AFRONTANDO FANTASMAS

Jota , como era conhecido o farmacêutico de Britânia, vendera sua farmácia ao Zezinho do Cabeça Branca e estava montando um outro comércio, iria trabalhar agora com secos e molhados. Estava tentando se estabelecer com um pequeno peg-pag.

A principio tudo era estranho, pois o costume era ver mercadorias em prateleira e o comerciante atrás do balcão com seus auxiliares para atenderem aos fregueses.

Agora o que se via eram mercadorias em cima de mesas e também sobre caixotes e estrados no chão, onde o freguês escolhia o que queria e passava diretamente no "caixa", sem interferência de ninguém. Só que ainda faltavam os stands e balanças para acondicionarem os produtos.

Sobrara um pouco de dinheiro e com este também tentava duplicá-lo na compra e venda de cereais. Com o lucro das vendas pretendia aumentar o estoque do mini mercado.

Jota começara a comprar arroz em casca, mas não tinha caminhão para o transporte, por isso pagava frete ao Nelson Cabral, ao Zezito do Bidú ou ao Clovis para transportar o produto até aos grandes cerealistas de Goiânia, e nessas viagens, sempre tinha que ir junto.

Corria a noticia em Britânia que no lugar chamado "João Balbino" estavam acontecendo coisas inexplicáveis. Diziam que o lugar agora era mau assombrado.

João Balbino era um pequeno proprietário de um pedaço de terras próximo ao lugar conhecido como Tira-Pressa, não muito longe da vila de Santa Fé. Também não apenas cultivava seu pedaço de chão, montara em sua casa à beira da estrada, um boteco que além de vender bebidas, servia refeições ou lanches aos viajantes e era ajudado por sua esposa e filhos. O lugar já era conhecido por todos que por lá passavam. Era parada obrigatória dos ônibus . Era muito famoso o creme de abacate e a coalhada por eles servidos. João Balbino era uma pessoa de idade já avançada e tinha uma barba comprida, amarelada da cor de ferrugem que vezes se tornava vermelha devido à poeira do lugar. Era alto, narigudo e magrelo. Figura interessante.

O caminhão Mercedes Benz do Zezito estava lotado nesta viagem. Jota conseguira fazer a carga com mais de cento e trinta volumes de arrôz e a mercadoria era muito boa, por isso estavam levando aproximadamente oito mil quilos.

Saíram de Britânia de madrugada e era mais ou menos meio dia quando estavam chegando no ponto de almoço. Sabiam que o cardápio ali não mudava. Sempre tinha pra comer arrôz, feijão preto, gueróba, carne de porco, ovos fritos e abobrinha refogada. Rara vez aparecia na mesa uma salada de tomates com alface e chuchú, mas era muito bem feito e o tempero muito bom. E Além do mais, estavam com muita fome.

Durante todo o trajeto vieram comentando o que estava acontecendo na casa do João Balbino. Diziam que alguma coisa estranha jogava pedras dentro de casa, abria as tampas de panelas na hora que estavam cozinhando e punham objetos como sementes de babaçu, pedras e até estrumes de gado dentro. As pedras caiam dentro de casa, atravessando o telhado sem quebrar telhas e assim estava assustando e fazendo o povo fugir dali. O interessante é que as pedras que apareciam, não eram daquela região! Eram pedras diferentes daquelas que ali existiam.

Zezito, muito calmo, mas com certo temor queria almoçar em Santa Fé, na pensão do Agostinho. Mas Jota piauiense das regiões da Barra do Corda, estatura mediana, com a cara cheia de cicatrizes deixadas pela bexiga preta (varíola), não se intimidava por nada e diz ao Zezito:

- Que nada Zezito. Isso não existe... é tudo conversa... vai ver que o Agostinho é que está inventado prá ficar com os fregueses do João Balbino. Eu nunca vi nada de assombração em toda minha vida. Se existir, eu quero que apareça pra mim, que eu vou trocar tapas e murros com ela. Que venha do jeito que quiser! Quem morreu, morreu e acabou... não vai aborrecer mais ninguém. É tudo mentira!

- Eu penso diferente. Não quero brincadeira e nem conversa com esse tipo de coisa. Também nunca vi... mas tem muita gente que diz que já viu e de lembrar se suja de mêdo! Respondeu o Zezito.

- Vou mostrar prá você que não tem nada disso por aqui... você vai ver!

Nisso Zezito encosta o caminhão sob uma mangueira muito grande e desce primeiro. Já do lado de fora se espreguiça e vai olhar os pneus e a carga, se tudo está em ordem.

Jota demora um pouco na cabina do caminhão. Carrega sempre consigo uma pasta de couro, com vários compartimentos onde leva toalha de rosto, sabonete , objetos de seu uso pessoal, documentos , dinheiro e um revólver. Pega o revólver e debaixo do assento do motorista um facão do tipo ponta direita e sai da cabina.

Já do lado de fora, vê o Zezito e começa a brandir o facão para o alto e para baixo com a mão direita e com a esquerda segura o revólver, como se estivesse ameaçando alguém:

- Apareça agora assombração do outro mundo! Vem brigar comigo se você for homem... vou te cortar todinha ...

E riscava o chão com o facão, movendo rapidamente para os lados, e apontava o revolver para todos os lados, em tom de galhofa.

Zezito olhava aquilo estupefato, mas não falava nada. Jota ria e começou andar em direção ao boteco do João Balbino, quando aconteceu o inesperado...

Começou a cair uma chuva de caroços de babaçu e pedras itapiocangas em cima do zombeteiro, que assustado tentou correr para o caminhão, tropeçou em uma raiz e caiu.Vinham pedras de todos os lados, sem ter ninguém para atirá-las. Sementes de babaçu passavam assoviando sua cabeça. Apavorado põe a mão no rosto para se proteger, se levanta e volta correndo para o caminhão!

Ao entrar na cabina, a manifestação desaparece e para completamente o ataque, o comerciante pálido e tremendo de medo fecha a porta, sobe os vidros e se aquieta.

Zezito vai até o local onde o Jota havia caído e pega o revolver e o facão que lá haviam sido deixados e volta apressado para o caminhão. Entra, liga o motor e põe o veículo em movimento. Afastando do lugar, pergunta ao Jota:

- Vamos almoçar na pensão do Agostinho? A comida lá deve ser boa hoje...

Jota já refeito do susto, mas muito emocionado responde baixinho:

- Eu não vou almoçar... estou sem fome. Mas você não para lá ... a comida do Zino lá em Jussara é bem melhor! É lá que vamos comer...! Respondeu com a voz entrecortada.

Passaram direto por Santa Fé e só pararam em Jussara . No restaurante do Zino só o Zezito jantou, pois havia passado da hora do almoço, e Jota não quis comer alegando estar sem apetite.

Com essa Jota nunca mais quis falar em enfrentar assombrações e e brincar com coisas desconhecidas. Algum tempo depois talvez para ficar bem longe daquela região, se muda de Britânia e monta uma outra farmácia, agora em Taguatinga, no Distrito Federal.

Milgo
Enviado por Milgo em 26/02/2006
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