QUARTO CINCO UM CINCO UM?!!!

Assistir palestra

De conhecimento oculto,

No hotel.

Ela queria ser mestra,

Do seu desejo culto,

E ir parar lá no motel.

***

Virgínia parou em frente a porta do seu quarto no hotel. Com a chave na mão ela só pensava o porquê dos quartos serem enumerados com números romanos. “Que coisa de gente velha”.

O número incomum na porta do seu quarto se assemelhava ao apelido de sua melhor amiga Viviane: “VIVI”.

Agora não tinha como voltar atrás, tinha que entrar e descansar. Parar de pensar um pouco nas coisas idiotas que atormentavam sua mente.

Finalmente uns dias longe de casa, e de seus pais que lhe cobravam maturidade. A adolescência tinha ficado para trás. Tantas decisões nessa fase. Meninos ou meninas? Ser ou não ser? Querer e deixar de querer? Um paradoxo infernal regado com hormônios e drogas.

Mas o que alimentava sua alma no momento era ser gótica e bruxa.

No auditório do hotel haveria uma palestra no dia seguinte com a escritora do livro “Bruxaria para iniciantes volume um”. Ela trazia consigo um exemplar do livro, que comprou na Amazon, estourando o cartão de crédito dos pais pela milésima vez.

Abriu a porta. Ela estava linda, toda vestida de preto, com botas de couro. Uma maquiagem pálida cobria seu rosto, nos lábios um batom negro como seu olhar repleto de mistério.

Colocou a mochila e o livro sobre a cama amarela, com lençóis brancos e um cobertor vermelho.

O quarto tinha tudo, menos algo que combinasse com ela. Tudo muito colorido. Ela pensou, “que coisa mais brega”.

Deitou na cama, que era até bem confortável. Foleou o livro mas não conseguia se concentrar nas folhas cheias de letras sem figuras.

Pegou o celular e ficou um tempo infinito vendo coisas inúteis, para se auto estimular.

As vezes aparecia alguém com um corpo que lhe despertava uma volúpia através da pequena tela, mas o tédio chegou, e ela ficou olhando para o teto e “ele” voltou a sua mente em forma de versos que ela não ousava dizer ou escrever, agora sufocados todos dentro de si, mas que lhe rasgavam o peito, com garras maléficas a sua dor ainda crua, ela sussurrava o nome do seu amor.

Ela se sentou na cama. Lágrimas rolaram dos seus olhos borrando a maquiagem. Ela disse: “é a ultima lágrima. Chega!”.

O colorido do quarto chamava muito atenção, e lhe causava desconforto e irritação.

Ela se levantou e foi até a janela alaranjada e olhou o movimento noturno na rua. Um casal de meninas abraçadas se beijavam. Ela suspirou e fechou as cortinas púrpuras.

Uma cadeira verde e uma escrivaninha azul com folhas de papel em branco, um porta-lápis cheio de canetas. Três livros haviam em cima da mesa que ela pegou nas mãos, foleou, mas não teve interesse em ler, o ambiente lhe trouxe a vontade de escrever. Já tinha muito tempo que não fazia isso. “Coisa de menininha”.Achou melhor não.

Completando o cenário multicor uma mesinha formando um canto retro, com uma televisão Telefunken 1976, com alguns discos de vinil na parte de baixo. “Eles capricham na decoração”, pensou a jovem.

***

O tédio nada preenche.

Por que não? Cinderela!

Saco sem fundo. Nada enche!

O vazio vive dentro dela.

***

Já passava da meia-noite.

Ela pegou o smartphone e digitou a senha do wifi, “666”. Foi até o banheiro, sentada no vaso jogava fora o tempo que lhe sobrava devido a sua juventude. “ E por que não uma espiadinha a mais nas redes sociais?”

Estava sem sono, o remédio para ficar acordada funcionava mesmo, os remédio para emagrecer também estavam do seu agrado, fazendo com que seu corpo chamasse a atenção de todos.

Após lavar as mãos começou a escovar os dentes e reparou no risco vertical que as lágrimas deixaram na sua maquiagem. Ela viu um pequeno cisco no espelho, que lhe chamou a atenção. Sua curiosidade fez ela removê-lo ao tocar o espelho.

DIA SEGUINTE!

Pela manhã a camareira bateu na porta do quarto de Virgínia, não obtendo resposta.

Pegou sua cópia da chave da porta do quarto e entrou.

No quarto a mochila e um livro sobre a cama. Ela pegou o livro:

– “Bruxaria para Iniciante...?” Mais uma garota boba que acha que sabe o que é a verdadeira magia.

Vendo que o quarto não estava em desalinho, ela saiu e trancou a porta.

DO OUTRO LADO!

A luz intensa do flash cessou, ainda assustada ela tentava controlar a sensação de quase morte, sua respiração estava ofegante:

– Que loucura é essa? Mesmo quarto? SOCORRO!

– Pare de gritar Querida!

Ao ouvir a estranha voz ela pode se atentar ao que havia ao seu redor.

Era o mesmo quarto todo em preto e branco e todos os tons de cinza possíveis. Os mesmos móveis mas algo de errado não estava certo.

Sentado na cadeira e vestido de gravata e terno preto com sapatos bem engraxados. Um homem magro, com um rosto duro, com a barba bem feita, tinha uma folha de papel e um lápis em suas mãos. Ele tinha um discurso frio e resistente ao sentimento.

Ela olhou para as roupas dela, e pode ver que estavam coloridas como uma fantasia de carnaval.

Ela gritou.

Ainda desorientada perguntou:

– Quem é você?

– Ninguém! Querida.

– Não gosto que ninguém me chame de querida.

– Eu sei! Só que do lado de cá é assim que você se chama. Sinto muito querida.

– E onde é a aqui? Pare de falar assim. Seu Maldito!

– Não posso Querida.

Ela furiosa avançou para cima dele. Ela a segurou pelos braços.

– Acalme-se senhorita, estou aqui para ajudá-la, e acredite dependendo do que eu escrever nessa folha de papel, você vai ficar bem pior do que está agora.

Ela sentou-se no chão. Chorou um pouco.

– Como pode me ajudar?

– Simples Querida. Eu preciso terminar um poema, preciso da sua ajuda para rimar a palavra “pedras”.

– Eu não escrevo mais!

– Eu sei Querida, mas aqui você não tem escolha. – Novamente ele se sentou pegou o lápis e o papel. – Você está linda com essa calcinha vermelha!

– O que? Como ousa dizer isso! E como você sabe a cor da minha calcinha? Ninguém sabe as cores das minhas calcinhas.

– Eu sei Querida, eu tenho uma visão além do alcance, muito útil em certas ocasiões, aqui, sou eu que tudo sei.

– Que ódio! Que pesadelo desgraçado.

Ela gritou novamente.

– Não estamos progredindo com essa gritaria, e eu não sou surdo sua infeliz. Tente se acalmar Querida.

Ela se jogou na cama e olhava para o teto. Seus seios arfavam.

***

Preto no branco.

Branco no preto.

Dentro dela um sentimento franco.

Esta mulher eu interpreto.

***

– Qual é o meu problema Ninguém?

– Desejo! Querida.

– Desejo?

– Sim! Desde menina, lembra de quando não queria para de chupar chupeta? Que vício, minha Querida.

– Isso era coisa de criança.

– Sério! E o que essa chupeta faz ai guardada na sua mochila? Querida.

– Que inferno! Até isso você sabe.

– Não adianta esconder nada de mim. Nada de livre arbítrio aqui. Do lado de cá seus sortilégios não funcionam, aqui você está no meu controle. E uma chupadinha de vez em quando não é um pecado tão grande assim! Não é Querida. Você vai me ajudar com o poema ou não?!

***

Saco sem fundo

do meu desejo.

Dentro dele o mundo.

Tudo que quero, vejo.

Ela fechou os olhos. Beliscou as volumosas coxas, mas não era sonho. Presa num feitiço assombroso.

– E quando era menina não largava a boneca. Enquanto não arrancava todos os cabelos delas não ficava satisfeita. Insaciável. Não é! Querida!

– Eu não consigo me controlar, se eu quero. Eu quero! Se não tenho o que quero enlouqueço. Eu quero sair daqui. Por que ninguém me ama?!

– Eu te amo, Querida!

– Eu não estou falando de você desgraça.

– Está falando com quem maluca. Só tem nós dois aqui. Lembra quando você fazia pirraça para conseguir algo? Seus pais ficavam possessos de raiva. – Ela estava muito quieta. – Querida?

– Eu odeio eles!

– Isso não é uma questão para resolver agora. Família é complicado minha Querida.

– Você é louco?! Você nunca amou ninguém?!

– Amor próprio nunca foi meu forte. Mudando de assunto, nós não tomamos nosso remédio hoje? Muito bom esse que nós estamos tomando. Você não acha, Querida?

Ela se enfureceu novamente:

– Eu odeio todo mundo! Odeio você, odeio todos!

– Decida-se, ou você odeia todo mundo ou odeia Ninguém. Querida assim não dá!

Ela voltou a sentir falta de ar e taquicardia. A muito tempo não se sentia assim.

– Se não me escutar vai perder o controle. Sente-se Querida.

– Eu estou num mundo mágico?! É isso?

– Um mundo, onde existem pessoas que se odeiam tem de tudo Querida, menos magia.

Ela se levantou e foi até a janela, lá fora um mundo bicolor e sem viva alma nas ruas:

– Não tem ninguém nas ruas?

– Eu sei. Eu estou aqui dentro!

Ela foi até ele e viu o poema escrito no papel:

– Esse poema não é seu. É meu. Eu não vou falar sobre ele, ninguém pode me obrigar!

– Eu posso Querida! Vamos deixe de orgulho. – Ninguém começou a desenhar em outra folha em branco, o que chamou a atenção de Virgínia.

– O que está desenhando? Que coisa horrível. Disforme!

– Sinto muito se não está do seu agrado. Sou poeta e não desenhista, minha Querida.

– Por que você não me chama pelo meu nome?

– Seu nome é Querida. Você é muito vaidosa, e acha seu nome o máximo. Só porque ele diz uma coisa que você não é mais.

– Agora você pegou pesado.

– Acredite Querida, vai ficar pior. A conversa vai ficar boa quando eu começar a falar dos seus brinquedinhos, que você traz na mochila.

– Você mexeu na minha mochila? Não é possível que também sabe disso.

– Não temos a eternidade. Afinal de contas o poema é seu e não meu. Como você mesma disse. Querida!

– Isso é passado.

– Então termina o poema! Querida.

***

Paradoxo do Amor infeliz.

Presa princesa no quarto.

Sem nada do que quis.

Como será o próximo ato!

Ela pegou seu livro que estava sobre a cama e abriu, não havia mais nada escrito, só folhas em branco, o título na capa era outro, “A Verdadeira Magia da Vida”.

– Esse pesadelo só piora?!

– Os livros do seu mundo tem tudo, menos sentido. Veja bem: o Inferno da Divina Comédia de Dante Aliguieri fala de tudo, menos do inferno. 1984 de George Orwell não está no passado e nem no futuro, é um eterno presente . Frankenstein(Mary Shelley) não é o nome do monstro. E por ai vai. O que procuras não está nos livros Querida.

Ninguém voltou a desenhar:

– O poema vai ser uma trova ou uma estrofe de cordel. Você escreve bem todos os dois tipos, minha Querida.

***

Preso dentro dela,

todo o horror.

Daquilo que ela jogou pela janela.

Seu eterno amor.

Ela sentou na cama e fechou os olhos. Ela pulou como o susto. A televisão ligou sozinha. Tinha um chiado horrível. Uma imagem em preto branco e cinza toda chuviscada, com todos os canais fora do ar. Ela se levantou:

– Ninguém, como se desliga essa coisa?!

– É só desligar o botão Querida.

– Mais são tantos botões.

Depois de mexer no contraste, brilho, horizontal e vertical ela conseguiu desligar o aparelho. Ficou aliviada. Pôs as mãos na cintura. Aquele ambiente, aquelas roupas, aquele homem. Tudo dentro dela começava a se incorporar. Ela fechou os olhos e respirou profundamente:

– Ninguém?!

– Sim Querida.

– Escreve ai.

– Pode falar Querida.

As lagrimas rolaram do seu negro olhar novamente.

“O Amor da minha vida.

É como no caminho, as pedras.

Não quero falar seu nome, sinto dor.

Eu serei liberta, digo seu nome.

Só amo você e mais ninguém.

Sua Querida te ama. Esdras.”

Eles se beijaram.

De volta ao seu novo normal no quarto multicor, ela jogou seu livro na lixeira perto da escrivaninha, pegou sua mochila, conferiu se seus brinquedinhos estavam ainda lá dentro. E voltou pra casa.

Telly S M
Enviado por Telly S M em 23/09/2023
Reeditado em 24/09/2023
Código do texto: T7892616
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