O HOMEM QUE ME ENSINOU A MORRER

O HOMEM QUE ME ENSINOU A MORRER.

Meu nome é Roberval, tenho 59 anos, casado há 40 e separado há 20 anos, sou fruteiro na periferia de uma grande cidade. O que ganho repasso pros meus filhos, Emanuel e Manuela e ex-mulher Lalí, o que sobra dá pra sobreviver com algum luxo, “se bem que meu conceito de luxo é bem particular” pra não dizer bem simples. Gosto das coisas discretas, mas tiro proveito integralmente, tipo: quando como um saco de pipocas, lambo até o sal do fundo do pacote, aliás, é a parte que mais gosto. Nesta semana encontrei uma pessoa no terminal do ônibus no qual forneço minhas frutas, que solfejava solitariamente uma canção que me lembrou à infância, achei o fato bem inusitado, aquela música que não ouvia havia pelo menos uns 10 anos, sendo cantarolada por uma pessoa que jamais teria visto em toda minha vida. Sabe aquela sensação que conhece uma pessoa ha muito tempo, mas não lembra quem é, nem de onde é? Foi o que senti naquele momento. Intrigado, me aproximei e ofereci meus produtos, rapidamente o homem respondeu “obrigado, mas não posso comer agora” e continuou cantarolando. Mais uma vez intrigado, tomei a liberdade de lhe perguntar, “coisa que não é do meu feitio, invadir a privacidade alheia”. Sem querer lhe perturbar, mas porque o senhor não pode comer agora? O homem parou, olhou em minha direção e respondeu-me, por dois motivos, 1º: esta canção me faz sentir alegre e bem humorado e não gostaria de parar, e 2º: neste momento não tenho dinheiro. Escolhi a maçã mais brilhante e ofereci como cortesia da casa dizendo: meu senhor, eu escutava esta canção quando criança, e me trás ótimas recordações, receba minha fruta como “pagamento” pelas lembranças que me veio à cabeça neste momento. Aquele senhor de sorriso fácil, aproveitando uma frase da música que dizia “tu és divina e graciosa” para agradecer minha oferta, recebeu a maçã balançando a cabeça positivamente, continuando a canção. Fiquei comovido com a beleza da antiga melodia, e com a sinceridade de confessar sua falta de dinheiro tão serenamente, como se dinheiro fosse apenas um detalhe. De fato era mesmo um detalhe, tanto para mim quanto para ele. Fiquei hipnotizado por aquela situação, que não conseguia arredar o pé dali. Queria conhecer esta pessoa que com tão poucas palavras e uma dignidade de gigante, me cativava profundamente. O homem não parava de cantar, e eu não ousava em atrapalha-lo. Estava quase morrendo de curiosidade para saber seu nome, onde morava, o que fazia e tudo mais. Passou-se algum tempo e finalmente o homem resolveu parar a cantoria e me dar um pouco de atenção. Meu amigo, disse com convicção o distinto senhor, quando eu morri, achei que tinha morrido, porém, acho que acabei de nascer, venho esperando um ato de benevolência ha muito tempo para poder me desligar deste plano, sabe! Em toda minha vida, ninguém nunca me ofertou nada, fui sempre uma pessoa solitária, nunca tive família e não recebi sequer uma flor no meu caixão, contudo, não culpo ninguém por ter sido ignorado, por ser uma pessoa invisível, pois nunca fiz por onde ser notado. Você foi atraído pela canção e sem me conhecer me libertou das amarra que me seguram aqui, sou eternamente grato. Agora vou seguir meu rumo. Aquelas palavras me tocaram diretamente o coração e me veio um sopro de realidade, tudo começava a fazer sentido agora, foi então que perguntei seu nome, ele com os olhos mareados d’água respondeu: meu nome é Emanuel, pai. Como poderia ser? Era meu filho, e estava ali sentado a meu lado, mais velho que eu. Sabe esta canção que canto agora? Você me ninava quando criança. Notei que ha muito tempo meu relógio não mudava a data, tudo ia ficando distante, o meu filho ficava sentado naquele banco, muito mais vivo que afirmara ser minutos atrás, e eu me afastava. Caiu à ficha, eu estava morto e não sabia. Aquele pequeno ato de oferecer uma fruta a um estranho, me fez entender que era a hora de seguir, foi tudo estranho e indolor, foi até prazeroso. Beijei suavemente a testa do Emanuel, e fui lentamente e alegre para onde vão os mortos. Hoje, tenho a certeza que meu filho é um “eu” melhorado e me ensinou como eu nunca havia imaginado, a lição de como “morrer em paz”. Em fim estou em paz. Obrigado meu filho.

M. C. MEIRA. 26/06/2013.

MAERSON MEIRA
Enviado por MAERSON MEIRA em 26/06/2013
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