A MOÇA DO CAIS

   A cidade fervilhava com o calor e a grande quantidade de visitantes que procura Angra na época das férias para curtir o sol nas belas praias costeiras ou a exuberância e os atrativos das ilhas paradisíacas. Turistas brasileiros e muitos estrangeiros, principalmente sul-americanos, que enfeitam a cidade com seu visual diferente, seus sotaques esquisitos e que alegram sobremaneira os comerciantes, que aproveitam a estação para faturar e movimentar a economia local.

   Esperei baixar o calor da tarde e por volta das dezessete horas saí a caminhar em direção ao centro. Muitas pessoas faziam o mesmo aproveitando a paisagem e a brisa marinha enquanto praticavam a caminhada. A enseada Batista das Neves parecia um espelho de tão calmo que estava o mar, com o azul do céu refletido em sua superfície. As embarcações fundeadas balançavam indolentemente no discreto suspirar das imperceptíveis vagas, num bailado que fazia com que parecessem figuras animadas tendo o horizonte como fundo.

   Caminhava ouvindo música com fone de ouvido e me esquecia do mundo aproveitando aqueles momentos de contemplação interior diante da natureza que me cercava. Os quebra-molas causavam certo congestionamento devido ao número de veículos que iam e vinham pois eram obrigados a diminuir a marcha para superar os obstáculos na pista. Alguns impacientes buzinavam como se isso fosse resolver a coisa e deixá-los seguir com mais velocidade. Pessoas em férias... Para que pressa? Vá lá entender. Coisas de gente de cidade grande.

   O dia foi quente como tinha sido nos últimos dias, natural para a época de verão. De vez em quando no fim da tarde, nuvens se formavam no céu em uma tonalidade indicativa de possibilidade de chuva como tinha acontecido outras vezes; a chuva chegava de forma torrencial, acompanhada de trovões e relâmpagos, molhava tudo, fazia escorrer das encostas dos morros enormes cascatas e do asfalto quente levantava um odor característico como se vindo dos subterrâneos dos esgotos da cidade.

   No entanto naquela tarde o tempo estava firme. Caminhei animadamente sem pensar em mais nada. Fui até a entrada da cidade e retornei. Na volta, resolvi passar pelo cais de madeira, atracadouro de embarcações de pesca e de turistas que se serviam dos barcos e das traineiras para passeios ou para alcançar as ilhas, já que não havia um transporte regular.
Bem organizado pela prefeitura, o cais tornou-se um dos pontos turísticos da cidade e muita gente ia assistir o por do sol enquanto observava o ir e vir de embarcações miúdas. Muitos bancos de madeiras estrategicamente distribuídos, proporcionavam agradáveis momentos de lazer à beira-mar enquanto as pessoas se despediam do dia e recepcionavam a noite que chegava.

   Ela estava lá! Sentada sozinha em um dos bancos a contemplar o mar. Olhar perdido no horizonte, parecia não se importar com o que acontecia em volta. Não pude deixar de notar aquela moça sentada solitária enquanto o espelho d’água, tingido de dourado pelo reflexo do sol que sumia por trás da Ilha Grande, ia-se lentamente tornando prateado pela luminosidade da lua que em sua majestade já espalhava seu manto por toda a imensidão do mar.


   Seus cabelos negros e levemente ondulados derramavam-se pelo corpo de pele incrivelmente clara que em nada se comparava aos corpos bronzeados ou avermelhados pelo sol dos turistas ocasionais. Aquela mulher decididamente não se expunha ao sol. Acerquei-me do banco e sentei na outra extremidade, preocupando-me em não aborrecer a jovem que não tirava os olhos do mar. Imitei-a e fiquei a olhar para o mar também, tentando entender a razão daquele transe em que ela se encontrava, tamanho era o seu fascínio e encantamento pelo mar. De vez em quando eu a olhava e ela não esboçava nenhuma reação, nenhum movimento.


   Escureceu de vez. A tonalidade agora era de um prateado belíssimo que emoldurava os barcos atracados um a contra bordo do outro, e que gemiam suavemente quando suas amarras eram esticadas devido ao balanço das águas. A jovem estava impávida. Intrigado, resolvi puxar conversa. Cumprimentei-a e ela não respondeu. Insisti e falei que escurecera e o sol já havia se posto, porém fiquei sem resposta. A moça nada disse. Olhei para os lados e percebi que as pessoas se retiravam após o por do sol. Quando pensei em propor o mesmo, ela levantou-se sem dizer nada. Vestia um vestido que lhe recobria delicadamente os joelhos e parte dos braços. Em silêncio alcançou a beira do cais de madeira, descendo descalça pelas pedras até alcançar a água. Atônito, apressei-me a recomendá-la que não entrasse na água, pois ali havia muitas pedras e ela poderia se machucar. Sem me dar atenção, ela foi entrando na água lentamente até desaparecer de vez.


   Esperei que retornasse e ela não voltou. Quando decidi entrar na água para ir buscá-la, fui interrompido por uma voz que me disse: “não faça isso, rapaz!” Era um velho maltrapilho que surgindo não se sabe de onde me aconselhou a não entrar na água. Mal dava para ver a fisionomia daquele homem que completou dizendo: “ela é assim mesmo. De vez em quando, Iemanjá fica sentada em um cais, uma praia ou em alguma pedra para contemplar o mar enquanto o sol se põe. Depois ela retorna para o seu lugar.” 


   Fiquei surpreso e assustado com aquela situação. Ainda olhei para o mar para ver se a moça voltava. O mar estava calmo e belo. Quando virei o rosto para falar com o velho, vi que ele se retirara e só pude perceber quando entrou por trás de uma construção à beira do cais sumindo de vez. Resolvi então voltar para casa pensando que tudo aquilo não passou de fruto da minha imaginação.

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Cônsul Poetas del Mundo – Niterói – RJ
Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 27/12/2010
Reeditado em 27/12/2010
Código do texto: T2694738
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