O CORONEL BOCA RICA

O CORONEL BOCA RICA

No interior das Alagoas havia um rico fazendeiro que entre outras extravagâncias, tinha o hábito de divulgar em alto e bom som que em sua boca tinha ouro que valia um carro zero quilômetro!

O homem era realmente muito rico. Era um dos maiores criadores de gado bovino do Estado!

Apesar de casado, o Coronel Boca Rica, como era popularmente conhecido, costumava pular a cerca. Era um mulherengo inveterado! Não podia ver um rabo de saia, que ia logo se enxerindo!

Sua esposa, dona Paciência, mulher recatada e submissa, fazia vistas grossas para as escapadas do marido. Por muitas vezes chegaram aos seus ouvidos notícias dos casos do Coronel com moçoilas interesseiras, muitas das quais acabariam por parir os filhos bastardos do fogoso pecuarista.

O Coronel nunca assumiu publicamente a paternidade dessas crianças, mas sempre que precisavam ele as ajudava, bem como às mulheres.

Os anos foram passando, o Coronel envelhecendo, e o seu patrimônio vinha diminuindo por culpa de seus gastos exagerados com farras e meninas de “vida fácil”.

Em uma de suas viagens à capital, o Coronel sofreu um acidente automobilístico,e como conseqüência, veio a falecer alguns dias depois!

Durante o velório, apesar do respeito que tinham à esposa do “De Cujus”, muitas “viúvas” compareceram discretamente, algumas delas acompanhadas de seus rebentos! Era um chororó danado!

A viúva oficial, que nunca conseguira dar filhos ao Coronel, e que durante toda a vida aceitara aquela situação como forma de auto-punição pela sua incapacidade de gerar os filhos tão desejados pelo casal, em um dado momento enfureceu-se e chamou o administrador da fazenda, dando-lhe ordens para tirar dali as supostas viúvas juntamente com seus filhos!

Passados alguns meses, quando da regularização judicial da posse dos bens deixados pelo falecido, dona Paciência teve uma infeliz constatação, pois, começou a chover pedidos de reconhecimento de paternidade e de habilitação no processo de inventário do Coronel Boca Rica!

Na partilha dos bens, apesar de não ter ficado totalmente desprovida, dona Paciência sofreu um grande abalo em suas finanças, e como não tinha a menor aptidão para tocar os negócios da fazenda, terminou por entrar numa séria crise financeira.

Foi nesse momento de atribulações monetárias que ela lembrou-se da fama de seu marido! NÃO ERA ELE O BOCA RICA ?????

Por alguns dias dona Paciência oscilou entre o drama de passar necessidades e privações, e o drama de consciência por pensar em violar o túmulo do marido em busca do tão propalado OURO, que valia tanto quanto um carro zero quilômetro

A necessidade falou mais alto! Morrendo de vergonha dona Paciência procurou o coveiro do cemitério municipal, contando que precisava de seus serviços numa missão muito especial. Inventou que precisava fazer exames na arcada dentária do Coronel para provar na Justiça que ele não era pai das dezenas de crianças que se apresentaram como filhos! Prometeu uma ajuda financeira ao desafortunado funcionário público. O coveiro mostrou-se muito temeroso em realizar tão inusitada tarefa, mas, cedendo à insistência da viúva, terminou por aceitar a funesta missão.

Combinaram que o serviço seria feito no dia seguinte, sob o pretexto de remover o esqueleto do Coronel para o ossário da família! A viúva não queria assistir a cena, e ao final do dia passaria para pegar a encomenda.

Como combinado, a viúva foi ao cemitério pegar o pacote, isto é, a sacola. O coveiro, todo sem jeito, entregou a esquisita encomenda à dona Paciência, que tremendo mais do que uma vara verde, abriu sua bolsa, colocando a sacola ao tempo em que pegava algumas notas de Real e as dava ao seu cúmplice.

Dona Paciência, com o coração batendo na goela, rogando desculpas a Deus e ao finado, saiu correndo do Campo Santo. Nem sequer abriu a sacola para examinar a mercadoria!

No trajeto para casa ela pensava: amanhã eu vou à capital. Levarei os dentes ao Dr. Pasternack, dentista que cuidou por muitos anos do Coronel. Conversarei com ele e pedirei o favor de separar o joio, do trigo, ou seja, o OURO, dos dentes!

A viagem parecia não acabar nunca! E se a polícia parar o carro e revistar a minha bolsa, pensava a viúva!

Chegando ao consultório, dona Paciência se apresentou e disse à atendente que queria falar com o doutor um assunto particular, que não seria uma consulta para tratamento. A jovem secretária informou-a que o doutor estava atendendo um paciente e que iria dar o recado.

Quando o doutor terminou de atender, pediu que sua secretária mandasse a distinta senhora que esperava na recepção entrar.

Depois das apresentações e dos cumprimentos, dona Paciência foi logo se desculpando e dizendo que estava passando por dificuldades, e que por esse motivo precisava de um grande favor!

O dentista, sem entender do que se tratava, disse: dona Paciência, o Coronel foi meu cliente por muitos anos, e dos bons, e além disso era um grande amigo, portanto, se a senhora está com problemas e eu posso ajudar, não se acanhe! Diga-me do que se trata e se estiver ao meu alcance terei imenso prazer em ajudá-la!

A viúva não perdeu tempo. Pegou a sacola com os dentes do falecido e colocou-a nas mãos do dentista dizendo: doutor, aqui estão os dentes do meu marido. Preciso do OURO que foi usado nas peças!

O Dr. Pasternack tomou um susto. Teve que sentar-se! Lívido, gaguejou: ma..., ma..., mas dona Paciência, o que, glup..., o que, glup.., foi que a senhora fez, glup..., com o Coronel?

Nesse instante a viúva desatou a chorar, e entre soluços, contou ao dentista a dificuldade por que passava, e que via naqueles dentes a solução para seus problemas!

O doutor, mesmo sensibilizado com a situação da viúva, explicou que aquilo que ela tinha feito era crime previsto em lei, e que se ele a ajudasse, estaria sendo cúmplice.

Disse-lhe ainda, que o valor do tratamento odontológico não era calculado apenas pela quantidade de ouro usada no trabalho, e que o metal não representava nem dez por cento do valor cobrado no preço final.

Ao ouvir as palavras do dentista, dona Paciência começou a se arrepender de ter mandado extrair os dentes do Coronel! Apesar disso, insistiu para que o doutor retirasse o OURO. Ela deixaria a sacola ali com ele e depois voltaria. Não queria ver os dentes do marido.

O Dr. Pasternack, muito constrangido, aceitou examinar os dentes do finado amigo, com a condição de que dona Paciência estivesse presente durante a inusitada operação!

Não tendo outra alternativa, a mulher aceitou ficar.

Ao abrir a sacola o rosto do coitado do dentista passou de um cenho carregado, para uma feição de alívio e indisfarçável contentamento! Olhou para a viúva e lhe disse: veja dona Paciência, aqui tem alguns dentes quebrados e outros com restaurações de amálgama, mas, nenhum OURO! Os garimpeiros de cadáveres chegaram antes da senhora!

A mulher, incrédula, quase desmaiou. Foi preciso que o Dr. Pasternack a segurasse, ajudando-a a sentar-se! Ela não acreditava no que estava acontecendo. Como se não bastasse a vergonha que tinha passado, ainda ficaria no prejuízo!

Quando sentiu-se melhor, perdeu o medo e revirou os dentes freneticamente à procura do desgraçado OURO. Não encontrando, começou a maldizer o dia que se casara com aquele infeliz. Só não chamou o Coronel de bonito!

Ela jamais saberia quem havia roubado o OURO!

Voltou para a fazenda tão endividada quanto quando saíra. Teria que arrumar uma outra forma de resolver seus problemas financeiros. Talvez vender a fazenda ......

Agora, caro leitor, se você passa por uma situação parecida e não quer ter nenhuma surpresa desagradável, grude no seu defunto e só largue quando tiver a certeza de ter tirado até o último grama de OOOUURO!!!