UM DE NÓS

Um de Nós (PARTE I)

Hermano leu mais uma vez a carta-bilhete datilografada "É com satisfação que lhe informamos que a partir de hoje você também é "UM DE NOS". A assinatura era mais ou menos ilegível algo assim como "Welto".

Ele riu, riu muito. Só podia ser brincadeira do Clodoaldo, pensou. Acontece que o Hermano também lera um conto do Veríssimo nesse sentido.

- Oi, Clô! Tudo bem? Gostei da sua brincadeira... Não, não era coisa do Clodô (prudentemente Hermano não revelara o conteúdo da carta).

Sim, então ele era agora "um de nós". Mas o que o distinguia da população em geral (já que agora havia "nós" e eles?), o que lhe caracterizava como pertencendo a "nós"?

Hermano sempre se julgara uma pessoa especial.

Inteligente, safo e um predestinado. Enfim haviam reconhecido, ele era "um de nós", pensou orgulhoso.

Mas por outro lado, se a comunidade "nós" congregasse pessoas de péssima conduta? O que descobriram a respeito dele? Pois ele tinha lá atitudes que davam motivos para se envergonhar - Descobriram tudo, ou só parte?

Welto às vezes escrevia, mas nada que desse uma pista sobre "nós" - "As serpentes procuram novos ninhos" ou "A perspectiva de subtração contradiz a situação". Apenas frases curtas e enigmáticas.

Havia dias em que ele acordava todo orgulhoso, satisfeito da vida. Era "um de nós", tinha portanto lá o seu valor e, reconhecido! Outras vezes, deprimido. - Poxa agora sou "um de nós", estou na mão deles. Como é que foram descobrir essas coisas a meu respeito.

A partir do dia em que foi comunicado que agora ele era "um de nós", passou a ficar cada vez mais ansioso e com sentimento de ambigüidade - que é o que sentimos ao ver o nosso inimigo despencar no abismo com nosso carro novo.

Situações terríveis passaram a acontecer. Certa vez conheceu numa casa noturna um tipo expansivo que estava numa mesa com pessoas animadas. Beberam, dançaram, se divertiram. Na hora de ir embora, o tipo falou: "Já vi que você é um de nós!". Hermano se arrepiou. A turma foi saindo e ele ali, feito bobo, parado. Era coincidência, ou não? "Um de nós" podia significar "um boêmio como a gente", ou "um de nós" mesmo! Outra vez, lendo o jornal, viu escrito em letras grandes:

"Seja você também um de nós". O jornal estava dobrado e a continuação do texto encoberta. Hermano resolveu tomar seu café da manhã e se acalmar para então continuar a leitura que lhe traria a revelação a respeito de "nós".

Mas que nada! Era um anúncio de apartamento "... e venha morar na Barra..." O jornal deu-lhe uma idéia para por a "pratos limpos", de uma vez por todas, a situação incômoda em que estava.

Colocou um anúncio - Você que é "um de nós" escreva para caixa postal nº tal. Estamos organizando um encontro. Participe!

Welto ficou uma fera! Hermano recebeu uma carta dele dizendo que pessoas não autorizadas estavam tentando se introduzir na comunidade, por assim dizer, "nossa". Ao final do texto estava escrito - com cópia para todos "nós". Na sua caixa postal nenhuma resposta. "Nós" eram obedientes. Welto tinha realmente autoridade, era respeitado.

Deixo a cargo do leitor o término da estória, pois se você leu até aqui houve alguma identificação. Você também é "um de nós", e assim, sabe porque e o que somos "nós". Pense bem!

Sugiro um encontro - Welto, Hermano e você, para esclarecer as coisas e tentar organizar melhor os objetivos e as atividades de "um de nós", mas eu estou de fora!

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Desastre (PARTEII)

Depois do cinema, Hermano voltava para casa absorto. Ele era "um de nós", que coisa interessante! Nos últimos dias essa era a grande satisfação da sua vida. Pensava nisso e, orgulhoso, levantava as sobrancelhas com um sorriso apertado.

Foi com essa sensação que estacionou o carro para participar do tumulto formado na esquina. Restos de um Fusca com as rodas para cima, cacos de vidro pelo chão e um Gol sem placa, encolhido pela colisão. Um verdadeiro desastre!

- O que aconteceu? Perguntou outro que também recém chegava. Hermano, sendo "um de nós", nem perdeu tempo com respostas óbvias. Foi em direção ao grupo envolvido diretamente no acontecimento.

- Alguém está machucado?

- Estou com uma dor danada aqui "nos omoplata" disse uma moça apalpando as costelas. E, essa juventude precisa tomar mais cuidado nos cruzamentos e estudar biologia com mais atenção, pensou ele.

- "As omoplata" também é um local muito sensível sentenciou D. Violeta, moradora na esquina, uma espécie de "repórter de campo" de todas as batidas. Não perdia nenhuma.

Não só a juventude precisa se aplicar mais na biologia, e em português também, pensou.

O Gol trazia três adolescentes, dois rapazes e uma jovem tipo noivinha do Drácula. Seu namorado, filho da dona do carro, meio mijado, choramingava nervoso - O que, vai ser de nós? Hermano, já não tão calmo, falou - "Nós" não temos nada com isso!

Ninguém prestou atenção a sua observação, pois no momento chegavam três patrulhinhas. A acidentada "nas omoplata" seguiu numa delas para o hospital, não parecia ser nada grave. . .

Hermano passou a se entender com o policial responsável.

- O senhor estava em um dos carros?

- Não, apenas estou colaborando.

- E quais são os "elementos" envolvidos, então?

Lá se foi o policial tomar providências junto aos "elementos" envolvidos.

- É preciso chamar os pais deles, alguém responsável...

- O senhor não está com eles? Não é o responsável? disse outro policial.

- Não! E se eu estivesse com eles, seria irresponsável.

Uma batida dessas...

Hermano foi, por entre o que sobrara do Gol, ajudar ao guri mijado a achar a sua carteira perdida ou roubada na confusão ("um de nós" sempre colabora).

- Achei! Achei! Ele ia entregá-Ia ao dono que agora esboçava um sorriso com o canto da boca, quando um terceiro policial chegou.

- Deixa ver a carteira!

- Toma.

- Não estou de brincadeira! Cadê a sua habilitação?

- Minha? Mas eu não estava dirigindo, não estava no carro! Nem conheço eles!

Dona Violeta agora contava detalhes dos últimos acidentes havidos ali. A noivinha do Drácula estava tranqüila; seu pai não tardaria a chegar. O resto do' Fusca voltara a sua posição normal. Os curiosos iam se dispersando.

- Papai, é aqui!

O pai, futuro sogro do Drácula, dirigiu-se a Hermano.

- Você estava com eles no carro?

- Não! Ele não é um de nós! Disse a noivinha.

Ai, era demais. Hermano nem pestanejou.

- Eu sou "um de nós"!

Foi o suficiente. Os policiais imediatamente seguraram Hermano e o empurraram para a patruJhinha.

Foi detido por ter mentido, o que não deixa de ser um desrespeito à autoridade.

Foi uma dificuldade ele explicar na delegacia que não tinha nada com o acidente. Como transmitir que foi um mal-entendido? Como dizer que ele é "um de nós", mas não era "um de nós", isso sem explicar o que é "um de nós"?

Karpot
Enviado por Karpot em 21/10/2011
Código do texto: T3290076
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