Sempre há uma verdade.... (Parte 2)

Tudo começou em uma bela noite sem lua, uma noite que, mesmo sem o seu satélite, estava clara, incrivelmente clara. Uma noite que convidava a um passeio a pé pelas vizinhanças, curtindo a quietude de uma tranqüila cidade interiorana. Olhando pela janela, não resisti àquela tentação. Pegando apenas um xale para proteger-me do sereno, saí a percorrer as ruas próximas. Mas não fui muito longe.

Eu andara, talvez, uns 10 minutos quando algo chamou minha atenção. Não era nada definido, talvez uma mudança nos poucos sons da noite, talvez um incremento do ar frio ao meu redor. Até agora não sei ao certo o que me fez parar, sei apenas que senti um arrepio que nada tinha a ver com frio e uma urgência de correr para casa e me colocar em segurança.

Passado o primeiro momento, ri de mim mesma. Ora, o que estava acontecendo? Por acaso eu agora estava com medo de assombração?, perguntei-me, e ri outra vez. No entanto, estava realmente ficando frio, e o bom senso – somente isso, garanti a mim mesma – dizia que era hora de eu ir para o meu quarto quentinho. Ajeitei o xale mais firmemente sobre os ombros e dei meia volta, seguindo pelo mesmo caminho que viera. Os passos estavam mais apressados do que antes, mas, afinal, eu precisava andar rápido para me esquentar.

Quando cheguei a vinte metros de casa, percebi que estava correndo. Constrangida, diminuí o ritmo, mas o mantive rápido o suficiente até passar pela porta e trancá-la atrás de mim. Minha respiração estava ofegante eu começava a suar, num marcante contraste com o frio de apenas segundos antes. Depois, inexplicavelmente, voltaram os arrepios.

- Devo estar com febre – disse a mim mesma, em voz alta. Assim, dirigi-me ao quarto e me enfiei embaixo das cobertas, deixando só o rosto de fora – o rosto e o pescoço.

Depois de alguns minutos deitada, levantei-me para checar se a janela estava bem fechada. Senti-me extremamente idiota fazendo isso, mas estava tomada de um medo que, naquele momento, acreditava ser totalmente irracional. Naquele momento, pois sei agora que o pavor aparentemente sem motivo que me envolvia tinha sim razão de existir, que o perigo era identificado no fundo do meu ser por um sexto sentido que sabia muito bem o que estava fazendo e o que podia acontecer.

Na manhã seguinte, porém, acordei com um ar frio me envolvendo, e a garganta dolorida. Gemi e olhei ao redor. A janela estava não somente aberta, mas escancarada. O medo que eu sentira na noite anterior tinha desaparecido agora que o sol se insinuava por entre as curtinas, porém o frio parecia ainda mais intenso. Assim, levantei-me ainda meio sonolento e enconstei a janela, antes de colocar um casaco. A temperatura tinha caído vários graus à noite, ou então era eu que ainda estava com febre. Tomei uma aspirina para espantar a gripe e a dor de garganta e desci para tomar café.

– Você está doente? – perguntou minha mãe, assim que me viu – Essa noite entrei em seu quarto e você estava suando, por isso abri a janela, sem querer te acordar se tirasse as cobertas. E agora você me aparece de casaco de lã!

Intrigada, ergui os olhos do café, que de qualquer forma não me parecia apetitoso, e a vi com um florido vestido de verão. “Calorões da menopausa”, pensei para mim mesma, sem querer dizê-lo em voz alta, mas nisso meu pai e meu irmão também entraram na cozinha, ambos de bermuda. Então, era eu a errada.

– Acho que estou com um começo de gripe, não estou me sentindo bem – admiti.

Preocupada, minha mãe correu para preparar um chá.

– Com isso você vai ficar bem logo, logo – garantiu, colocando a xícara fumegante na minha frente. – Tome de um gole só.

Com o nariz trancado do resfriado, não senti cheiro nenhum, e fiz como minha mãe ordenara. Somente para cuspir tudo no momento seguinte. Era chá de alho.

Maristela Scheuer Deves
Enviado por Maristela Scheuer Deves em 15/03/2008
Reeditado em 17/03/2008
Código do texto: T902339
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