O quadro

Estava ali aproximadamente uns quinze minutos, ainda não havia percebido aquele quadro em cima de sua cabeça, provavelmente ao sentar no sofá já o tinha visto. Tentou se lembrar mas não conseguiu. Era um quadro bonito, retratava uma paisagem de uma praia, o mar, o crepúsculo, alguns coqueiros que balançavam com o vento e o céu azul que abrigava umas poucas nuvens.

Ele ali parado em frente ao quadro, começou sentir que aquele objeto de alguma maneira inexplicável mexeu com seu humor, era um estúpido em relação as artes plásticas, não conseguia destinguir um Rembrant de um Picasso, um Van Gohg de um Rubens, aquele quadro não se tratava de uma obra de um desses grandes mestres, muito pelo contrário, mas de alguma forma o agredia.

Afrouxou um pouco a incômoda gravata, tirou o paletó, jogou-o em cima de uma poltrona de couro preta que estava próximo a ele, não conseguia tirar o olhos do quadro, num gesto mecânico como se quisesse acordar de um sonho esfregou a mão pelo rosto.

Tentou esquecer do quadro, olhou o relógio, vinte minutos se passaram, deixou o corpo cair no sofá, não podia vê-lo, talvez esqueceria daquele quadro, pegou uma revista em cima da mesinha de centro, folhou-a, nervosamente e rapidamente, a respiração estava ofegante, gotas de suor brotavam de sua testa, enxugou-as com um lenço que trazia no bolso da calça.

O quadro, o maldito quadro, jogou a revista de volta na mesinha, esfregou as mão ainda com mais força no rosto, respirou fundo, quando terminou soltou involuntariamente um leve gemido, não entendia o motivo de tanto sofrimento, causado por aquele quadro, aquele nocivo quadro.

Levantou a manga da camisa até a altura dos cotovelos, pegou novamente a revista folhou-a, novamente e jogou-a em cima da mesinha novamente, não conseguia concentrar-se em nada, não podia pensar em outra coisa senão o quadro.

Falou em voz alta pausadamente como se falasse para seu interior:

_ Você tem que esquecer este quadro, por favor ...

Só depois disto verificou se estava sozinho na sala, poderia passar como louco, não era, não era, num gesto lento e como se tentasse evitar, colocou sua mão direita em cima dos olhos, tinha que esquecer.

Deu um salto, abaixou as mangas da camisa, apertou a gravata, colocou o paletó, tentou se recompor, passou as mãos pelos cabelos, enxugou o suor da testa que teimosamente brotava sem permissão, deu uns leves tapinhas no rosto como se clamasse por ânimo.

Começou a andar pela sala, consultou o pulso, o relógio marcava quase trinta minutos daquela agonia.

Olhou em cima de uma mesa no canto próximo a porta, provavelmente da secretária, telefone, bloco de notas, uma agenda, muitos papéis e um porta objetos.

Virou-se para o quadro, colocou as mãos sobre o rosto, levantou a cabeça num gesto rápido, sabia o que tinha de ser feito, aquela agonia teria um fim.

Foi até a mesa, pegou o porta objetos, jogou o conteúdo em cima dos papéis, estava lá, ele tinha certeza que ali dentro teria um daqueles, como? Não sabia, mas tinha a certeza, pegou o extrator de grampos, segurou com muita força, como se fosse um troféu, ganho a muito custo, depois apertou sobre o peito, em passos largos e rápidos chegou ao quadro, não pensou duas vezes, deu um poderoso golpe, que o furou no canto esquerdo superior, bem em cima a um coqueiro, depois levou a mão ao sentido oposto talhando o quadro de um canto ao outro até a moldura.

Estava aliviado e orgulhoso, soltou um leve sorriso, que dentro dele transformou-se em uma poderosa gargalhada.

A outra porta se abriu.

_ Desculpe-me a demora, entre por favor.

Deu uma última olhada no ferido quadro, sorriu e entrou porta adentro.

Fabiano Fernandes Garcez
Enviado por Fabiano Fernandes Garcez em 16/07/2008
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