PSICOSE

O solteirão Almir vivia com sua mãe Almira, viúva há vinte anos, cadeirante com 80 anos. Ele cozinhava, lavava roupas, fazia faxina na casa e bancava o enfermeiro da idosa, impossibilitada de caminhar.

— Voce é um bom filho, sem voce eu já estaria num asilo de velhos abandonada. Voce é um multitalento, uma maravilha da natureza meu garoto querido, feliz da mulher que se casar com voce.

— Almir vá buscar o xamã indígena seu Justiano, estou me sentindo indisposta.

Ele foi até o quarto e voltou vestido de índio, com cocar de plumas, sacodindo chocalhos, invocando os deuses da cura, fumegando incenso de ervas no ambiente, para espantar maus espíritos e energias negativas.

— Basta, estou me sentindo melhor. Traga o xerife Leroy, preciso falar com ele urgente.

Almir foi novamente no quarto, retornando vestido de xerife, com uma estrela de metal no peito, botas, chapéu de couro de búfalo.

— Dona Almira qual reclamação a senhora tem a fazer ?

— Os novos vizinhos são barulhentos demais, escutam música alto até tarde da noite, não me deixam dormir em paz.

— Isso é perturbação do sossego alheio, um grave delito. Irei fazer uma visita para eles, dar uma multa por descumprimento do parágrafo 5B 75.89 da lei magna.

— Chame o palhaço Repolho para me divertir com suas palhaçadas.

Almir trocou a vestimenta de xerife pela fantasia de arlequim e passou a apresentar um show de malabarismos, brincadeiras e piadas. A idosa sorria e aplaudia entusiasmada, admirando as flores de papel, balões coloridos, pirulitos, cataventos, manuseados pelo palhaço Repolho.

A cada personagem interpretado, ele assumia outra personalidade diferente, trocava o timbre de voz, os gestos, como um grande artista.

— Mamãe está na hora de sua novela, fique assistindo um pouco mais de televisão. Irei na confeitaria buscar a torta que encomendei, para comemorarmos seu aniversário amanhã. Nada de ficar remexendo em tudo para tentar encontrar o presente escondido. Tente adivinhar o que é, o nome inicia com a letra C.

— Volte logo querido, irei depois ler um livro ou tricotar uma meia de lã.

Ele retirou o auto da garagem e dirigiu até o centro da cidade. Um ônibus desgovernado surgiu e arrastou seu carro, causando o acidente.

Almir apresentava ferimento de órgãos internos e hemorragia, foi transportado para uma clínica e colocado em coma artificial induzida pelo médico, para recuperação em repouso. O hospital tentou localizar para informar sua mãe, mas não havia telefone interno na casa, então solicitaram uma assistente social para ir até a residência da idosa cadeirante.

Como dona Almira não atendia a campainha, temendo que podia ter algo acontecido, a assistente social pediu para um vizinho arrombar a porta.

Ao entrarem na casa seus olhos se arregalaram diante da cena. Na cadeira de rodas estava sentada uma boneca, manequim usado nas lojas, trazia um xale nos ombros, óculos, cabelos presos num coque. O ambiente estava enfeitado com balões coloridos, confetes, preparado para uma festa de aniversário.

♠ segue no cap.2

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NACHTIGALL
Enviado por NACHTIGALL em 13/09/2022
Reeditado em 11/11/2023
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