Novidade na casa de Magonga

Houve uma grande festa logo na entrada da aldeia tão logo seus vizinhos o avistaram sobre o lombo do burro. Vinha num passo miúdo o animal, a carga que transportava era delicada e merecia todos os cuidados. As crianças, curiosas, faziam festa em torno de Magonga, que há semanas viajara até a província próxima ao porto de **** apenas para adquirir a maravilha que trazia consigo. Na porta de casa, constrangida com a agitação dos outros aldeões, sua esposa o aguardava cercada pelos filhos do casal, assustados com tanta gente e barulho. A aldeia era afastada das grandes vilas e a viagem até à província, além de penosa para Magonga, despendeu grande parte dos bens da família. A mulher não aprovara o ímpeto do marido, mas tampouco o censurou quando do anúncio de sua partida. Achou que talvez a novidade fosse beneficiar os filhos, cedo ou tarde, mesmo sem saber ao certo do que se tratava. Como a vizinhança não falava em outra coisa, logo ela também se convenceu de que a encomenda, afinal de contas, lhes traria distinção entre seus pares. No fundo pensou que a idéia do marido não era de todo má, e que com o tempo se acostumaria com ela.

Magonga desceu do burro e abraçou as crianças. Acenou para a esposa, que não se mexera de seu lugar, junto à soleira da porta. Limitou-se a lhe devolver o aceno. Os presentes cumprimentavam Magonga, que tratava de descarregar com extremo cuidado as duas caixas que pendiam de cada lado do burro. Alguns homens fortes da aldeia se ofereceram para ajudá-lo, mas ele os repeliu com tal frieza na voz que todos se calaram de imediato. Magonga pediu desculpas a todos, estava cansado e queria apenas comer um pouco e deitar-se. Aos poucos as pessoas foram se retirando, frustradas e muito curiosas com a novidade na casa de Magonga.

Enquanto a mulher punha a mesa, as crianças faziam festa ao pai, que descalçava as botas sem tirar os olhos das duas caixas. Respondeu com desinteresse às perguntas da família durante a refeição. Não pôs os filhos na cama à noite, retirando-se a seus aposentos e fingindo dormir à chegada da esposa, que também não fez caso por encontrá-lo já desfalecido. Ao certificar-se de que todos na casa estavam dormindo, Magonga trancou-se num outro aposento com as caixas, lá passando toda a madrugada. Ao amanhecer voltou para a cama, fingindo novamente dormir, pois sabia que a esposa acordava cedo.

Na primeira semana após a volta de Magonga, as pessoas ainda lhe perguntavam sobre as duas caixas. Ele desconversava, aborrecido, e voltava ao trabalho normal na aldeia. Arrependeu-se por ter dito na taverna, antes da viagem, que partiria pela manhã e passaria alguns dias na província de ***** tratando de encomendar uma mercadoria nunca antes vista por seus vizinhos.. Estava bêbado, como todos os outros, e essa indiscrição agora lhe custava uma infindável sabatina por onde passasse, no trabalho, no mercado, nas estrebarias e nas tavernas, na igreja e na praça onde executavam os assassinos, por toda parte era interrogado acerca das duas caixas que ele trouxera no lombo do burro. Com o tempo as pessoas foram esquecendo, desanimadas ante a reticência de Magonga, e alguns até já o tratavam com indiferença, e mesmo com hostilidade, uma vez que ninguém na aldeia inteira soube da tal novidade de Magonga; e sendo assim, muitos começavam a desconfiar de que de fato ela existisse. A verdade é que cada vez menos se via Magonga. Em casa não era diferente, passava todo o tempo trancado com as duas caixas num quarto vazio de acesso restrito apenas a ele. A mulher e os filhos quase não o viam mais; os pequenos não notavam a ausência do pai, a esposa nada dizia, preferindo calar-se. Magonga trocava o dia pela noite. Durante o dia executava com negligência suas tarefas na aldeia. À noite trancava-se no quarto e só saía de lá para algumas horas de sono antes do trabalho. Assim era a rotina na casa de Magonga.

Numa dessas noites insones em que Magonga passava trancado no quarto, vieram procurá-lo. Uma bela mulher vestida de negro bateu à porta de sua casa. A esposa atendeu à contragosto, haja vista o avançado da hora. Aturdida com a misteriosa presença, que pedira para falar com Magonga, soube apenas lhe responder que esperasse um pouco enquanto chamava o marido. Bateu à porta do quarto onde ele passava as madrugadas inteiras trancafiado. Ele não demorou a abrir. Estava vestido, soçobrava duas grandes malas e no rosto o olhar compungido de quem partia para sempre. A mulher desandou a chorar. Ele explicou:

- Vou embora. Conheci uma pessoa num chat de aldeias. Preciso ir, querida, me desculpe. Deixo meu computador aqui, para as crianças, que ainda não têm idade para navegar na internet.

E foi-se embora. Sua esposa, atônita, permaneceu parada diante a porta escancarada do quarto onde o marido passou os últimos meses praticamente isolado de tudo. Havia um monitor enorme, ainda ligado, com uma foto de mulher a iluminar o ambiente.

Marlon Magno
Enviado por Marlon Magno em 16/02/2007
Código do texto: T383361