Dezoito

Viviam vidas tristes e solitárias, apesar de estarem rodeados de conhecidos... ninguém os conhecia.

Ela, com problemas de família e criticada do pés a cabeça.

Estava procurando o amor mas conheceu dos homens os piores escrotos, os idiotas, os vazios.

Acabou ficando com o pior de todos... um normal.

Na vida existem os bons e os maus. Os loucos e os normais.

Nestas classes os normais são os piores pois não tem uma única atitude sem basear-se na mais monstruosa base, esta merda chamada sociedade.

Ele, que pregava o escrito acima, tinha também seus problemas de família. Recebia descaso, recebia medo.

Estava procurando o amor mas conheceu das mulheres as piores chatas, as fúteis, as intolerantes.

Acabou ficando com a pior de todas... uma fraca.

Um fraco não sabe amar, somente suga o ser amado.

Mas saiba que ele e ela achavam que gostavam de seus respectivos pares.

Ele se chamava Edgar, homenagem ao escritor.

Ela se chamava Diana, homenagem a deusa da Lua.

Por ironia do tempo trabalharam juntos.

Diana defendia idéias polêmicas.

Edgar defendia seu ponto de vista.

Mas o incrível é que eles não brigavam e se ouviam, tinham um respeito palpável um pelo outro.

As conversas dos dois tinham um nível de intelecto não usado naquele local. Se amaram primeiro de modo fraterno.

E a vida corria...

A namorada do Ed estava grávida e ele entrou em parafuso. Confuso primeiramente mas logo depois apaixonado pela idéia de ser pai.

Ele fez e tentou tudo certo... mas já disse que a namorada era fraca.

Ela tomou qualquer coisa e perdeu o filho de Ed na frente dele.

Ed ficou arrasado.

Diana o confortou com conversas.

Ele sentiu-se agradecido por ter uma amiga como ela.

E a vida correu mais um pouco...

Diana ficou grávida do normal, gravidez improvável. Ela tinha um problema nos ovários. O normal estagnado e sem opinião aceitaria o que saísse da boca de Diana...

Ela pensou em tirar a criança e foi conversar com Ed.

Este lhe disse que sua gravidez podia ser única, que aceitaria como amigo o que ela quisesse mas que achava que ela iria se arrepender e se culpar por tudo.

Pediu-lhe que não tirasse a criança.

E ela pensou e apesar de toda sua racionalidade, tomou a decisão...

Sua filha nasceu linda!

E a vida voava...

Diana casou e foi morar com o normal. Logo sentiu-se sozinha.

Edgar tentou descobrir a razão do aborto de sua namorada, não encontrando a razão terminou com ela.

E estava sozinho.

Os dois haviam abandonado o trabalho, mesmo assim Ed e Di eram amigos.

Certa vez, Diana lhe confidenciou que não gostava do normal, a revelação deixou Ed estranho.

Mas ainda não sabia o que era esta estranhez.

Várias conversas depois, Diana deixa sua filha com a sogra e vai até a casa de Ed para desabafar.

Deitam-se abraçados, ela chorando e ele segurando o choro e de repente...

Se beijam, se beijam com amor que foi tão contido, se beijam com amor do proibido, se beijam com boca e com espírito.

E se encontram no outro.

Amam-se então.

Encontram-se regularmente de forma excitante e clandestina. Ela traía aquele que não sabia amá-la, já o Ed traía suas antigas convicções de lealdade por uma boa causa.

Seu amor por Diana.

Aí ocorreu um desastre.

Eles terminaram.

Explico...

Diana ficava presa a seu casamento falido por amor incondicional a sua filha.

Mas vias uma luz, ela pensava que podia divorciar-se e estar com Ed plenamente. pensava que podia voltar a morar com sua mãe e ajeitar tudo...

Mas sua mãe não aceitou:

- Você nunca está satisfeita, desta vez não vou ajudar!

Disse a megera.

Diana sentiu que seus sonhos ruíam, teria que aguentar a presença nojenta de alguém que não era amado, um normal que achava simples dormir com quem não o beijava.

E ver Ed esporadicamente a enchia de amor mas também a enchia de dor...

Sim, dor... tinha que pensar em sua filha.

E se completava de amor doído.

Dispôs-se então a sacrificar seu amor para que não mais doesse. Então ligou para ele.

Ed ouviu tudo inconformado, entendendo a temível simetria disse:

- Eu te espero pois te amo. Vejo o destino como algo bom, ter sua filha foi um dom. Lembre-se do que eu te disse, que tivesse a criança, que não abandonasse um sonho. Vê, sua filha nunca foi um problema. Mesmo agora não é um dilema! Tenho enorme amor pelas duas, querer-te nunca é bastante o quanto.

Chorando, ela foi irredutível. Ele proferiu a última sentença:

- Não me faça te procurar com sua filha já crescida, dezoito anos e sua responsabilidade não mais cabida.

Repetiu:

- Esperarei dezoito anos. Você sempre estará em meus planos.

Desligou.

A vida atropelou...

Durante anos Diana foi infeliz por tudo e feliz por sua filha.

Durante anos Edgar foi infeliz por tudo e feliz por sua espera. Sua vida era misto de tristeza e certeza.

Ah... o normal continuava empurrando a vida com a barriga. Acomodado e resignado. Sem perceber, de tão egoísta, os olhos de sacrifício de sua esposa.

Lembrando de Ed, Diana criou sua filha com aquela liberdade tão vivaz dos sátiros e náiades.

Berenice era feliz e linda, a mãe insistia que ela buscasse a felicidade sempre.

E a sanidade deixara Ed.

A filha ia fazer dezoito anos.

A casa cheia de convidados para o aniversário de Berenice.

Súbito a campainha toca. A jovem foi atender.

Olhos de quarenta e um anos esperavam.

Era Ed.

Atrás da porta, Ed viu Diana como ficara gravada em sua mente. Diana de dezoito anos atrás, no rosto de Berenice.

O normal e Diana (a legítima) observaram aquele senhor na porta.

O normal relinchou:

- Eu acho que conheço esse cara.

Diana ia saltar até Ed mas um espelho no caminho a traiu. o maldito espelho da sala.

Ele lhe mostrou as olheiras de tanto choro secreto, as rugas de amor contido. Diana olhou para Ed.

Era um senhor com o olhar jovem do amor. Um fauno velho mas não cansado.

E este olhava com amor, aquela que lhe parecia uma fotografia viva impressa na memória.

A jovem Diana. Berenice.

Sem mais, Ed estendeu a mão para a aniversariante e disse:

- Vem.

A jovem encantada como mágica disse:

- Vou?

E olhou os pais, o normal disparou:

- Ora...

E foi cortado por Diana:

- Cale a boca!

Berenice olha para a mãe que sussurra:

- Vai. Vá viver o que não tive coragem.

A aniversariante abre os lindos lábios:

- Vou!

Ed e Berenice viveram outros dezoito anos. E caminharam juntos, olharam as estrelas, amaram noites infindáveis, conheceram artes imortais.

E com o coração viveu Diana por Berenice. Foi feliz por conhecer o amor que a filha conheceu.

Não quero me esquecer do normal, aquele que morreu de aneurisma e foi enterrado sem glórias, aquele que já havia morrido em vida pois nunca amou plenamente, ou sentiu pois era egoísta e patético...

Como sua suja lápide.

Em homenagem a uma boa época.

Raoni Barone
Enviado por Raoni Barone em 03/12/2009
Código do texto: T1958625
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