Sobre o olhar de Carmem

Para todos os que não conhecem Carmem, parecerá absolutamente inacreditável e remota a possibilidade de que seus olhos sejam a origem do fogo do sol, e assim, consequente e indiretamente, a fonte de toda a luz que ilumina, e de todo o calor que aquece a totalidade das coisas em torno. Tal consideração, racional e justa, se baseia simplesmente no pressuposto indiscutível de que a consequência não pode nunca superar a causa, o que torna inverossímil a suposição de que o simples olhar de algum ser mortal pudesse originar tão portentosa fonte de luz e de energia.

Os que conhecem Carmem e que já viram seus olhos, no entanto, considerarão a plausibilidade de conjetura tão insólita, e, não sendo cegos, concederão que o breve argumento exposto acima, que aduz à preponderância do mais forte sobre o mais fraco, não se impõe com absoluta confiança quando se compara o sol e o olhar de Carmem, sendo claro para estes, que ambos brilham com magnitude aproximadamente equivalente, e extremamente difícil asseverar se algum dos dois reluz com maior intensidade que o outro.

Apesar da constatação de que tanto o sol quanto os olhos de Carmem luzem com intensidades equipotentes, um fato que presenciei me faz acreditar serem os olhos de Carmem a origem primária de toda a luz e de todo o calor, é o que passo a relatar.

Sucedeu em uma manhã comum, dessas em que o sol já brilha com certa intensidade entre vasta quantidade de nuvens que se adensam e se rarefazem com certa aleatoriedade, sobre um mar crestado de ondas espumantes chacoalhando ritmadamente sobre a areia branca. Foi em meio a um tão belo cenário, e enquanto seu rosto se encontrava momentaneamente emoldurado por uma onda especialmente alta e espumante, que eu vi Carmem mirar o sol com seus olhos radiantes, fazendo resplandecer imediatamente toda a praia com um fulgor que aumentava enquanto ela permanecia com os intensíssimos olhos fixos no sol, até que o brilho do astro equivalesse ao de seu olhar, quando ela decidiu que já era suficiente, voltando os olhos para o imenso mar que já brilhava intensamente com o sol, mas que nesse momento refulgiu ainda mais, espelhando o olhar de Carmem. Foi assim, dessa maneira tão óbvia e direta, que constatei o modo trivial que ela usava para iluminar o sol, bastando para isso voltar seu olhar para o principal luzeiro dos céus.

Carmem percorre a praia quase todas as manhãs; quando decide permanecer em casa o sol não refulge, são os dias nublados e aqueles em que chove, e que ela, sabiamente, faz alternar com aqueles dias alucinadamente coloridos e brilhantes em que Carmem permite que o sol brilhe tão intensamente quanto seus olhos.