A Doença (13/12/2010)

Sentou-se na ponta da cadeira de metal, entre as paredes brancas, olhando fixamente para o fio vermelho. Queria ouvir sua voz do outro lado da linha, queria ouvir e falar e poder dormir, talvez. Mas não tinha certeza se seria ouvido, ou se seria respondido, ou se o telefone vermelho dormiria antes, e a noite pareceria mais longa em cima daquela cadeira de metal.

Não o culparia, não culparia o telefone vermelho de forma alguma. Estava doente há muito tempo, e não poderia culpa-lo. Mas culparia o outro, sim. O outro que sentava em sua cadeira de metal, que usava sua voz. Talvez, seria o outro que falaria, que ouviria. Talvez, seria o outro que dormiria.

Alguns estão doentes, outros não estão. Dizia isso. Ou o outro dizia, não saberia mais separar, e dessa forma não deveria exigir que aquele fio pudesse fazê-lo. Mas o odiava, sim, o odiava. Odiava-o por usar sua cadeira, odiava-o por usar seu telefone vermelho, por estar entre suas paredes brancas. Mas o odiava, principalmente, por roubar sua doença.

Era sua doença, afinal. Sua e não do outro. Ele quem sofrera, ele quem tentara se curar, ele quem sabia que morreria com aquilo dentro de si. E agora o outro, o outro que surgira como a própria doença e, agora, queria roubá-la para si. Sua doença. O odiava por isso, e odiaria se o fio vermelho falasse com o outro. O outro que se passava por si.

Mas queria ouvi-lo, queria falar e queria, muito, dormir. Não bastasse a doença, agora havia o outro. Não descansaria até que o fio vermelho lhe respondesse, lhe ouvisse e lhe fizesse dormir.

A cadeira de metal rangeu estridente. O telefone vermelho estava agora ali, com seu fio estendido, perto de si. Colado em si. Num som constante e agudo. Esperou. Disse-lhe, enfim, que estava doente e que queria dormir. Precisava dormir, e aquela cadeira de metal era muito desconfortável. Estava cansado dela.

Silêncio. Esperou mais um pouco.

Disse-lhe, de novo, que estava doente. O telefone vermelho chiou. Esperou um longo tempo depois disso. Por fim, desligou-se sozinho, num som constante intervalado por silêncio.

Caiu a ligação, pensou. Depois achou que ele havia se desligado sozinho. Irritou-se. Largou-o. O outro disse que estava doente e o telefone havia ouvido o outro e não a si. Sua doença.

Depois se arrependeu. Olhou fixamente para o fio vermelho. Quis pegar o telefone e se desculpar. Mas ficou com medo de que quem pedisse desculpas fosse o outro. Repugnou a ideia e resolveu não fazer, não iria se desculpar com o telefone, estava muito cansado e não poderia explicar.

E o telefone não poderia de forma alguma distinguir ele do outro.

Mas ele não o culparia. Queria apenas avisá-lo que estava doente.

E, definitivamente, não poderia culpar o telefone vermelho, porque o telefone também estava doente. Estavam ambos.

Ele sabia disso do tempo em que o telefone o ouvia e o respondia. Mas, naquele tempo, eles não dormiam juntos. Ele achava que era porque, naquele tempo, não havia a cadeira de metal. Mas agora não achava mais nada. E não tinha mais certeza se tinha pegado a doença do telefone, ou se o telefone havia pegado de si. Afinal, eles ficavam muito próximos sempre, era difícil saber.

Recostou-se na cadeira de metal. Ficaria acordado mais uma noite.

Precisava achar um jeito de avisar o telefone do outro. E avisar da sua doença. O telefone precisava saber distingui-los. Era, afinal, só isso.

Levantou-se da cadeira de metal. Ficaria acordado mais uma noite.

David Ceccon
Enviado por David Ceccon em 30/04/2012
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