O Cego e a Dançarina

Vitor, mulato, com seus 46 anos, um jovem bem apanhado, boa forma física, com 1,82 de altura, cabelos grisalho, á 10 anos perdeu sua visão em um acidente, homem forte e decidido nunca se deixou abater pelo acontecido, sempre espirituoso, aprendeu a viver de acordo com sua nova realidade.

Ela, uma jovem sensível, levando a vida de forma simples, aderiu à dança como hobby. Para ela dançar é uma terapia, moça de muitas qualidades e amizades, extrovertida.

Foi convidada a ir a festa de aniversário de uma amiga da empresa onde trabalhou, lá estaria com os amigos que a muito ela não via, seria uma ótima oportunidade para se divertir e revê-los.

- A festa foi no play do prédio da aniversariante, um prédio confortável com espaço bem organizado, começou por volta das 13h00hrs da tarde de domingo de inverno, o tempo estava bom, bem convidativo. Ela chegou acompanhada de duas de suas amigas, no salão do play parecia que só faltavam elas, todos estavam se divertindo nos comes e bebes. Ao som do DJ maluco, amigo da turma, o tipo figura que faz todos rir, vestia uma bermuda com uma gravata do piu-piu, o corpinho formato de melancia animava a festa com sua graciosidade e bom humor, gente da melhor qualidade, animação era geral, foi então que alguém disse : vem cá tem uma pessoa que pediu para ser apresentado a você.

-Sério? Então vamos lá. Quem é?.

O amigo apresentou Vitor que estava sentado em um canto do salão com outros amigos na mesa, ela o cumprimentou. Ele foi cordial e gentil. - Então é você de quem tenho ouvido falar tanto.

Rindo respondeu: - Como assim? O que anda falando de mim? Já sei, que sou a fresquinha da turma, que nunca comi cachorro quente, que não pego sol, vivo de regime, etc, etc.

- Ih é verdade? Bem! Não foi bem isso, mas se é assim já ta convidada para experimentar um, faço questão de pagar. Todos encarnaram nela. O amigo DJ apareceu com uma lingüiça de quase 30 cm dentro de um pãozinho francês, não seja por isso, vai gostar aposto nunca mais vai esquecer deste cachorro aqui. Algazarra foi geral, tudo bem, todos estavam ali para se divertir, alguém teria que pagar o pato.

Vitor pediu desculpas ficou sem graça, a galera gastou nela, percebeu que era tudo brincadeira, ela também levou na esportiva.

- Esquenta não, Vitor, to costumada com eles, na firma era assim às vezes agente fazia uma bagunça, sempre fui polêmica mesmo. Riu.

- Assim fico mais tranqüilo. O que eu queria falar mesmo era que soube que você dança muito bem.

- Que isso, eu sou levada pelo cavalheiro, qualquer dama dá um show quando o cavalheiro é bom.

- De fato, é verdade, eu já dancei muito antes do acidente, hoje em dia ficou guardado os momentos vividos. Percebendo que ele respirou fundo foi rápida e mudou de assunto:

- Então quer dizer que você já conhece a turma a muito tempo?

- Nem todos, só alguns, outros se afastaram depois do acidente, sabe como é as pessoas se afastam quando você não tem mais o que oferecer.

- É verdade, o que importa é que você esta aqui entre os amigos que gostam de você, vamos aproveitar que a festa promete. Os dois riram.

- As amigas chamaram, ela pediu licença e saiu, era hora do show e todos queria vê-la dançar com um amigo do amigo que se dizia bom de mais. Não tinha uma que se atrevesse acompanhar o moço, de tão convencido que era o tal, se sentia........! Foi então que alguém disse: Este aqui é o cara, dança muito, então vai encarar?

- Jura, é mesmo? Ai que meda, nossa será que dá tempo de uma aulinha prática antes?

- Ih, deve ser mais uma pé de ferro....(risadas, assovios), disse “o cara”. Foi mesmo o momento hilário. Em volta dos dois a galera fechou o cerco, esperavam uma boa confusão, o dançarino cutucou a onça com vara curta. Mas ela foi astuciosa.

- Então vamos fazer uma aposta? A galera , opaaa!!! Meus amigos estão preocupados, daqui a pouco a cerveja acaba, se eu não te acompanhar errar, tropeçar no seu comando eu pago 4 caixas de cerveja, mas se eu dançar até o fim não errar nada, é você quem paga as 4 caixas, fechado?

Dançarino envaidecido na convicção de que era muito bom sabia que seria moleza ganhar essa e ainda tirar vantagem de beber com o pessoal mais 4 caixas de cerveja.

- Fechadíssimo, feito.

- Então, meus amigos, é hora do “vamos ver”, o cavalheiro vai conduzir a dança e todos fiquem de olho nele, o Dj já estava pronto para liberar o forró. Se o dançarino não se incomodar posso escolher a música?

- Mas é claro, escolha a que você quiser, quero mesmo é beber muita cerveja depois.

- Todos se acomodavam nas suas cadeiras, o salão foi liberado, a musica começou.

- Ela sabia o que estava fazendo, se não estivesse segura não ía arriscar. A dança começou, usou e abusou do dançarino, ele realmente era bom mas não o suficiente para desbancá-la, ela parecia deslizar no salão, tranqüilidade e segurança, no meio da música ele parecia apavorado sentiu que ia pagar a cerveja, foi aí que ela pegou a fraqueza dele, na insegurança conduziu ele, manteve o rítimo. Foi mesmo um show, ao fim os gritos dos amigos, o coro, vai pagar, vai pagar. Ela sorria leve e solta, agradeceu todos a ele também.

- Então, amigo, agora é com você. Mais 4 caixas.

Vitor ouvia tudo encantado com a ousadia da nova colega a qual sentiu que já conhecia a muito tempo, poucos minutos com ela e era como se fossem velhos amigos.

Ela voltou a mesa de Vitor, ele estava eufórico queria dar os parabéns pelo show:

- Pelo que presenciamos agora você dança muito mesmo, parabéns.

-Que nada, lembra que te falei há minutos atrás? O cavalheiro quem comanda, ele é bom, risos. O que ele não contava é que sou boa observadora apenas deixei o corpo falar por mim, sentir os movimentos dele deixei ele me levar, foi muito bom mesmo.

- Nossa a turma aqui falava pra mim que você deslizava no salão parecia flutuar, eu sentia a sua energia daqui. Que coisa maravilhosa menina, amei de verdade te conhecer.

- Sério, você sentiu mesmo? Que bacana, então porque parou de dançar? A dança liberara uma energia maravilhosa, esquecemos de tudo apenas dançamos e nos permitimos ao som, sentir e saber ouvir a música o resto é a linguagem do corpo.

- É encantadora, percebo uma coisa tão energética vindo de você é impressionante, me desculpe se estou sendo melancólico demais, a conheci a menos de 2 horas falar desta forma com você.

- Verdade, senti a mesma coisa quando você me abraçou, parece mesmo que já nos conhecemos, sinto esta energia que você falou, quem sabe agente já se conhece e apenas estamos nos reencontrando agora.......(risos), queria te fazer um convite, posso?

- Sim, claro, o que você quiser, pode pedir.

- Que bom, então se prepare porque agora quem vai dar o show é você, vamos dançar?

- O que? Eu ouvi mesmo isso? Você quer que eu dance com você aqui no salão com todos vendo? Ta brincando comigo, né?

- Não, estou falando sério, foi você que disse que dançava muito antes do acidente, então você sente a música já sabe o rítimo. O que tem de mais nisso?

- Como o que tem de mais? Esqueceu que sou deficiente visual? Você esta brincando comigo?

- Eu, brincando com você, como assim Vitor? Fique calmo, eu não quis ofendê-lo, por favor, me desculpe. Só pensei que se sentiria bem dançando comigo.

- Acredite dançar com você seria um sonho, daria tudo para isso. Infelizmente não posso.

- Posso estar errada, mas não costumo me enganar, se você se adaptou a viver na sua realidade atual de vida, dançar não seria difícil, você tem sensibilidade, precisa da visão da alma, sentir com o coração, deixar-se livre para se permitir essa outra visão sair de dentro de você.

- Acha isso mesmo? Você no meu lugar dançaria se fosse eu?

- Sim, se você quiser posso vendar os meus olhos vamos pro salão dançar, você topa?

- Você faria isso por mim? Aceitaria vendar seus olhos para me mostrar que não preciso da visão pra dançar?

- Sim, faço e você pode, basta sentir se deixar levar pela música, se antes dançava não perdeu o rítimo, a dança está na alma, siga a linguagem do seu corpo, você pode. Use sua imaginação, faça de conta que somos de uma época distante que éramos grandes amigos estamos felizes juntos, você é o mais belo cavalheiro flutuando no salão nobre em uma linda tarde de inverno. Quer experimentar? Fale a música que gosta.

Silêncio, após alguns minutos parecia que ele tinha saído de si, voltado o tempo real:

- Certo, eu topo dançar com você, ponha a mesma música que você dançou.

- Certo, fique calmo, eu vou pegar um lenço para vendar meus olhos, e vou avisar a galera. Levantou-se pediu um minuto e informou: - Ai, galera, vou repetir a dose. Desta vez eu quem convidei Vitor para dançar comigo, ele esta tímido mas aceitou o desafio, vou vendar os meus olhos para acompanhar o rítimo dele.

Todos ficaram abismados não entenderam nada, só poderia ser mais uma da amiga, ela não tem jeito, assim falavam as amigas. Coitado do Vitor vai pagar o maior mico, falavam os amigos.

Ela pegou um lenço, foi até Vitor, pegou pela mão. Caminharam até o centro do salão, todos se afastaram abriram o espaço, por incrível que pareça a curiosidade ou medo, o silêncio esperando começar, esta garota é terrível mesmo. Vitor acreditou nela. O Dj falava baixinho com alguns que estavam de pé perto dele.

Já com os olhos vendados, falava baixinho para Vitor, ensaiou alguns passos, pediu para ele sentir o corpo dela, o toque dos corpos, era de fato algo curioso e desafiante, lá estavam os dois centrados, ele parecia um pouco nervoso, ela sorria, poderia ser um sorriso de nervoso também, mas como saber?

Mas o que ela fala no ouvido dele, porque estão conversando tanto? Sei não, os comentários das amigas, por fim.

- Dj solta o som, estamos prontos. Começou a tocar a música, os dois estavam abraçados, aos poucos ela foi dando os passos, passava por ele como se estivesse seduzindo as mãos não se soltavam, ele aos poucos se soltando, conforme a evolução da musica dançavam, havia uma sinergia entre os dois, parecia inacreditável, se contasse ninguém acreditaria naquela cena. Ela de olhos vendados, ele deficiente visual dançando como se fossem dois dançarinos profissionais, foram minutos mágicos, o tempo parou para os dois, a galera se emocionou, dançaram até o fim da música, algo nunca visto por todos ali, ao término os dois estavam felizes, parecia que o que acabou de acontecer era uma coisa normal, que eles já dançavam juntos. Ela tirou a venda dos olhos, ninguém acreditou no que viram, foi levado a mesa ainda muito emocionado. A festa continuou, era fim de tarde, as caixas de cervejas da aposta chegaram para alegria de todos.

- Então, como se sentiu?

- Menina, foi uma experiência única, esta tarde vai ficar na lembrança para o resto da minha vida, agradeço por acreditar em mim e me fazer o homem mais feliz do mundo. Entendi e compreendi tudo que você me falou, nada é impossível tudo depende de como pensamos e queremos. Basta sentir e nos permitir o desejo nos conduzir, corpo e alma uma conexão que nunca senti como agora. Você me fez descobrir algo que estava o tempo todo dentro de mim.

- Vitor, eu que agradeço pela confiança que teve em nós, eu não fiz nada, apenas disse o que poderia fazer, e você fez divinamente, há quem duvide que cada um é capaz de realizar qualquer coisa, mas pra isso é preciso esta em conexão com Deus, o exercício diário das Leis de Deus, assim nada é impossível.

Você hoje viu que não é preciso ter olhos perfeito para enxergar, quando Deus fecha uma porta certamente ele abre outras, se ele tira alguma coisa é por alguma razão, nada é em vão nesta vida.

Quantos tem olhos perfeitos e são cegos, o egoísmo é tão grande que a deficiência toma conta de seus corações, mesmo sendo perfeitos, lindos, ricos. A pobreza de espírito é a ruína do ser humano.

Maria Mendes
Enviado por Maria Mendes em 01/02/2009
Reeditado em 01/02/2009
Código do texto: T1416830
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