O ANOITECER

O ANOITECER

Leonardo observou inquieto, enquanto fotografava a paisagem da floresta em monte branco. Manuela estava logo atrás, segurando a bolsa de mantimentos, escorando-se em um tronco seco. Estavam, uns três quilómetros longe da civilização, e tinham deixado o carro na velha rodovia, pois tinham medo de serem assaltados. Leonardo firmou o braço, ajustou o ângulo da câmera e fotografou. Contudo, antes de dar click, um dos clicks mais aguardados daquele dia, Manuela tocou-lhe o ombro e ele perdeu a concentração.

– Porra Manu, esta foto ia sair perfeita, eu finalmente tinha conseguida um ângulo bom.

Manu sorriu sem abrir os dentes e respondeu.

– Foi você que quis me trazer nessa maldita trilha, eu queria ficar em casa no meu celular, conversando com o meu Lucas.

Leonardo se virou e retrucou.

– Lucas, Lucas, você não para de falar nesse moleque.

– Me deixa tá! – Ela falou, virando o rosto.

Leonardo, observou a foto que tinha tirado, borrada e sem ângulo nenhum, ainda assim, algo lhe chamou atenção. Ele franziu a testa e aproximou os olhos da câmera.

– Um celular. – Tem um celular jogado no meio da floresta. – Pensou ainda em dúvida, já que poucas pessoas vinham a floresta.

– Espera aqui Manu um minuto, eu já volto. Ela fingiu que não o ouviu e colocou o fone de ouvido. Manu tinha trazido um recarregador portátil que podia aguentar até uma semana carregando seu celular.

Enquanto isso, Leonardo se aproximou, subiu em alguns troncos pelo caminho, até chegar numa área barrenta. O celular estava um pouco mais afrente, jogado perto de algumas pedras. Sua curiosidade havia dobrado naquele momento, e precisava a todo custo, pegar aquele celular.

– Não vai muito longe, monte de bosta, eu não sei sair daqui sozinha...

Leonardo escutou a irmã, mas ela não importara tanto quanto aquele celular, que a vista era um iphone e parecia não estar danificado.

As arvores das florestas roncavam, cintilantes, enquanto o vento despejava sobre ele uma malha de flores secas amarronzadas. Ele respirou fundo e aproximou a mão para pegar o celular. Sujo, e com um pouco de lama na tela, Leonardo percebeu que ainda havia bateria no celular, seis por cento. O foda, era iphone dificilmente conseguem ser desbloqueados sem a senha.

Na tela de entrada do celular, o rosto de duas meninas asiáticas, sorrindo e felizes, com cachecóis brancos envoltos no pescoço e atrás de destaque a torre Eiffel. O mais estranho era porque o celular de uma dessas meninas estaria jogado numa floresta no brasil. Mias especificamente na zona sul de são Paulo.

– Ei! Retardada... – Olha isso que eu encontrei.

Manu abriu os olhos numa espontaneidade quase que imediata e perguntou.

– Você, achou? Posso ficar pra mim. Eu quero um iphone.

Leonardo a entregou avisando.

– Pode ficar, está bloqueado.

Manu segurou o celular e arrastou a tela para cima e simplesmente o celular desbloqueou.

– Irmãozinho, eu sei tudo sobre iphone. – E ela sorriu, mas não tinha feito nada demais já que o celular não tinha senha de entrada.

Manu viu uma serie de ligações para a policia não completada, algumas de dia e outras anoite, todas num período de cinco dias.

– Deixa eu ver isso. – Leonardo gritou, puxando o celular da mão da irmã.

Atônito ele buscou a galeria do celular e ficou ainda mais em choque com o que viu.

– Que ódio Leo, o que houve, você está vendo.

Haviam dezenas de fotos tiradas de forma aleatória no celular, a não ser uma, em que alguém tirou uma foto de uma das meninas ensanguentadas.

Manu forçou a vista e percebeu que em algumas fotos, que aparentemente pareciam desconexas ou só uma forma de iluminar o caminho, algo escondendo-se nas arvores, algo grande e de olhos amarelos.

– Que porra é essa, ela disse?

Então ambos ouviram alguém pedir socorro, mata a dentro. Uma voz rouca e áspera, quase que sem vida.

– Ajude-nos. Ajude-nos por favor... – A voz gritava se esforçando com a voz enrolada.

Manu tentou ligar para a polícia, mas não havia sinal ali e Leonardo sabia disso.

Manuela recolheu as coisas e as botou dentro da bolsa o mais rápido que pode, seguindo Leonardo na direção da voz.

– Vamos voltar Leo, depois avisamos a policia e voltamos com ajuda.

– Até chegarmos elas podem não estar vivas, sei lá. Só anda e toma cuidado para não tropeçar.

Manu aperou as alças da mochila, não se sentia confortável seguindo aquela voz.

Conforme atravessavam a floresta, íngreme e desça, Manu cogitou voltar, mas podia se perder, e por mais que desse uma de durona com seu irmão, lá no fundo ela sentia medo. Um medo que começava a se enraizar ainda mais conforme adentravam na floresta. Após subirem um barranco, húmido e molhado, Manu escorreu e bateu o rosto na lama e uma raiva tomou conta dela.

– Porra! Eu devia ter ficado em casa com meu namorado. Agora olha só como eu estou...

– Jajá você vai estar dando essa BUCETA pra aquele cara. – Leonardo respondeu limpando seu rosto.

Manu segurou todo ar que tinha em seus pulmões e virou as costas para Leo, seguindo na direção contraria sem que ele a visse. Ela estava esgotada, não podia acreditar que fazer trilha com o irmão pudesse tirar tanto do sério. – Ela pensou.

Leonardo notou que Manu tinha se distanciado e correu na sua direção desesperado. Ela tinha andado pouco mais de duzentos metros na direção oposta. Fora da trilha principal.

– Você tá ficando louca Manu, se agente sair da trilha, aí sim vamos ficar presos nessa maldita floresta.

Foi então que Leo ouviu um barulho de correnteza, talvez uma cachoeira. E se animou, puxando sua irmã pelo braço.

– O que foi, aonde estamos indo? – Manu o questionou. Mas ele não respondeu. Até chegarem em uma cachoeira, que dava num pequeno lago.

Leonardo sorriu enquanto Manu permanecia desesperada.

– Pode beber, é água boa, e precisamos nos hidratar, nossa água já acabou lembra.

Manu se ajoelhou na beirada do lado, fez uma concha com a mão, mas depois cuspiu.

– Que merda de gosto é esse, parece que a água está podre.

Leonardo tomou um gole, e sentiu descer por sua garganta, um sabor terrivelmente horrível de algo em decomposição. Ele olhou para o lago, e foi então que percebeu que havia um crânio boiando na água, totalmente despelado e sem olhos, se decompondo.

– A gente precisa sair daqui... – Leo ressaltou agora assustado.

Eles tentaram voltar para a trilha, mas a floresta era parecia não querer que eles encontrassem a saída. As arvores uivavam sobre seu topo, cintilando, como se os observassem. A terra, o muco, a lama e os insetos daquele lugar tinham assumido uma certa consciência.

– Socoroooo por favor. Me ajudem. – A voz ressoou no ar, dessa vez mais perto.

Ambos seguiram a voz até chegarem numa clareira.

– Eu juro que não consigo mais andar, minhas pernas estão doendo. – Manu falou, passando a mão nos joelhos.

Manu sentou-se num pedaço de tronco e notou que haviam vários bonecos feitos de madeira e argila jogados no chão, sem rosto. Ela segurou um deles, e por um momento, viu a si mesma, dentro de um poço cheio de sangue.

– Temos menos de meia hora antes de anoitecer e a gente não encontrou a trilha e nossos celulares estão sem sinal. – Leonardo explicou agachado tomando folego.

Um pouco mais a frente deles havia uma pilha de troncos queimados. E pela fumaça que ainda saia das entranhas daqueles pedaços de pau queimados, aquilo tinha sido aceso a pouco tempo.

– Consegue se levantar? – Ele perguntou olhando em seus olhos.

– Consigo claro, e conseguiria melhor se meu irmãozinho não tivesse me trazido nesse caralho de lugar.

Conforme andavam o seu se manchou de cor purpura avermelhado, em tons laranja e cinza. Até anoitecer.

Leonardo pegou as lanternas para iluminar o caminho e cada vez mais, ele sentia que estavam se distanciando da trilha, ainda assim ele continuou. Ou pelo menos tentou, Manuela não era uma mulher feita para andar horas perdida na floresta. Então no primeiro tronco de arvore que viu, ela sentou.

– Desculpa, eu não aguento mais andar. Desculpa.

Leonardo olhou para os tornozelos de Manu, estavam inchados e vermelhos. Eles precisavam descansar.

Estava frio, e ambos começaram a congelar depois que o sol baixou. A temperatura ali beirava pouco menos de oito graus. E ambos estavam desagasalhados.

Foi então que Leonardo sentiu um cheiro razoavelmente bom, algo como um churrasco. Sua barriga torceu. E aquele cheiro não estava tão longe.

– Está sentindo esse cheiro. – Ele fechou os olhos e aspirou o cheiro devagar pelo nariz.

Manu não sentiu cheiro algum.

– Espera um minuto aqui que eu já volto. – Leonardo falou fixado no cheiro bom.

– Não me deixa sozinha Leo, por favor.

Ainda assim Leonardo nem olhou para trás e logo sumiu entre as arvores.

Manu estava sozinha, com fome, sede e medo. E tudo piorou quando sua lanterna começou a falhar.

A lanterna desligou por poucos segundos, mas foram suficientes para ela ver algo se mexendo no mato. Ela apontou a lanterna na direção do som, mas não viu nada. Então a lanterna apagou novamente, e desta vez demorou um pouco para ascender. Contudo, na hora que ascendeu, haviam vários homens a rodeando, todo com uma mascara feita de barro. Um deles puxou sua lanterna. E a única coisa que Manu fez, foi gritar. Mas Leonardo não há ouviu, estava seduzido por aquele cheiro bom.

Leonardo encontrou uma fogueira, nela vários homens desnudos usando máscaras de barro.

Um deles lhe ofereceu um pedaço de carne, Leonardo não recusou, apenas comeu, devorou até o ultimo pedaço. Os outros homens também comiam, e a fogueira queimava, ardendo, como uma churrasqueira.

Leonardo estava fascinado com o gosto daquela carne, então vieram e lhe deram mais. Até que ficasse satisfeito.

– Minha irmãzinha. – Ele lembrou.

Um dos homens apontou para o alto da fogueira.

Leonardo forçou a visão, ainda assim enxergou um rosto, derretendo com as brasas. Ele focou, ainda em choque, levantou-se do chão, com a boca manchada de sangue e filetes de carne, e só então percebeu, que era sua irmã.

Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 10/03/2024
Reeditado em 10/03/2024
Código do texto: T8016383
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