ETERNAMENTE

Seu nome era Jeremias, um senhor de 78 anos de idade, militar aposentado que havia defendido a liberdade durante a segunda guerra mundial. Lutou bravamente na batalha de Monte Castelo. Foi na Itália que ele conheceu o amor de sua vida, Bianca. Depois de vencidas as batalhas ela acompanhou o seu amor e juntos viveram uma plena vida de carinho mútuo e respeito. Não eram apenas cúmplices de cama, mas almas gêmeas.

O casal apreciava artes de diversas naturezas. Jeremias não gostava muito a princípio, era homem bruto de profissão e de espírito, mas aos poucos foi tomando gosto por leitura, influenciado por Bianca, que fazia questão de lhe mostrar poesias de épocas medievais. Depois que a mulher faleceu de causas naturais, Jeremias continuou lendo e até mesmo criando seus próprios poemas.

Há dez anos ele fazia o mesmo ritual todos os sábados pela manhã. Escrevia um pequeno poema, vestia sua melhor roupa, uma gravata e ia ao cemitério. Lá estava enterrada Bianca. O poema era colocado sobre a foto da mulher, acima da lápide.

Naquele sábado o dia estava chuvoso e frio, com relâmpagos e trovões que pareciam trazer o prenúncio de algo ruim. Jeremias levantou-se e em um pequeno pedaço de papel escreveu:

"Tudo faz parte do nada, contemplo a soturna embriaguez, sinto enormemente a sua falta, sempre serei seu, Eternamente”.

Jeremias colocou o papel em sua carteira e foi para o cemitério. Estacionou o carro a um quarteirão de distância e foi caminhando em direção ao túmulo.

Um homem alto, magro e barbudo estava parado na esquina, viu quando Jeremias passou e foi atrás do idoso. Mais a frente o homem empurrou Jeremias e disse que era um assalto. O veterano lhe entregou a carteira e algumas moedas que tinha em seus bolsos. O homem avançou em busca do relógio que Jeremias trazia, que foi lhe dado de presente de aniversário por Bianca, há muito tempo. O idoso reagiu, mas a força e o vigor não eram os mesmos de antigamente. O assaltante desferiu três tiros contra ele. Jeremias caiu sem vida no chão.

O ladrão correu. Quando viu que estava seguro, colocou a carteira de Jeremias no bolso depois de olhar rapidamente o conteúdo. Em uma viela mais a frente, o bandido trocou o relógio por pedras de craque.

Era noite quando o marginal estava olhando a cidade pela janela do quinto andar do prédio onde morava. Ele pegou a carteira de Jeremias, quando retirava os poucos trocados do interior, viu que um papel caiu no chão. O homem apanhou e leu o conteúdo. Mas que droga, pensou ao ler o poema de Jeremias para a esposa, jogando pela janela a última homenagem a Bianca.

A luz apagou de repente. O ladrão virou-se para o interior do apartamento e viu diante de si uma figura fantasmagórica surgir. Parecia uma mulher esbranquiçada. A aparição falou em tom gutural:

— Eternamente!

O ladrão tentou fugir, mas o vulto lhe empurrou pela janela. O meliante caiu, mas milagrosamente sobreviveu. Entretanto, ficou paraplégico. Todos os sábados até o final de sua vida o assaltante seria perturbado pela figura fantasmagórica, que sempre lhe dizia: “Eternamente”.