Um Maelstrom na costa galega

- Conto de verão, um chisco metafórico. Qualquer parecido com a

realidade é pura fantasia. -

In a few minutes more, there came over the scene

another radical alteration.

“A descent into the Maelström”

Edgar Allan Poe (1841)

O dia em que nasceu um buraco no mar galego as previsões meteorológicas não o disseram. Não fora anunciado em nenhum informativo. Ninguém tinha dado o alerta. E não se tratava de um novo Prestige, pois nem o barco era petroleiro, nem a irresponsabilidade fora cousa de instâncias oficiais. E tampouco se tratava do valeiro que a Sereia tinha deixado nos tempos em que foi visitar a Audiência Nacional, como alguma leitora atenta poderia ter imaginado.

Aquele dia aconteceu um desastre pessoal, que também o foi coletivo, pois foi desastre preparado por pessoas, que afetou esse coletivo e outros, e em consequência também outras pessoas. A onda expansiva deslocou-se pela superfície e na costa perceberam-se as perturbações nas marés.

No desenvolvimento daquela reunião ninguém lhe dera a mão, nem a mulher que virara homem, nem o amigo que virara caçador furtivo, nem sequer o depois entrevistado, ou aqueles a quem tinha ajudado noutras ocasiões. Nada aguardava do Ofensor, ali presente, ruivo de emoção uma vez que o submarino tinha emergido de armamento disposto. Nunca esqueceria o vermelho daquele rosto quando pronunciou o seu nome três vezes. Nem os comentários grotescos que voaram por cima das cabeças como facas pelos ares.

Tampouco esqueceria aquele silêncio mortal, aquele abandono por parte dos que durante anos disseram ser seus companheiros. Depois do ataque somente um deles, arrependido, procurou-a para a salvar. Porém era tarde demais e já a ferida mergulhava nas águas, caravela aberta em grave fenda, em direção ao fundo do mar. Então, o leme vertical redemoinhou na superfície unindo-se ao profundo e a espiral voraginosa furou o oceano, engolindo-a.

No entanto, acima reordenava-se a flota. A velagem, alheia ao acontecido, continuava despregada. Os brunetes afastaram a vista do sumidoiro, que permanecia na girândola ameaçadora. Temerosos, levantaram âncoras e não fizeram perguntas nem olharam para atrás.

...

Tudo tinha começado quando o Grande Objetivo se revelou pequeno. As bases da construção tremeram, os fracos fundamentos ficaram ao descoberto, e no conjunto uns acharam culpados, e outros, também. Em vez de se animarem, todos se zangaram e entristeceram. Por causa daquilo o Ofensor e a Falsa arranjaram a ocasião de desfazer-se dela. A Falsa convenceu o Bode, que aproveitou para trocar um tesouro de verdade por um de carvão, há indivíduos inteligentes no mundo. Os colegas arrodeadores acharam aquilo bom. Depois foram os telefonicamente convencidos. E, por último, ainda os que se deixaram levar pela corrente sem saber nadar. Isso tinha sido tempo atrás.

Agora, na reunião, alguns tinham louvado o proceder do Ofensor, premiando a sua ofensa. Nesse dia, depois de tantos outros dias de esforços e trabalhos, nesse mesmo dia, ela a trabalhar diante deles, o silêncio e a reprovação foram os pagamentos agendados. Alguém deitou um obrigado por cima do ombro a modo de despedida. Outro alguém cuspiu uma mentira. Ninguém a defendeu.

Foi então, e foi por isso, que o vento começou a soprar e soprar. As águas fizeram-se mais fortes e giraram a maior velocidade. O furacão cresceu e cresceu, e já triturava os barcos fugidos, já tronçava os mastros curtos e engolia as proas moles da traiçoeira tripulação. E assim foi como em nome e vingança de todas as mulheres formou-se a corrente que arrastou os presentes. Assim foi que nesse dia enfrente da costa galega nasceu, e persiste até hoje, o Maelstrom.