A VIAGEM e a MENINA

Silvânia Mendonça Almeida Margarida

(Este é um conto fictício) (Todos os direitos reservados)

Esperar é tão bom. Sabia eu esperar? Mas esperar o que e por quem?

Ter esperança que algo de importante fosse acontecer na minha vida? Sinceramente, eu não sabia.

Lá estava eu no meio daquela estrada. Meu Deus!

Como chovia!!!Chovia a cântaros!

Não sabia se o que molhava meu rosto era aquela chuva torrencial ou se eram as lágrimas torrenciais que desciam pelo meu rosto. Tudo se misturava. Lágrimas, chuva, saudade. Saudade! Saudade de quem e do que?

Disseram-me que era bom sentir saudade, no entanto, estava eu ali, naquele ônibus de interior, uma jardineira ultrapassada, por assim dizer, um transporte horrível e estragado, numa estrada sem asfalto, indo para longe. E eu sem querer ir. Com a " jardineira" sem funcionamento, tivemos que descer. Ficar parada no meio daquela estrada desconhecida e inútil. Inútil? Eu ultimamente não agüentava nem a mim mesma. Questionava tudo e todos, inclusive aos motivos que me levaram a ter aquele diploma adquirido na capital.

O tempo foi passando. E o tempo passava e a chuva continuava. O “tiritar” do frio era imenso. E o frio do meu coração????

Um tremendo desconforto. Ficar ali naquele lamaçal, esperando a boa vontade de um MECÂNICO DE UMA CIDADE QUALQUER, chamado às pressas, para consertar o nosso veículo.

O ``imponente transporte`` que iria nos levar para o nada, ou não sei, me levar para o nada.

Para onde estava indo? Para uma cidade desconhecida. O que era o nada. A cidade desconhecida ou meu coração vazio.

Uma coisa eu tinha certeza. eu era uma desconhecida de mim.mesma.

Fugia de mim mesma.

Fugia da necessidade de viver. Fugia da crença num tal de Deus, Daquele que muitas vezes, na Igreja de São Expedito, uma igreja pequenina, na minha rua, na minha cidade, eu escutei muitos ``doidos`` clamando...

QUE DEUS QUE NADA!

Existiria tal força? Existiria tal pessoa? Existiria tal Divindade? Era personificada? Quem seria este Ser-todo-Poderoso que não dava um jeito no meu problema existencial? Nos problemas existenciais de cada um?

Nem adianta expor que este mundo é um processo de dureza de alma e sofrimento. E eu não me preocupo com o mundo.Eu não me preocupava com o mundo.

De verdade, eu estava preocupada por demais comigo. Exercia minha profissão por sobrevivência.

Dinheiro, posição profissional, um amor e um consolo de companheiro; não, estes não eram os problemas. Claro que todos estes títulos, eu já havia conseguido. Mas o que faltava?

O que me doía de verdade, o mais terrível, era o meu vazio. Imenso vazio. O meu vazio de falta de crença e esperança.

SUICÍDIO? NÃO. EU ERA MUITO COVARDE PARA TAL ATITUDE.

Achava isto um pouquinho bom, pois não sei porque, lá no fundo da alma, tinha um receio, vindo não sei de onde.

O MOTORISTA ANUNCIOU QUE A NOSSA ``JARDINEIRA`` ESTAVA PRONTA. Seguiria viagem. Precariamente.

Na última parada da viagem, quando o motorista anunciou o ônibus estragado, ``engolindo fôlego`` para funcionar, MUITOS PASSAGEIROS FICARAM POR LÁ. Não quiseram se arriscar. Como eu não tinha nada a perder!!! Continuei indo para a cidade desconhecida.

A chuva continuou, agora caindo fininha, como característica do mês de novembro.

DE REPENTE!!!

Sentou-se do meu lado um senhor de meia-idade e carregava uma menina. O assento ao meu lado estava desocupado.

NUNCA, MAIS NUNCA MESMO, TINHA VISTO UMA CRIANÇA TÃO BONITA. TINHA MAIS OU MENOS 9 ANOS.

Mas que importava! Era uma passageira a mais.

E as lágrimas, estas não conseguiria segurar. Choraria com a cabeça virada para a janela e assim ela não se impressionaria com minha situação.

Embora criança era uma desconhecida para o meu egoísmo.

E eu realmente não estava preocupada com ninguém.

ALGO, PORÉM, ME CHAMOU A ATENÇÃO.

COMECEI A REPARAR SEUS TREJEITOS, SUAS ESTERIOTIPIAS.

Batia palmas a cada curva e a cada balanço do ônibus. Notei que ficava com o seu olhar azul parado, buscando o longe, o indivisível, o nada.

O mais estranho é que não perdia o brilho.

A viagem seguiu e a chuva também.

O meu estado de alma estava um pouco mais calmo.

Teria sido anestesiada contra a minha mesmice?

Usufruía agora de uma serenidade que não conhecia até então.

Os trejeitos diferentes da menina sentada ao meu lado, no colo do homem de meia-idade, na minha profissão, era fácil diagnosticar.

EM MUITOS ANOS E EXPERIÊNCIAS DE PSIQUIATRIA, NUNCA HAVIA ENCONTRADO UMA CRIANÇA AUTISTA TÃO BELA, intrigante em seu aspecto diferente, e, ao mesmo tempo, muito especial, transmitindo-me paz infinita e serenidade. Curiosa, indagava-me. Como?

Casos outros, síndromes as mais variadas, diagnósticos diferentes, conhecia demais, mecanicamente.

Não havia amor ali. A minha fama na capital não tinha razões espirituais. Era famosa na minha profissão. No entanto, mecânica e sem amor. Havia recuperado muitas funções de alguns de meus pacientes. TRATAMENTOS: FAZIA-OS MUITO BEM, porém, sem envolvimentos, sem laços emotivos. Havia conseguido melhoras,

havia escrito ensaios e livros, nada mais.Era o meu trabalho e pronto.

Esqueci das lágrimas, esqueci dos problemas, esqueci da minha vida inútil de noites a ``sete véus`` nos braços de pessoas, na companhia de divertimentos.

“-MOÇA, CHORA NÃO! EU GOSTO DE VOCÊ. “

PROCURE GOSTAR UM POUQUINHO DE MIM.

Você me verá sempre. Em todas as crianças como eu. Em todos os olhos que brilham como o meu. São luzes do firmamento, são estrelas jogadas ao vento, para poder renascer.

Eu estava escutando aquilo? Não podia CRER. O meu esgotamento tinha chegado ao delírio? Estava boquiaberta. Mas não, aquela era a minha realidade.

Achei totalmente estranho, uma criança autista falar com tanta facilidade. Mas na minha experiência, poderia admitir esta facilidade da menina. A fronteira do autismo permite, a cada dia, novas descobertas. O autismo é um mistério para quem não conhece suas causas, seus momentos. Ela havia adquirido a linguagem e pronto. Não se sabe como, mas a sua linguagem era nítida. A voz, uma melodia.

Cada caso é um caso, pensei.

E ELA CONTINUOU, E, AGORA, DIRIGINDO-SE AO SENHOR QUE A TINHA NOS BRAÇOS.

-A VIAGEM TERMINOU, PAPAI. PODEMOS IR.

Estava abismada. Nunca tinha visto coisa igual.

Realmente, eu também havia chegado àquele que julgava ser meu destino, a partir de então. UMA MÉDICA DE UMA CIDADE DO INTERIOR.

Procurei ajeitar minhas coisas para descer.

O pai da menina não havia dado uma palavra comigo. Entendi, pessoas estranhas não conversam com pessoas desconhecidas. E ele tinha aquele fardo a carregar.

Mas como ela, tinha aquela aparência tranqüila de bem-viver. Seria ela um fardo?

Qual foi minha surpresa! A confusão foi maior quando me virei para me despedir da garota. A porta do ônibus ainda não havia sido aberta e meus companheiros de viagem desapareceram. Como? Isto era possível?

PAI E FILHA JÁ NÃO SE ENCONTRAVAM MAIS ALI..

Contar para alguém que estava ficando maluca, alucinada, era demais; nem sei qualificar o que acontecia, o que senti, naquele momento.

Nem ousei falar deste assunto com os outros passageiros.

No banco vazio estava uma flor e um bilhete.

- Amiga Doutora, Deus existe. Eu sou Sua obra em outro plano. Você é Sua obra neste plano. Em momento algum Ele lhe abandona. Pedi autorização para vir falar com você, pois têm centenas de crianças esperando você no cargo que irá assumir. Precisam de você, como também preciso. Amarão a você, como eu a respeito.

- Tenha esperança.

- Nunca desista, nunca, principalmente, dos papéis de sua vida.

-

Muita esperança, assim como eu, pois preciso de você, eternamente. Deus precisa de você, eternamente. Dependo de você para crescer. Deus conhece seu coração. Jesus deixou eu conhecer seu coração e Nosso Senhor autorizou-me estar sempre do seu lado. Esta flor é para você.

Por favor, ame a todos. Seja esta flor. Você verá Deus.

Dizer o que se passou na minha cabeça é um outro relato, dizer que tudo mudou na minha vida, a partir de então, seria enorme narrativa.

Dez anos já se passaram. Continuo aqui no meu posto da APAE. Amo, adoro, vislumbro com que faço. Conheço com carinho e atitude digna cada uma das minhas, minhas crianças. Sou feliz. Tenho uma filha de cinco anos, que me acompanha sempre. Quero que ela conheça seus irmãos. MEU MARIDO TAMBÉM TRABALHA COM AS CRIANÇAS ESPECIAIS PARA NÓS, NÃO SABEMOS SE PARA O MUNDO.

Descobri Deus. Foi difícil, mas descobri. Procurei me agarrar a Santo Expedito, legítimo representante de Jesus. O santo da hora, como dizem na minha terra.

Recentemente, fui convidada para conhecer uma Doutrina,

que eles chamam de Cristianismo Redivivo. Depois dos atendimentos, vou lá à noite. De curiosa. Disseram-me que esta Doutrina considera o ``caminho, a verdade e a vida.`` Sempre busquei essa vida, esse caminho, essa verdade. Muito me apego a isso. As minhas mazelas estão desfeitas. Explicar aquele fenômeno, aquela aparição, aquele acontecimento, dentro daquele ônibus, naquela viagem, talvez, me disseram, a nova Doutrina explique.

Não vou dizer que não fico contrariada de vez em quando.

Santo Expedito sempre diz ao meu espírito: - Calma, irmã. Neste momento escuto a voz da minha menina. Nunca mais a vi, mas sei da sua presença.

Só Deus, só Jesus, só Santo Expedito podem explicar.

O vazio acabou, pois minha luta agora é árdua. Sou uma profissional da saúde, sou uma médica, estou feliz. Com muita honra!!!! Sou uma entre vários que podem adotar a atitude que tomei. CUIDAR DOS ESPECIAIS E OUVIR A VOZ DE DEUS. Quem tem ouvidos para ouvir que ouça. Quem tem ouvidos de escutar que medite. Eu sou feliz!

Graças a Deus.

Assinatura:

Dra.__________________________

Médica psiquiatra_______________

CRM_________________________

Pode ser você???????????????

Silvania Mendonça
Enviado por Silvania Mendonça em 17/09/2008
Código do texto: T1182650
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