QUEM FOR MEU AMIGO...

Distante da costa uns trinta quilômetros, a colônia de pescadores, lembrava em muito um formigueiro, tal a movimentação de pessoal e material de pesca, o vai e vem era constante, barcos atracando, outros saindo para singrar os mares, outros voltando com suas bandeiras tremulantes, e porões abarrotados, embarcações multi coloridas e bem conservadas, compradores pesquisando preços.

Os pescadores da ilha alvorada, como era conhecida, tinha uma característica bastante apreciada, que despertou atenção de todos que para lá se dirigiam para negociar, sabiam que encontrariam pessoas amigas, focadas apenas em vender seus produtos com preços justos é módicos, sem qualquer apelo especulativo, mas o que impressionava mesmo era o laço de amizade que unia aqueles homens rudes, ajudando-se mutuamente em qualquer situação. Na ilha, residia cerca de cento e vinte famílias de caiçaras, perfazendo mais de quatrocentas pessoas, entre homens mulheres e crianças, dir-se-ia que era uma grande família, que viviam unidos, mesmo no período de vacas magras. Infelizmente nem tudo era um mar de rosas, pois uma pequena parcela da população, não se envolvia nos problemas dos demais, viviam juntos, mas não como verdadeiros camaradas, toleravam-se, trabalhavam, pescavam, mas mantinham-se afastados, por vários motivos: Por criação, ou mesmo por professarem outro tipo de fé, ou por defenderem outra política de preço e forma de vida. A ilha era enorme e linda, a biodiversidade era vista em todos os cantos, com fauna e flora invejável, era plana, no centro havia uma espécie de serra de porte médio, e lá no alto, moravam Felizbino, sua esposa e filha de doze anos, o chefe de família em suas horas de folga, empunhava seu potente binóculo e vasculhava o mar, nesta hora de lazer, podia assistir ao balé das baleias brancas e também a aproximação de cardumes, do alto, via também a movimentação de seus amigos pescadores em suas idas e vindas. Toda manhã antes de descer a pequena serra, praticava o mesmo ritual:

Sentava-se num grande pedra e varria o mar até onde podia alcançar seu binóculo, tentava visualizar o cardume, para lá se dirigir com certeza que teria um dia farto. Mas nessa manhã, aparentemente tranqüila, avistou uma movimentação diferente das águas do mar, em sua mente experiente, sentiu que algo estava errado, um perigo iminente, rondando sua ilha, a ameaçar a população, jamais presenciara aquele fenômeno, de olhos esbugalhados empreendeu uma desabalada correria em direção à sua cabana gritando e gesticulando:

--Tsuname, tsuname.

Encontrou sua esposa e filha à porta da cabana que olhavam para ele sem entender o motivo da gritaria e sem saber exatamente o que queria dizer aquela palavra, Tsuname, abraçou a família e disse aterrorizado:

--O mar vai invadir nossa ilha, temos que avisar nossos amigos lá de baixo, mas como fazer?

Um sorriso de esperança iluminou seu rosto, pois tivera uma idéia e teria que prática-la com rapidez, olhou para sua esposa e disse:

--Pegue a menina e junte o máximo de madeira que puderem, enquanto isso vou encharcar nossa casa com gasolina e óleo diesel, depois vou incendiá-la, quem for nosso amigo, virá nos socorrer e se salvará.

Unindo suas palavras às ações, ateou fogo na casa, sob olhares tristonhos de sua família, em minutos, uma enorme fogueira e muita fumaça, invadiu o espaço, acompanhadas de uma forte explosão, que foi ouvida por todos lá no sopé da montanha, os olhos dos pescadores convergiram para o alto com estupor, e como se tivessem ensaiado, gritaram em uníssono:

--A casa do Felizbino está ardendo em chamas, vamos socorrê-los.

O que se viu no minuto seguinte, lembrava muito um filme de índios invadindo um forte, homens, mulheres e crianças empunharam baldes e outros objetos, empreenderam uma verdadeira escalada para socorrer as vítimas do incêndio, os mais fortes e valentes chegaram à frente e encontraram toda família sorrindo, o pescador que encabeçou os bombeiros improvisados, super decepcionado e de punhos em riste falou com voz raivosa e com olhos chispando faíscas:

--Felizbino, subimos esta serra em louca disparada, chorando de preocupação, e os encontro sorrindo?

E o homem da choupana incendiada, acercou-se dos amigos e disse em tom sério e carregado de agradecimento:

--Sim companheiros, estou contende por vocês terem atendido ao meu sinal, olhem para o mar.

Centenas de olhos horrorizados viram as enormes ondas de dez a quinze metros de altura invadirem as praias e destruir as casas dos pescadores, muitos deles sendo sugados pelo mar, lá de cima, podia se ouvir os gritos de dor e surpresa dos sobreviventes, que tentavam subir nos telhados das pequenas construções, prestes a desabarem.

Os que foram socorrer a família de cima, agora desciam com outro propósito: Socorrer os que ficaram embaixo e que não atenderam ao pedido de socorro de Felizbino, e chorar pelos mortos e reconstruírem sua colônia de pescadores.

Abraços a todos que chegaram até o final. - Daniel

daniel de castro
Enviado por daniel de castro em 30/10/2008
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