À MARGEM DO FUNDO

Há muito tempo um de seus pés fora acorrentado a um Titanic, afundando junto. O que passou a viver enquanto descia lentamente, podia ser chamado de tudo, menos vida. Um oceano de dúvidas e uma dor contínua, sem ferimentos aparentes, o retiveram preso nas profundezas por um tempo quase infinito.

Um dia, uma linda sereia de cabelos claros e curtos passou flutuando; deu-lhe um sorriso e voltou-se curiosa. Após falar muitas coisas, escutar e conhecer a fundo suas angústias, tentou mostrar-lhe brincando como era fácil se desvencilhar daquelas correntes e emergir. Convencido, rapidamente agarrou-se às curvas dos seus argumentos e começaram a subir. Em instantes pôs a cara pra fora da mágoa e os dias que acreditava seriam sempre vazios, até que morresse, magicamente encheram-se de xilocaína.

Ainda hoje, a velha dor, as dúvidas eternas e as más lembranças permanecem vivas e fortes dentro dele; porém, tornaram-se mais facilmente suportáveis. A forma que achou para conviver com isso, foi simples: de tempos em tempos encontra-se com a voz anestesiante da sereia de cabelos claros e curtos, lhe dizendo coisas, sussurrando carinho...

Mesmo sabendo que para os ouvidos dela, quase tudo que diz tem uma importância infinitamente menor que as coisas que os seus escutam, continua a procurá-la, numa freqüência quase obsessiva; porém sempre separados por uma parede imaginária, com alguns segundos de espessura.

Jamais se tocam, apenas se vêem... mas quando estão juntos, o tempo literalmente congela, apesar de durar apenas um breve instante. Mas para ele nada disso importa, pois o simples pensar que ela existe em algum lugar e que às vezes lhe aparece, é suficiente para que continue vivendo.

Pakisa Rasquinha
Enviado por Pakisa Rasquinha em 16/09/2006
Reeditado em 16/09/2006
Código do texto: T242043