Lua Branca

A lua estava cor de leite, e ela sorriu. O seu nome era Sabrina, e quanto mais me olhava, mais eu desejava me afastar. Eu tinha medo. Eu era louco. Muito a custo, me aproximei e disse não quero te matar, ela retrucou a gente não precisa morrer, só se amar. Eu sabia bem o que era o amor. Mas não fui capaz de entender que ela não falava desse tipo de amor podre que rastejava, vil, em meu peito. De outro tipo é que falava. Eu tinha dezesseis anos e amava uma mulher chamada Amália. Não sabia que não se sabe nada desse tipo de amor nessa idade. Amália: criatura indócil, eu a desejava e não sabia explicar o que era desejo. Amália me desprezava, e da janela do meu quarto eu a via. Ela tinha um namorado. Ele era muito mais velho que eu, e fumava, e usava um piercing no nariz. Da janela do meu quarto eu quase via os dois. Tentava imaginar o que faziam depois que ele sempre pulava a janela do quarto dela de madrugada. Eu não sabia o que faziam. Não sabia o que as pessoas faziam quando se amavam. Minha mãe era evangélica, não me deixava assistir televisão. Eu também não sabia o que faria depois Amália descobrisse que me amava.

A lua branca me sorriu. São só dez reaus, disse Sabrina e ao dizer vi que faltavam alguns dentes em sua boca espessa de tão vermelha. Pensei isto é que é uma mulher da vida? Ela me pegou pela mão, levou-me para um quarto de hotel. Ali tudo cheirava a baratas e flores mortas. Sem nada dizer, abriu o zíper da minha calça e me chupou, louca, ávida. Era a primeira vez que tanto prazer percorria meu corpo. Entre gemidos e espasmos, lhe perguntei: é isso o que as pessoas fazem quando se amam? Sabrina riu, lasciva. E disse: isso nada tem a ver com amor, meu bem, é só sexo. Eu ia perguntar qual a diferença, mas antes veio a proposta: mas se quiser, mostro tudo o que as pessoas fazem quando se amam. Eu disse quero e ela disse dez é pouco, perguntei quanto?, ela respondeu cem. Concordei. Ela pegou o dinheiro e o guardou. Perguntou se eu era rico. Respondi que sim, que meu pai era dono de uma cadeia de lanchonetes. Ela disse é mesmo?, eu disse não, é mentira. Ela perguntou mentira que você é rico?, respondi não, mentira que meu pai é dono de uma cadeia de lanchonetes. Ela perguntou ele é o quê, então? Falei a verdade, que era militar reformado, que ficara paraplégico depois de um acidente de carro. Tive vontade de dizer mais, que sentia vergonha dele, não por seu estado, mas porque tentava esconder que fora torturador do exército na época da ditadura e minha professora de História sempre dizia que os torturadores eram tremendos covardes, que devíamos nos envergonhar de nosso passado negro nas mãos dos militares. Minha professora devia saber o que dizia, ela franzia a testa ao falar, seus dentes eram encardidos, se cuspia toda. Era feia, gorda, flácida, mas mesmo assim, às vezes, eu sonhava que perdia a virgindade com ela.

Depois que me mostrou tudo o que as pessoas fazem quando se amam, Sabrina acendeu um cigarro e ficamos deitados na cama, imóveis, em silêncio; ela, olhando fixamente para as pás empoeiradas do ventilador de teto; eu, o nariz enfiado em suas axilas, aspirando o odor agridoce do seu suor. Mais tarde perguntei se ela sabia tanto do outro tipo de amor como desse que fizéramos há pouco. Ela respondeu não tem nada de amor no que fizemos, isso é só negócio. Depois disse mais: mas se te interessa de amor nada sei, nunca amei ninguém, nunca vou amar. Não acreditei nisso que ela disse porque depois que o disse sua expressão mudou, já não parecia tão indiferente quanto no início, seus olhos ficaram cheios de água, e achei que fosse chorar. Mas não chorou. Então perguntei se ela queria saber como tinha morrido o namorado da Amália. Ela não respondeu nada. Mesmo assim, contei.

Contei que, na escola onde estudava, um amigo meu tinha um irmão que era bandido. O meu amigo disse que esse irmão dele era foragido da polícia, e que vivia de cometer pequenos delitos. Eu não sabia o que era delito, mas achei que devia ser algo muito terrível. Perguntei se o meu amigo sabia onde o irmão dele estava e ele disse que sabia, todo mundo sabia, que até a polícia sabia mas não fazia nada porque o irmão dele dava dinheiro para não o prenderem. Perguntei para o meu amigo se ele achava que o irmão dele aceitava fazer um negócio. O meu amigo respondeu: depende de quanto você puder pagar, e eu disse que dinheiro não era problema e quis saber se ele me levava para falar com o seu irmão. Ele concordou e naquele dia mesmo me levou ao barraco onde o irmão morava. O irmão do meu amigo perguntou o que eu queria e eu disse na lata dele, tentando parecer o mais decidido que podia: quero matar um cara. Ele disse: isso vai sair caro. Fiz como meu pai ensinara: quando entrar numa negociação seja firme, decidido, não vacile ou será engolido, e disse: faça o preço. Ele disse: quero quinhentos. Eu disse: metade antes, metade depois. Ele disse: fechado. Depois passei os detalhes para o irmão do meu amigo e avisei nada de revólver, tiro, essas coisas. Ele perguntou: como, então? Respondi: atropelado. Ele disse: se quer assim, seja assim.

Tudo aconteceu na madrugada seguinte. Vi tudo da minha janela. O irmão do meu amigo esperou até que o namorado da Amália saísse da casa dela e colocasse os pés na rua. Assim que isso aconteceu, acelerou o carro roubado e acertou o homem em cheio, jogando-o para cima, girando no ar que nem um boneco de pano até cair de cabeça no asfalto.

Ele morreu?, perguntou Sabrina. Morreu bem mortinho, respondi, o crânio estilhaçou-se todo e dizem que o cérebro ficou igual a uma banana amassada. Sabrina exclamou: que história mais mentirosa. Eu gritei mentira nada, pura verdade, juro por minha mãe. Ela olhou para mim com uma cara de capaz que esse pirralho que não sabe nem o que é a vida direito vai ter idéia pra fazer uma coisa dessas. Para comprovar que tudo era verdade, peguei um recorte de jornal na minha carteira e lhe mostrei. Havia uma foto do acidente. Aqui estou eu, este é o morto embaixo do lençol, esta é a Amália. Sabrina olhou a fotografia e me devolveu, não disse nada. Acho que ficou com medo. Perguntei se ela queria saber de onde eu tinha tirado a idéia do atropelamento. Não respondeu. Apenas vestiu-se, fumou mais um cigarro, e disse que eu devia ir embora.

MAXIMILIANO DA ROSA
Enviado por MAXIMILIANO DA ROSA em 08/02/2006
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