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A SOLIDÃO,A  FOSSA  E O JOGO

 
   Após o desencarne de minha querida mãe, em 1967, não tendo outra opção, fui morar em Porto Alegre, a convite de um primo chamado Ari, filho da tia Cecília. Prometera-me um quarto para dormir e comida, até que encontrasse um emprego, ficando mais na promessa do que qualquer coisa, pois tive que ficar em uma peça toda esburacada, que era sua oficina de chaves, na rua da  Azenha nº 777. O mais engraçado de tudo é que a cama que me prometera, esperei por mais de seis meses. Durante esse período, a cama era feita com folhas do jornal Correio do Povo. Meu cobertor era o casacão que havia ganho de minha adorada madrinha, Carmem Osório. Resisti o quanto foi possível à situação, já que pelo menos a comida meu primo mandava em uma marmita. Nada disso poderia piorar os meus sentimentos de revolta e frustração, bem como o sentimento de ausência e de perda, que se somavam, provocando o pior de todos os males “a solidão”.
   Estava ali alguém que perdera a mãe, estava longe da amada, numa cidade estranha e vivendo daquela maneira. Porém, a vida tem seus desígnios e, para mim, não seria diferente. Consegui um emprego e, ao deslocar-me pelas ruas da capital, pude presenciar uma cena que, se não fosse  cômica  e não tivesse visto com meus olhos, não acreditaria. Vinha pela Av. Bento Gonçalves, quando escutei uma gritaria, não de revolta e sim de alegria,comemoração. Seguindo o som , deparei-me com um jogo de futebol entre vários garotos (pelada, na gíria), num campinho onde hoje está edificado um conjunto de apartamentos. Eram vários meninos embolados como se fossem uma montanha. Descobri que estavam comemorando um gol. Agora vem o inverossímil, ou seja, quem tinha feito o gol. Percebi , pasmado, que era um jovem que não tinha as duas pernas. Fiquei  impressionado com o que estava vendo, querendo saber como era possível alguém, com tal dificuldade, estar praticando um esporte viril, executado com os pés. Era incrível, pude vê-lo usando as mãos, para, em alavanca, ir se movimentando e, com o corpo, fazendo o efeito de pêndulo, podendo, dessa maneira, driblar, fazer o gol com a cabeça ou com o impulsionar do corpo. Ali estava ele, meio homem corporal, homem inteiro espiritual. Que lição fantástica aprendi, nos fatos que presenciei, pelos desígnios de Deus, que me indicara o caminho para estar ali!
    Minha vida, mudou a partir daquele momento. Pude fazer análise comparativa entre mim e aquele jovem. Como podia estar triste, se tinha tudo para ser feliz? No dia seguinte, liguei para minha amada, arrumei outro lugar para morar(uma pensão para jovens) e voltei a jogar o meu futebol . Voltei a sentir-me feliz outra vez. Passei novamente pelo campinho, mas não vi mais os moleques nem o rapaz sem as pernas.
 Não pude agradecer-lhe por aquele maravilhoso dia. Como consolo, desde aquela data, tenho agradecido a Deus por ter gravado no meu coração imagens tão marcantes para minha vida física. Foi mais uma das muitas lições que pude assimilar, ou seja: a felicidade é sentimento que a alma expressa e pouco depende da condição física do corpo. Aquele quadro fora pintado por Deus, que utilizou meus olhos como pincel, meu coração como tela e meus sentimentos como moldura. Fui abençoado!
 
       Está pequena e verídica narrativa se encontra em meu primeiro livro : “ELOS DE AMOR, HISTÓRIAS DE VIDA , (já esgotado) .
Gildo G Oliveira
Enviado por Gildo G Oliveira em 08/07/2009
Reeditado em 08/07/2009
Código do texto: T1688262
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