Não grite meu nome. Nunca mais !!!

Para comemorar os meus cinquenta anos, resolvi tomar jeito na vida. Parei de fumar, com a cerveja tenho encontros as escondidas. Fiz os exames de rotina, colesterol alto, diabetes. Doutor fez várias recomendações, a mesma ladainha de sempre, então resolvi fazer caminhada, talvez me faça bem.

Trabalho na guarda municipal por escala.

Sou separado de dois casamentos malsucedidos, que não me trouxeram nada, os dois filhos já estão criados, pago uma diarista para dar uma geral no apartamento uma vez por semana.

Pensei em fazer academia, mas desisti, resolvi então fazer caminhada e começo bem cedo, tem uma estrada que vai para o aterro sanitário da cidade, indo até o lixão e voltando para minha residência é exato uma hora de exercício, tempo mais do que suficiente. Saiu sempre as cinco da manhã, nunca tem movimento, os caminhões da coleta de lixo sempre chegam por volta das dez horas, a estrada é bem tranquila com plantações de eucalipto, cavalos e gados pastoreando preguiçosamente nos pastos.

A rotina já começava a me fazer bem, eu estava começando a ficar forte e bem disposto. No começo é meio chato de se adaptar, com dois meses a caminhada já fazia parte da minha vida naturalmente, como escovar os dentes.

Certa manhã de Julho, fria e nevoenta eu já estava com vinte minutos de caminhada, o sangue começava a esquentar, ao longe na estrada vinha um homem de pele escura, queimada de tanto trabalhar no sol, altura mediana vinha em minha direção, ele cambaleava, bêbado, logo cedo, certamente era um dos catadores de papelão do lixão da cidade, ao chegar perto de mim ele gritou meu nome. Fiquei muito espantado, eu não o conhecia de lugar algum, enquanto gritava meu nome ele falava: “ME DA UM DINHEIRO PARA TOMAR UMA CACHAÇA”. E gritava meu nome novamente, eu fiquei atordoado sem entender aquele caso misterioso.

Ele se aproximou e eu falei: “Não tem dinheiro não”. Eu fazia meus exercícios carregando somente o celular e o fone de ouvido.

O maldito voltou a gritar meu nome e dizer aquela frase, avançou em mim e me segurou a camisa, gritando mais alto com a mesma ladainha, eu pude sentir o hálito azedo do álcool, os gritos com meu nome, a frase e agora aquele cheiro me encheram de ódio, eu o empurrei, a beira da estrada pude ver no chão um galho torcido e ressecado de uma velha goiabeira, o maluco tentou vir contra mim novamente, eu abaixei e peguei o galho, golpeei sua cabeça, ele caiu, ainda gritava meu nome o desgraçado, bati mais, várias vezes, até estourar o crânio. O homem se calou finalmente me causando muito alívio, o sol começava a nascer muito preguiçoso, joguei o galho no chão, dei meia volta e fui para casa.

Andando, ao recolocar o fone de ouvido tocava a música “Psycho Killer da banda Talking Heads”. Coincidência? Acho que não!

No chuveiro em casa eu ainda tremia, eu não trabalharia naquele dia, fiquei dia todo deitado atormentado, tomei alguns comprimidos, da minha segunda ex-mulher, que ela havia esquecido e desmaiei.

Acordei era noite. A cabeça zonza, fiz um café bem forte e comi um pão seco com manteiga. Peguei o celular e vasculhei o site de notícias da cidade, estava lá a manchete: “CATADOR DE PAPELÃO É ESPANCADO ATÉ A MORTE NA CABEÇA COM GALHO DE GOIABEIRA, NA ESTRADA DO LIXÃO”. Depois me alimentei de uma sopa vigorosa, tomei outro comprimido da fulana e dormi.

Dia seguinte sai para minha caminhada, mesmo horário, mudei de caminho, agora vou pela avenida principal da cidade, bem mais movimentada e segura.

Telly S M
Enviado por Telly S M em 24/07/2023
Código do texto: T7844976
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