Zona Morta Santo André - Cap. 8 - Fujam ! Não importa pra onde, mas fujam !

Nossos pais entram. A Bruna corre e dá um abraço na minha mãe e no meu pai. Agora a família estava toda junta e segura em casa. Isso é bom, agora tudo o que temos que fazer é esperar isso acabar. Já é uma hora da tarde.

Pai : E como vocês voltaram da escola ?

Bruna : O pai da Ana me trouxe...

Lucas : Eu vim a pé com o pessoal...

Mãe : Você veio a pé ?! Sozinho no meio de toda essa confusão !?

Lucas : Sozinho não, eu tava com a Jéssica, com o Flavio, com a Laís e com o Marcos.

Pai : Por que você não esperou que a gente ia te buscar ?!

Lucas : Porque depois que nos liberaram, a gente ficou lá na calçada esperando, mas aí os doentes apareceram, e a gente teve que sair correndo.

Pai : Bom, pelo menos você tá aqui agora...

Lucas : E vocês ?

Pai : Nós o quê ?

Lucas : Como tava o trânsito...

Pai : Horrível, infernal. Um monte de ambulância e carro de polícia pra lá e pra cá, com aquelas drogas de sirenes. Quase abandonamos o carro e viemos a pé.

Mãe : Eles tavam por todo lugar, seu pai quase atropelou um.

Bruna : Eles quem, os doentes ?

Mãe : É.

O telefone toca. Interrompemos a conversa e a minha mãe vai atender.

Mãe : Alô ?

Pessoa : Dani ? É você ?

Mãe : Eu mesma, quem fala ?

Pessoa : É a Edna.

Mãe : Edna ! Tudo bem ?

Edna : Mais ou menos. Não muito, na verdade...

Mãe : Por que ?

Edna : Você viu né ? Toda essa coisa, essa epidemia...

Mãe : Claro que eu vi ! Vai, fala logo! Já tá me deixando nervosa!

Edna : A mãe ! Eu acho que a mãe tá doente!

Mãe : Doente do que ?!

Edna : É que ela foi mordida, quando ela foi no mercadinho ontem um cara saiu de trás de um carro e mordeu ela.

Mãe : Mas como ela tá ?

Edna : Nada bem. Teve muita febre antes de dormir, aí nós íamos levar ela pro hospital, mas quando o Milton entrou no quarto ela tava de pé e tentou atacar ele. Agora ela tá trancada lá no quarto, gemendo e berrando. Não sabemos o que fazer!

Mãe : Vocês tem que dar um jeito de ajudá-la ! Ela não pode ficar assim!

Edna : Eu sei ! Mas não tem nada que a gente possa fazer !

Mãe : Vocês não iam levar ela pro hospital, caramba ?!

Edna : ...

Mãe : Edna ? Edna ?! Droga, caiu a ligação !

Bruna : Era a tia Edna ?

Mãe : Era...

Lucas : Que aconteceu ?

Mãe : A vó tá doente...

Bruna : Doente ?

Lucas : Ela foi ... mordida ?

Mãe : Snif... eu preciso me deitar...

E ela subiu para o quarto, já chorando. Minha vó agora era um daqueles... daqueles seres. E não havia mais volta. Todos ficamos chateados, claro. Fiquei pensando, relembrando, quando éramos mais novos, eu e minha irmã íamos à casa da minha avó quase todo fim de semana. Brincávamos o dia inteiro com nossos primos e com a tia Edna no jardim. De tarde, ela fazia aquele bolo de chocolate delicioso que só vó sabe fazer, e antes de dormir, quando passávamos a noite lá, ela contava histórias e fazíamos jogos. A Bruna estava chorando também agora. Era uma perda dura.

[...] Três e meia da tarde.

Depois de mais de uma hora tentando, consegui uma conexão estável com a Internet. Não tão boa, na verdade, mas dava pra usar. Em todos os sites era a mesma coisa:

"EPIDEMIA CHEGA A SÃO PAULO"

"EXÉRCITO NÃO CONSEGUE CONTER SURTO DE DOENÇA MORTAL"

"HOSPITAIS LOTADOS: INFECÇÃO LEVA MAIS DE UM MILHÃO AOS CENTROS MÉDICOS"

"SOBREVIVENTES SÃO RECOMENDADOS A SE DIRIGIREM AOS ABRIGOS"

Entro no meu MSN pra tentar falar com alguém. O Marcos, aquele que tinha sumido no caminho pra minha casa, estava on-line. Comecei a conversar com ele:

Lucas :- Cara, onde vc se meteu ? vc tah bem ?

Marcos :- LUCAS ! eu me separei de vcs quando akeles doentes atacaram a gente na frente da padaria!!!!!! eu caí no chão e quando olhei vcs jáa tinham sumido !!

Lucas :- Vc táh onde agora???

Marcos :- num banco aki no centro

Lucas :- Num BANCO ?

Marcos: - é ! a polícia e o exército transformaram ele em um abrigo,

tem boato dizendo que os outros tão lotados já, por isso agora tão usando qualquer prédio pra abrigo.... aki tá cheio já, tem umas 100, 150 pessoas, fora os militares

Lucas :- Caramba o.Ô tudo isso de gente em um banco ?!?!

Marcos: - infelismente. tá horrível aki, mesmo com o ar-condicionado ligado,tá muito quente, todas as janelas tão fechadas, tem gente passando mal já.

........

Lucas:- Droga! Caiu a conexão!

Tento conectar de novo, sem sucesso. É melhor desistir, por enquanto, pelo menos o Marcos tá bem e eu sei como que as coisas estão nos abrigos.

Desço pra sala. Só meu pai estava lá, olhando pela janela. Chegando perto dele, vejo a bagunça que a rua se tornou. Havia três carros batidos, mais uns dois abandonados, uma moto jogada no meio da rua, o dono da moto jogado mais à frente, com a perna esquerda retorcida de um jeito que dava aflição só de olhar. E tinha gente correndo também, e os doentes vindo atrás.

- É o caos - disse meu pai

Definitivamente, a cidade estava de pernas pro ar, aliás, não só a cidade, o o Estado e a Região Sudeste também.

- Pai - eu disse - Que a gente vai fazer agora?

Não há nada pra fazer, exceto ficar aqui dentro e esperar isso acabar.

Uma mulher veio correndo, com duas sacolas de supermercado na mão e três doentes no encalço. Uma das sacolas rasgou, e saíram rolando latas de atum e molho, e embalagens de macarrão. Ela parou e começou a recolher as coisas, colocando na outra sacola e pegando o resto na mão. E os doentes a menos de cinco metros dela. Terminando, ela volta a correr, chega no portão e o abre com dificuldade por estar com as mãos ocupadas. Ao entrar, joga as coisas no chão e fecha o portão rápido na cara dos doentes, que ficam forçando-o para entrar. Ela é a vizinha da frente, dona Teresa, uma mulher muito trabalhadora e honesta que vive com os filhos de 20, 14 e 11 anos. O marido dela morreu dois anos atrás, por causa de um erro médico durante uma cirurgia.

[...]

O tempo passa, já são cinco horas da tarde. Minha mãe e a Bruna finalmente descem dos quartos. Ainda ouvimos muitos gritos, batidas, sirenes, a confusão parece não ter mais fim. Pela TV, que não pára com os noticiários, descobrimos que o Estado de São Paulo já quase não existe mais, a ordem foi perdida, as leis já não funcionavam, os saqueadores estavam fazendo a festa, afinal, a polícia estava muito ocupada com os doentes. Falaram que no mínimo metade da população do Estado já tinha sucumbido à doença. Alguns apresentadores mais histéricos já davam a recomendação: Fujam ! Não importa pra onde, mas fujam ! Achem um lugar seguro e fiquem lá!

[...]

Oito da noite. Chegamos à conclusão que basta de notícias ruins. Damos uma pausa nos noticiários e resolvemos ver um filme. Entre as opcões, Shrek e Piratas do Caribe, algo leve e divertido para acalmar os nervos.

Escolhemos Shrek e acabamos por ver o primeiro e o segundo em sequência. Enquanto assistíamos, fomos interrompidos por uma outra explosão, a segunda do dia. Fomos até a janela e vimos o clarão produzido pelas chamas, mas não sabemos onde foi, pela direção, parecia num posto de gasolina perto do colégio.

[...]

Quase meia noite. É hora de dormir. Mas antes meu pai pede a minha ajuda para por o sofá contra porta.

Pai:- Agora podemos dormir tranqüilos. E amanhã cedo você vai me ajudar a pegar aquelas tábuas no depósito lá embaixo pra pregar no portão.

**Esse depósito é na verdade um quarto não muito grande que a gente costuma guardar tralhas lá e fica no fundo da garagem. E a garagem é o equivalente ao primeiro andar da casa. É assim: 1º andar - Garagem/Depósito; 2º -andar: Sala, cozinha, banheiro e quintal; 3º - andar:

3 quartos e outro banheiro.**

Agora sim, subo pro meu quarto, mas não me sinto muito calmo. Tenho medo que algo possa acontecer enquanto estivermos dormindo. Me troco e deito, sem conseguir dormir. Ainda há muitos barulhos lá fora, carros sendo acelerados, pessoas gritando e as malditas sirenes. A imagem da menina loira apareceu na minha mente. Olho no relógio, já é 00:45. Adormeci.

The Kinslayer
Enviado por The Kinslayer em 05/01/2008
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