O AÇUDE DAS ALMAS PERDIDAS

Era um sábado. Naquele dia resolvemos ir pescar num açude de uma das fazendas que existiam ali por perto. Crescemos naquele lugar, e desde a meninice não nos juntávamos para um dia como daqueles. Agora éramos adolescentes, e cada um com seus afazeres. Uns trabalhando, outros no colégio na cidade. O tempo para aquelas reuniões estava curto, e por isso estavam todos muito alegres descendo campo adentro até o açude. Saímos por volta das quatro da tarde, para dar tempo de pegar lambari para fazer isca. Chegamos ás seis no açude, ainda com sol alto, pois era horário de verão. Uns foram catar lenha, e outros pescar as iscas. Havia trabalho pros nove. Escureceu, e tínhamos uma lata com lambaris, a uma fogueira queimando em brasas. Uns mais afoitos mandavam ver numa garrafa de cana – mesmo que suas idades não permitissem o consumo de bebida alcoólica – enquanto os outros – incluso este que os conta tal história – preferiam largar suas linhas na água. O açude era bom de peixe, e antes das dez havia uma caixa com traíras e jundiás.

Lá pelas onze estava pronto o arroz com lingüiça feito com a água ali do açude mesmo. Ele foi feito na velha panela de ferro da minha vó. Sabor igual não tinha, o carreteiro feito naquela panela era especial. Não sobrou nem a rapa. Com o estômago satisfeito, e numa calmaria do correr das linhas nos juntamos á beira do fogo para conversar. Falávamos de garotas, de futebol... Mas o papo teve que ser suspenso, pois um dos guris fez sinal que estava na hora de revistar as boiadeiras. Quem não conhece muito pescaria, as boiadeiras são isopores, ou como no nosso caso garrafas pet que levavam anzóis com iscas ao meio do açude. Tínhamos apenas três coletes, e por isso os que tinham esta missão eram o André, o Emerson, e o Roberto, nossos melhores nadadores. Eu fiquei na margem.

O açude era enorme, um hectare de água, talvez. Ficava ao ermo numa campina bem no meio da fazenda. Era rodeado por pastos, e ao fundo um bosque de árvores nativas atrás da taipa. Era dia de lua cheia, e não foi necessário sequer levarem lanternas, pois a luz tocava a água criando um espelho de claridade. Não demorou, para ver o André levantando os braços com os peixes pegos. Em meia hora os três tinham atravessado as águas do açude, e ao fundo eu observava o vulto de suas figuras rumarem até a taipa, para retornarem caminhando pela beirada do açude. Foi aí que aconteceu a coisa... Muitos disseram que eu enlouqueci, mas juro pelo túmulo de minha mãe que o que vi foi verdade.

Dentre os nove sempre fui o de maiores preocupações. De prestar atenção em tudo ao meu redor. Foi por isso que fui o único a ver, já que os outros dormiam, e Roberto estava mais atrás dos outros dois. Fazia alguns minutos que um cintilar martelava em meus ouvidos, e não sabia donde vinha o barulho. Mas quando as águas emergiram ao alto e a corrente ricocheteou o ar via-a enlaçando numa velocidade de um raio os pés de Roberto, levando-o ao fundo sem que o pobre coitado tivesse condições de reagir. Foi tão rápido que os outros dois não viram nada mais que as borbulhas do resto de ar que tinha os pulmões de nosso amigo. O corpo jamais foi encontrado. Nem por nós, nem pelos bombeiros que ficaram uma semana fazendo buscas. Era o sétimo caso naquele local, e mesmo assim ninguém acreditou no que eu vi. Mas não importo, e sigo avisando para ninguém ir até o açude das almas perdidas. É pena que alguns não respeitem o aviso. E assim as correntes continuam saciando sua fome por almas humanas.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 10/12/2007
Código do texto: T771981
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.