Acredite se quiser.
Eu tive um barco de recreio e levei muitas pessoas pra conhecer as belas paisagens da Ilha onde moro. Vendi a embarcação em janeiro de 2003, logo após a história que lhes conto.
Estranho fascínio exerce o que se acha oculto...
Transportei tantas pessoas, mas foi justamente a última passageira que me marcou para o resto da minha vida.
Era um dia comum, fora de temporada. Sem sol e sem ondas. Fui até a embarcação para verificar se o trabalho de manutenção estava a contento. Rick já havia terminado a manutenção.
Quando me viu, fez um sinal de Ok. _ "Tudo pronto, patroa. Pode ficar tranquila".
_ Hoje eu não pretendo sair. Só passei pra ver se havia novidades e deixar o seu cheque.
Ele pegou a sua mochila e se foi. Fechei o camarote e quando ia saindo, me deparei com uma senhora com aproximadamente 80 anos que admirava a embarcação e me contratou para dar um passeio ao redor da Ilha. Eu não estava muito animada, mesmo assim aceitei em homenagem a sua simpatia e por certa curiosidade.
Achei boa ideia testar o barco e levei com prazer a senhora de olhar doce e penetrante.
Ela me disse algumas poucas palavras. Falou sobre as nuvens, marolas, a transparência das águas, a suavidade da brisa...
O brilho do seu olhar aumentava cada vez que guardava profundo silêncio; era como se ouvisse a Natureza.
Após três horas de passeio, já anoitecia quando a senhora saltou do barco com impressionante agilidade, me sorriu e acenou. Sinto que deixou algo em mim, que me deu profunda paz; desde então, eu nunca mais fui a mesma pessoa.
A segui com o olhar até vê-la desaparecer no píer em meio aos pescadores; ela caminhava como quem flutua.
Tentei me lembrar de onde a conhecia; suas feições não me eram totalmente estranhas...
Dias depois precisei de suprimentos e fui de carro à capital que dista 70 km da Ilha.
Aproveitei a tarde livre e passei mais uma vez na Biblioteca Municipal.
Enquanto esperava ser atendida, um retrato na parede me chamou a atenção. Era ela: a senhora que eu havia transportado na tarde anterior.
Ao ler a placa fixada abaixo da foto, eu perdi a voz:
A poetisa Alice Angel Di Nigris, madrinha desta sala de leitura – nasceu em Boituva, SP em 30/05/1910 e faleceu em Santos, SP em 10/05/1998.
PS: Se alguém me contasse essa história eu jamais acreditaria.