A SENHA FATAL

A SENHA FATAL

{{((texto inspirado depois de ficar por mais de duas horas

numa repartição do INSS para ser atendido com senha,

sendo que havia agendado para 14:10 e só fui atendido 16:45.))}}

- 392!

Mais uma vez olho aquele papal amarelado, amassado e já quase ilegível. Não, não é 409! E mais uma vez faço a operação 409 menos 392 igual a 17. Faltam 17 para chegar a minha vez. Dez minutos atrás faltavam 18. A fila anda... lentamente, é bem verdade.

Parece rodoviária em feriado: tem gente saindo pelo ladrão.

- 393!

- 394!

Ôpa! Dois de uma vez! Fazendo a operação lógica, o resultado é animador. Faltam 15 para chegar a minha vez.

Não conheço nada mais agoniante do que esperar a vez com uma senha na mão. Só mesmo fila para usar latrina, quando se está com diarreia.

- 395!

Alguns segundos e repete:

- 395!

- 396!

Ninguém aparece.

Dou graças! Mais uma vez duas senhas se foram. Volto a confirmar. Realmente a minha é 409.

Dez minutos viram um século.

Olhando o relógio vejo que foram treze minutos e não chamaram mais senha. Pergunto ao senhor á minha frente:

- Realmente se passarem mais de dez minutos sem chamarem uma senha?

Ele mais puto e impaciente do que eu; esbraveja:

- Estas desgraças do governo são assim mesmo, pensam que a gente não tem o que fazer!

- 397!

Rogo uma praga: “tomara que este também tenha desistido”.

Decepção. Depois de alguns segundos aparece uma senhora bem idosa com um volume de papéis de fazer inveja em jornaleiro de semáforo.

A lógica da coisa funciona mais ou menos assim: quanto mais papéis mais tempo para destrinchar a merda da coisa.

Tão entretido no amaldiçoar a papelada que nem ouvi o chamado da senha 398.

- 399!

Ah! Não! Outra resma de papel nas mãos de um senhor, morre não morre. E novamente lasquei praga: “morre velho do diabo”!

- 400!

- 401!

- 402!

Comemorei. Aumentaram os atendentes. Três de uma vez! Fiz a operação 409 menos 402 igual a sete. Só sete para minha vez!

Foi quando pelos autofalantes veio a notícia fatídica:

- Sistema fora do ar! Haverá atraso no atendimento.

Não vi da hora que respondi para os referidos autofalantes no alto do recinto:

- Vai para o diabo que te carregue! Mais atrasado impossível!

Ânimos serenados. Voltei a sentar. Mais uma verificada na veracidade da minha senha. Puta que pariu! Não é 409, a porra do zero no meio dos algarismos quatro e nove é o filho da puta do dois! 429? Nunca que vou esperar!

Levantei e ia saindo, me arrependi. Mais de duas horas de espera jogados fora? Nunca!

Voltei. Sentei.

- 406!

Novamente a operação 429-409=23. Caramba! Não dá para esperar.

O senhor á minha frente também fez lá sua operação matemática; e de posse do resultado; foi-se!

- 407!

- 408!

- 409!

Se a merda do zero não tivesse virado dois, era minha vez.

Veio-me uma ojeriza dos números. Todos eles.

Tomei uma decisão irrevogável: vou olhar esta minha senha pela última vez; e como ela não tem valor material, depois de gravá-la, vou jogá-la fora.

Abri aquele papel carcomido... 499!

O enfarto foi fatal.

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 21/07/2012
Código do texto: T3789359
Classificação de conteúdo: seguro