Sempre há uma verdade... (parte 1)

Se você não acredita, por que olha para os lados disfarçadamente durante o filme de terror, ou se assusta se lhe tocam o ombro no momento em que o vampiro persegue a vítima na tela? Se é tudo invencionice, por que olha embaixo da cama ou dentro do guarda-roupas antes de deitar, "só para ter certeza que está tudo ok"? Por que evita passar à noite em frente aos cemitérios, já que garante ao seu filho pequeno que fantasmas não existem e os mortos não podem fazer nada aos vivos?

Precaução, diz você. Mas... estranho perder tempo se precavendo contra algo que não existe. Você também não acredita em feitiços, "trabalhos" e vodu, mas prefere não pisar em uma galinha deixada numa encruzilhada, e não se sentiria nada bem se soubesse que um boneco com o seu rosto recebeu agulhas de um desafeto...

Será que, no fundo, não há uma centelha de herança ancestral dentro de você, que guarda uma sabedoria primitiva e ensina que sempre há algo de verdade nas lendas? Será que, sem que você perceba, você não se questiona de onde surgiram vampiros, lobisomens, bichos-papões e outros personagens que povoam as histórias feitas para assustar?

Você nunca se perguntou, mesmo que de brincadeira, como é que esses mitos se espalharam por todos os recantos do mundo há centenas e centenas de anos, quando não havia internet, televisão ou outro meio rápido para difundir as idéias? Como é que simples histórias puderam chegar a diferentes povos, de idiomas distintos e de lugares distantes, mas unidos pela mesma crença no sobrenatural, pelo mesmo medo?

Pois eu acredito nas lendas. Agora, eu acredito. Depois de anos tentando esconder a verdade de mim mesma, fechando os olhos às evidências, eu fui obrigada a acreditar. E não só pela lógica que acabei de enumerar; lógica, por melhor que seja, não são fatos. Mas, quando os fatos apontam que o invisível é real, também não há lógica que os possa destruir – infelizmente.

Da mesma forma, sei que ter um depoimento sobre um fato não é o mesmo que vivenciá-lo. Assim, antes mesmo de contar o que me aconteceu, conformo-me antecipadamente de que você não acreditará no que eu digo. Mais uma lenda apenas, sorrirá. Como Tomé, só acreditaria se a vivesse. Então, e sou sincero, prefiro de todo meu coração que você não acredite no que vou dizer. Mesmo assim, tenho a obrigação de fazer esse relato.

Como eu dizia, também era cético até algum tempo atrás – até bem pouco tempo atrás, na verdade. Para ser mais preciso, até duas semanas atrás. Até que minha vida virou de cabeça para baixo, de uma forma que cheguei a pensar seriamente em me internar voluntariamente em um asilo para loucos. E o teria feito, acreditem, se eu pelo menos tivesse a certeza de que aquilo que descobri deixaria de ser verdade. Mas eu sei que a realidade não pode ser mudada assim, à nossa revelia. Por isso, decidi que contar a minha história era a única forma de salvação possível. Se não para mim, pelo menos para outros que possam aprender com ela.

No momento em que escrevo, estou escondida, encerrada num esconderijo distante. Não que esconderijos possam evitar o pior, mas tenho esperanças de que possam pelo menos adiá-lo. Não tenho muito tempo, por isso preste a máxima atenção no que eu estou lhe dizendo: não irei repetir essa história.

(continua nos próximos dias...)

Maristela Scheuer Deves
Enviado por Maristela Scheuer Deves em 09/03/2008
Código do texto: T894390
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.