ARBORESCÊNCIA - fim

Nas águas do córrego banhavam diversas árvores, que se moviam devagar e dotadas de olhos. Uma delas falou com voz arrastada:

— Esse lugar é maldito, afastem-se daqui estranhos. O vilarejo foi amaldiçoado por Irocô, deus das árvores. Nosso destino é virar árvore também, por isso nos juntamos as outras árvores aqui no bosque. Muitos já morreram, sem poder se mover nem manter o peso.

Claude e Lívia olhavam pasmados os sêres disformes, com aparência de árvores.

— Voces são humanos, sofrem de Epidermodisplasia Verruciforme, causada pelo vírus HPV, que causa grandes verrugas semelhante aos troncos das árvores. A doença é conhecida como homem-árvore.

— Existem medicamentos e cirurgias, e outras alternativas. Voces podem voltar a viver normalmente como pessoas humanas. Iremos buscar e trazer ajuda, médicos e ambulâncias para levarem voces para uma clínica especializada.

— Voces podem ir, mas a menina pertence a nós e deve ficar. Ela foi abandonada para morrer, atada num tronco. Os bandidos tiveram o castigo justo. Aqui está sua bolsa de volta, desapareçam antes que os outros decidam matá-los.

Claude e Lívia pegaram o carro home e retornaram pra cidade. Procuraram um distrito policial e descreveram a história. O inspetor buscava na internet registros antigos de desaparecimentos de menores.

— Aqui consta que cerca de 5 anos atrás, a filha do dono de uma rede de hotéis foi raptada. Os sequestradores enviaram uma foto dela amordaçada e amarrada numa árvore num matagal, pedindo resgate. Como eles não se comunicaram mais, os pais registraram o sequestro. A família acredita que a menina esteja morta. Irei notificar seus familiares.

No dia seguinte, um hospital ambulante, médicos e auxiliares, seguidos pela polícia e os pais de Elina, seu irmão Eloir, Claude e Lívia, retornaram ao vilarejo. As pessoas- árvores foram convencidas a ir junto, sendo transportadas para uma clínica de dermatologia especializada, para receber o atendimento necessário. Os esqueletos dos sequestradores foram removidos, para perícia e serem identificados.

A mãe bateu na porta da casa dizendo:

— Elina minha filhinha, a mamãe veio te buscar. Eu jamais perdi a esperança de te encontrar novamente.

A menina briu a porta armada com um martelo.

— Voces me esqueceram aqui, os bandidos iriam me matar e ninguém se importou !

O pai e a mãe observavam a reação colérica da menina diante deles, o irmão Eloir deciciu interferir.

— Eli querida, nós tentamos encontrá-la desesperadamente. Temos vivido num inferno todos esses anos sem voce.

Olhe a cicatriz nos pulsos de nossa mãe, ela tentou se suicidar quando voce desapareceu.

Elina encarou sua mãe respondendo:

— Voce devia se envergonhar de ser covarde e querer se matar. Voce tem um marido e outro filho para cuidar, Eloir.

Eles se abraçaram numa cena comovente, felizes pelo reencontro.

O vento soprava na torre da capela, embalando o sino de ferro num sinistro badalo.

No bosque entre as árvores um vulto vestido de folhas verdes, com uma coroa de cogumelos, uma flauta de bambu na mão, observava a comitiva de carros se afastando do vilarejo fantasmal. Levou a flauta aos lábios e soprou algumas notas. Imediatamente como resposta, os pássaros começaram a cantar, as árvores estralarem seus troncos, os galhos a se embalarem, as flores balancearem suas pétalas, numa linguagem silvestre da natureza, enquanto pingavam as gotas de orvalho nas plantas, igual lágrimas de vidro.

FIM

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NACHTIGALL
Enviado por NACHTIGALL em 08/06/2022
Reeditado em 08/06/2022
Código do texto: T7533195
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