Nocaute mortal

Falavam em rastros de mortes no seu encalço. A história propagada a seu respeito é que tinha natureza cruel destemida impiedosa. Ganhava o sustento com a força física.

Sujeito enigmático de reduzidas palavras, esboçava gestos sucintos no exprimir do que almejasse. Indivíduo de índole perversa mal apessoado tez carrancuda, capaz de esfarelar os dentes do oponente num só golpe. Constituído de força descomunal, seu uppercut desferido com o punho esquerdo era suficientemente preciso para arrebentar o maquicilar inferior do adversário em alguns segundos de luta.

Pelas notícias que fervilhavam no povoado naqueles tempos, o tal não colecionava amigos. Essa característica bem se notava, porquanto visível a poucos metros, seu temperamento - arredio obtuso distante -o cercava feito redoma intransponível. Diálogo algum lhe servia de alento.

Cá com meus botões, moleque de imaginação fértil, eu supunha que talvez o desamor, a solidão, a mágoa e o rancor já eram velhos companheiros de jornada e mantinham aquela criatura à distância de qualquer alma amistosa solícita desejosa de aproximação.

Aceitando o desafio de um consagrado pugilista local, que particularmente eu venerava, o sujeito apareceu no vilarejo alguns dias antecedentes ao combate, e desde de que havia chegado nas instalações do abrigo velho, toda atenção lhe foi conferida, sobretudo no que tange ao seu comportamento idiossincrático destoante dos costumes do lugar. Curiosamente trazia consigo o hábito de sair após o jantar, seguia em lenta caminhada até o gramado do jardim central. Sob olhares interrogativos da população, estirava-se no gramado e se punha a divagar mirando as estrelas na imensidão da noite por horas a fio, sem expressar movimento algum no seu corpo. Podia-se até inferir que ali jazia tranquilo um cadável a espera da cova. Talvez naquele aparente transe sereno, escondesse uma profunda perambulação em solo secreto permeado de elucubrações fantasmagórica sobre um passado remoto que vinha visitá-lo toda noite sem trégua. Era intrigante observar aquele sujeito de face tão rígida e expressão taciturna estendido sobre a grama orvalhada, totalmente indiferente ao burburinho que emanava das bocas em derredor. Com os olhos fixos perdidos no amplo espaço do infinito nada, eu poderia jurar que garimpava alguma coisa dentro de si muito valiosa pendente de lapidação.

A luta foi o grande evento da época. Para o desafiante, um combate de vida e morte. A apreensão tomou conta dos ânimos na região. Eu, na minha meninice ansiosamente antevia o final triunfante daquele que mais amava.

Hoje já no crepúsculo da minha existência, diante da fria sepultura, ainda rumino em melancolia pungente a miserável luta pois, logo no primeiro assalto, arrebatou a vida de meu pai.

Desde então, jamais me veio notícias do lutador descrito nestas linhas.

Wagner de Oliveira
Enviado por Wagner de Oliveira em 16/03/2012
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