Não foi pesadelo!

Tenho muitas saudades daquele casarão e até das árvores da Alameda Lorena emS.Paulo,onde morei desde que me conheci por gente,nossa casa era um sobrado antigo muito grande,num terreno ainda maior, amava cada pé de fruta do quintal, conhecia cada cantinho da casa e sua voz.Sim por que as casas falam...
Meus pais emprestaram a parte inferior da casa para Dona Sarah,uma senhora idosa nossa conhecida a muitos anos,ela e o falecido marido eram amigos do meu avô, não tinha filhos nem parentes próximo,ela tinha sofrido muito durante a guerra .
Nós ocupávamos os outros dois pavimentos superiores totalmente independentes.
Minha mãe sempre muito medrosa se apavorava com as noticias  policiais, me contou  que certa vez  um ladrão entrou na casa de uma mulher,ela fingiu estar dormindo.Ele levou o que pode mas deixou a mulher em paz.Portanto se algum ladrão entrasse no meu quarto era a para  eu fazer o mesmo.Sua recomendação entrou por um ouvido e saiu pelo outro,minhas prioridades eram outras...
Passávamos os dias entre preparativos para meu casamento, estava noiva  com casamento marcado para dali alguns meses.
O  enxoval estava  pronto, todo embalado  com muito cuidado em papel de seda azul com sachês de lavanda, guardado no guarda roupas e na camiseira.
 Era costume a noite sentarmos na sala para conversar e ouvir música,como não tenho irmãos,apenas meus pais e eu ficávamos fazendo planos  para o futuro,discutindo sobre assuntos do momento etc etc, antes de nos recolhermos tomávamos uma xícara  de leite bem quentinho com mel,que saudades daquele leitinho...
Aquela foi mais uma noite tranquila e feliz, era mais ou menos umas nove horas quando fui para meu quarto.
Logo adormeci.
Foi então que tudo aconteceu...
Acordei com um som tocando rente ao meu ouvido, me lembrou um sininho, era um som bem fininho.Senti  uma respiração forte junto ao meu rosto,senti o calor do ar...
Fiquei imóvel.Imediatamente me lembrei do que minha mãe havia dito...
Mesmo assustada, raciocinei com clareza. Pensei, dizem que se estiver tendo um pesadelo, mesmo que esteja nele procure se beliscar, a dor te fará acordar, foi o que fiz,me belisquei várias vezes, senti dor,mas  de nada adiantou.
Eu estava em estado de alerta, com os olhos fechados,com todos os sentidos aguçados.
De repente parou a respiração e o som.
Alguns segundos de silêncio...
De repente ouvi o barulho das gavetas da camiseira sendo abertas e mexidas, em seguida ouvi a porta do armário que sempre rangia também sendo aberta.
Silêncio...
Novamente senti a proximidade de alguém que respirava junto a  meu rosto,  o sininho tocava e parava.
Pensei, ele está me testando para ver se eu estou acordada ou então quer que acorde com  som.
Não me mexi.
Se afastou.
Silêncio.
 Ouvi meu pai se dirigir ao banheiro, escutei quando fechou a porta e voltou para o quarto.
Dona Sarah começou a fazer bastante barulho,ouvi som de móveis sendo arrastados e ela parecia  bater em alguma coisa,mas logo parou. Devia ser madrugada por que com os olhos semi cerrados vi que a fraca  claridade estava entrando pela veneziana.
Silêncio!
Pensei. Ela deve ter ouvido o ladrão entrar, e logo pedirá socorro,mas logo também ela fez completo silêncio,então tive certeza que só ao amanhecer tudo acabaria...
Novamente ouvi barulho no quarto, estava revirando no meu enxoval,o papel fazia bastante ruído,parecia que  jogava tudo no chão,em seguida voltou a abrir e fechar as gavetas da camiseira, abriu o porta joias...Eu ouvia o som dos colares,pulseiras,tudo sendo pego e mexido por um bom tempo.
Não sei quanto tempo levou para  tudo cessar de vez!
Continuei na cama até amanhecer  e o sol  clarear bastante o quarto.
Quando ouvi a empregada mexer na cozinha, me levantei depressa sem olhar para nada e  fui para o quarto de meus pais, eles ainda estavam deitados.
 Me sentei na beira da cama deles e disse que havia entrado ladrão no meu quarto.
Meu pai deu um pulo da cama e assustado  correu  para meu quarto,minha mãe e eu o seguimos.
Surpresa.
Não havia nada fora do lugar...
Fiquei sem saber o que dizer a eles, não sabia explicar o que havia acontecido...
 Meu pai disse que eu devia ter tido pesadelo, mesmo eu tendo repetido mil vezes que estava acordada.
 Então pedi a ele que perguntasse a  Dona Sarah,o que tinha acontecido para ela fazer barulho de batidas e  arrastar móveis de madrugada.
Ele ainda sem tomar café, desceu até a casa dela para  esclarecer o que eu havia contado,ele não estava satisfeito com minha explicação,sabia que não costumo mentir, mas ...
Quando voltou parecia preocupado, nos disse que ela tinha perdido o sono e ao se dirigir a cozinha para tomar água, encontrou uma barata, precisou arrastar um móvel para matá-la e acabou com ela a sapatadas.
Queria me explicar,mas estava muito difícil,não havia nada que provasse o que eu contava, falei que também  tinha ouvido ele ir ao banheiro,mas eu sabia que isso não explicava nada , por ser um fato que acontece  normalmente.Mas uma pessoa silenciosa como Dona Sarah arrastar móveis e  matar baratas a sapatada de madrugada não era comum...
Eles se entreolharam, mas não disseram nada... Percebi os olhares, mas fiquei calada.
Tentei levar o dia normalmente, cumpri a rotina diária,mas ainda pela manhã tive  febre muito alta, inexplicável, pois estava bem de saúde na noite anterior,não sentia dor alguma,mas a febre aumentava muito rápido.
Meus pais preocupados me levaram ao consultório do Dr.Bernardo um médico muito amigo da família,ele me pediu que relatasse o que havia acontecido,contei tudo com detalhes,ele ouvia em silêncio.
Numa fração de segundo percebi o olhar dele para meus pais,era o mesmo trocado entre meu pai e minha mãe.
Imaginei que eles deveriam estar pensando que eu estava com algum tipo de problema mental, mais uma vez fiquei calada,mas triste pois parecia que não acreditavam em mim,mesmo sabendo que eu jamais mentiria sobre o acontecido,seria incapaz de inventar uma história daquelas e deixa-los preocupados.
A febre estava atingindo  os limites de segurança, aumentava sem parar,fui levada para o hospital,internada de emergência,
meus rins e bexiga estavam paralisados.
Depois de uma semana, ao voltar para casa, minha mãe insistia para que eu me mudasse para o quarto de hospedes, não  aceitei, e continuei a dormir no mesmo quarto.
Estava disposta a encarar  de frente fosse o que fosse...
Esperei durante algum tempo que o episódio se repetisse, desta vez não seria pega desprevenida, estava decidida a abrir os olhos e solucionar de vez aquele quebra cabeças, mas nada  aconteceu.
Não sei explicar o que se passou, mas de uma coisa tenho certeza, eu estava acordada, não fiquei traumatizada, nem com medo,ao contrário queria buscar uma explicação para o que tinha se  passado comigo naquela noite...
Posso apenas garantir, que não foi um  pesadelo e mais nada!
 
P.S.Fato vivenciado pela autora.
 
M.H.P.M.