurando o relógio de parede. Estava marcando 3 e 20 da manhã.

Surpreendeu-se.

- Como assim? – soltou, tamanha a surpresa

- Senhor? – perguntou a atendente

- Que horas são agora?

- A hora da sua morte! – a voz da atendente foi substituída por uma voz grossa, demoníaca.

Jorge gritou, assustado. Quase derrubou o aparelho celular no chão.

- Senhor? – perguntou a atendente, nervosa. – Senhor, o que está acontecendo? Senhor?

Jorge coloca o telefone novamente próximo ao ouvido.

- O que a senhora acabou de falar?

- Que são 10 para a meia-noite. O senhor acabou de me perguntar as horas e eu lhe respondi que são 23:50. E o senhor gritou. Está tudo bem contigo?

Jorge respirou fundo. O coração parecia que iria explodir dentro do peito. Fitou novamente o relógio acima da porta da cozinha. Marcava 11 e 50.

“O que está acontecendo?”

- Senhor, está tudo bem consigo?

- O que eu preciso fazer para ser atendido? Eu preciso ir aí ou vocês mandam um veículo para me buscar?

- Senhor, devido ao seu estado, acho melhor a gente te buscar.

- Me passa o seu endereço.

- Claro. – apoiou no armário – É Rua Albuquerque de Farias, 171, Parque... – Jorge ouviu o estrondo de algo caindo no interior da casa, ao longe

- Senhor?

- Shhhh! – disse, com tom de voz baixo – Acho que tem alguém aqui em casa! – disse, cochichando

Jorge fitou o corredor. A luz do abajur estava acesa. A sombra fazia um estranho e indecifrável formato na parede.

- Senhor, o senhor está em apuros? – a atendente parecia nervosa – Quer que eu chame a Polícia?

- Só um minuto. – disse o homem, retirando o telefone da proximidade com o rosto

Em passos curtos, caminhou vagarosamente em direção à sala. Atravessou o corredor. Chegou ao cômodo.

Na parede atrás do abajur havia um ser incorpóreo diminuto, atravessando a parede, com cabeça de lagarto, asas em formato de babado saindo da nuca e ocupando as laterais da cabeça e igualmente diminutos braços reptilianos acoplados ao rosto. Possuía um sorriso débil nos lábios e soltando pequenos grunhidos indecifráveis.

Jorge se sobressaltou de tal forma que largou o celular no chão.

- O que é isso? O que está fazendo aqui na minha coisa? Quem ou o quê é você? – o homem gritava. O medo era pungente e visível.

- Senhor, senhor, o que está acontecendo? Senhor?

- Sai daqui! Sai da minha casa!

- Senhor, o que está acontecendo? Você está bem?

Um estridente grito pôde ser ouvido do outro lado da linha. Era um grito assustador, como de uma pessoa tendo suas entranhas brutalmente rasgadas. Foi tão intenso o som que a ligação caiu e a atendente retirou o fone do ouvido, jogando-o longe. Levantou-se da cadeira.

- Jennifer, o que aconteceu? – perguntou o seu colega de trabalho, ao fitá-la esbranquiçada e tremendo de pé, ao lado de sua mesa

- Precisamos de uma unidade urgente na Rua Albuquerque de Faria. E precisamos da Polícia. Rápido!

Pouco mais de dez minutos depois, a Polícia Militar e paramédicos socorristas chegaram de frente à residência de Jorge. Arrombaram a porta e vasculharam a casa. Encontraram Jorge com um lençol dependurado na sala, ao lado do abajur ligado. Ao lado deste, o celular estava com a tela todo estourada. Os vidros da sala estavam estilhaçados no chão, bem como o do abajur.

- O que aconteceu aqui? – perguntou um policial, surpreso.

- Olha isso! – disse um dos paramédicos, apontando para o rosto de Jorge.

Jorge estava com os olhos abertos, vítreos, arregalados. Com os movimentos do semblante, parecia que o homem morrera... assustado!