Curtas: Piloto automático

Não é de hoje que escuto vozes em minha cabeça. O engraçado é que nunca me dei conta do quanto inconveniente isso pode ser. Não sei o quanto saudável é ter uma dupla personalidade. Ser alguém que não é você. Uma pessoa independente que faz coisas que você nunca sonhou em fazer no seu próprio corpo. Esqueça situações em que você não sabe ser dono de um grupo terrorista que como hobby gosta de se espancar em algum porão de bar. Todos os atos de meu outro eu são de minha plena consciência. Suas sugestões se tornam irresistíveis para mim. É como se sua palavra fosse lei.

Nisso ele se parece muito com aqueles desenhos onde sempre aparece um anjo e um demônio sobre o ombro do personagem, incentivando-o a fazer alguma coisa. No fim o diabo acaba dando um pé na bunda do anjo. A minha outra personalidade nunca provou ser uma má pessoa. Ele sempre foi uma forma de extravasar meus impulsos.

Mas tudo isso era a mais pura mentira.

O pior é descobrir ter uma dupla personalidade demoníaca quando se está viajando. Ainda mais há seis mil pés de altura.

Acordo na cabine do piloto, com dois cadáveres do meu lado, um cheiro forte de algum ácido no ar. Descubro que deixei uma boa parte do almoço perto da porta e que sou o único a sustentar aquele avião no ar. Um pânico enorme toma conta de mim quando lembro não saber pilotar aquela coisa. Nunca o meu eu-demoníaco tinha armado uma daquelas pra cima de mim.

Aperto o botão escrito piloto automático.

Um ligeiro sorriso pode até ter passado pelo meu rosto. Mas isso antes de descobrir que meu eu-demoníaco programou a rota para passar bem no meio de um prédio público. Meu eu-demoníaco é muito sacana.

[i]Será que ainda tenho tempo de comer a aeromoça? Pena que não vou poder ver aquela explosão na tv.[/i]

Cala a boca seu cretino idiota.

Thom Ficman
Enviado por Thom Ficman em 18/07/2006
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