Contos da Galiza VII

Rodeada por camadas e camadas de passado estelar, testemunha de uma minúscula parte do universo, a vida dos humanos decorria no absoluto desprezo da sua condição infinitesimal. Indiferentes ao universo, as pessoas viviam as suas vidas com a sensação de absoluto protagonismo e arranjavam pequenos mundos individuais e privativos, onde só entravam eles e algum convidado leitor.

Todas as manhãs ao acordar erguia-se da cama, preparava um leve almoço, saia para o trabalho e lá estavam todas as cousas tal como nos outros dias. Atravessava aquelas ruas, abeiradas pelos conhecidos jardins, ao longe os sinos da catedral, ao perto os cumprimentos sabidos. No fim de semana não saía, a sua casa era o principal. Dentro dela cuidava da família, cozinhava os seus pratos favoritos, escondia os segredos mais íntimos e via a televisão, esquecido do mundo.

Todas as noites entrava num sono profundo que o levava a longínquos lugares afastados do seu quotidiano. Dizia que nesses momentos sonhava. Era a sua maneira de explicar que a dormição o obrigava a abandonar a inalterável construção vital.

Sem querê-lo viajava a outras galáxias onde se relacionava com outros seres. E não havia nada que ele reconhecesse. Ou sim, como em sonhos. Tinha outra vida e não se perguntava por que, qual era o motivo de haver um mundo de dia e outro de noite. Simplesmente vivia e sonhava cada segundo entanto cúmulos e nebulosas continuavam o seu caminho infinito arredor do cosmos.

Até que um dia pensou que por causa de aqueles abandonos noturnos não conhecia como era a noite do seu mundo. Então decidiu não dormir e sair ao fresco para ver como eram as suas noites. E foi aquela uma noite formosa na solidão da vila. Arroupadas pelos murmúrios do rio, as gentes adormeciam sob o luar incandescente. Vão visitar outros mundos, pensava. Deixam de ser os que são. Eu não quero, eu quero ser sempre o mesmo e viver neste mundo que eu criei. E, insone, passeava as ruas desertas, alguma vez cruzadas pela alada sombra de um pio agoireiro.

De repente, no fim da vila, oposta ao firmamento, uma grande fenda se abriu. Não havia mais rua, nem mais vila, a construção acabava ali mesmo aos seus pés. Estava lá um buraco negro infinito. Diante da Lua, deu um passo para a frente e caiu no abismo. E da negritude não volveu sair nada.

Ergueu-se com os raios da alvorada, quando o céu laranja molhava o algodão das nuvens e o orvalho refrescava a erva da manhã. Desceu ao rio e bebeu. Coçando a orelha pensou no sonho da noite anterior. Uivou longo e forte para as alturas porque tinha sonhado ser um homem. E o seu uivo vibrou em todos os cantos do amplo campo de estrelas.