Viagem Insólita?!
 
Lugar comum de se pensar: achar que se pensa ou já pensou e passou por tudo: eis porque sobrevivo a tanto intempéries. E me dói tanto que ardo em chamas e labaredas sobre-humanas em brasas vivas.
Há muita estranheza e pequenez no que realmente sinto ou plasmo do outro. Perambulo sem pensar em nada do que fui ou no nada que me entorna ( a xícara agora está bem pesada), transbordante... e verte pulsações e oscilações do meu eu ferido e preterido de outros ais.
Há em mim uma profundeza de abismos e o meu eu cansado de tanto esperar à beira dum caos - se subverte em outros canais.
Vejo-me em contrapartida e me absorvo de outros canais - sinto dentro do peito um vazio estripador - que dilacera, corta, rasga, e sangra vários eu(s) que se submetem em outros des(caminhos)!
Hoje cheguei em casa com fome de tudo - fome de mim: mas, a casa estava vazia, o teto vazio, a geladeira vazia e a minha dispensa interior mais vazia ainda - recorri a um átimo de força dentro de mim; precisa continuar ainda vivendo - se é que já não se encontrava morto-vivo talvez, dentro da própria redoma de vidro embaçado que criara para poder sair e continuar a tecer outros canais - camuflados bem o sei, porém, me bastava por si só, mesmo que em alguns momentos - longe do meu pseudo-porto seguro.
Devo sair agora para saciar a fome que me corrói - mas, tenho que sair de mim e me misturar ao caos que tanto abomino - mas, sou o caos também, e mais, gero caos por onde passo(?).
Então, peguei o carro e comecei dar mil voltas pelo quarteirão, até que resolvi encarar a fila enorme de um supermercado.
Precisava abastecer a minha dispensa totalmente vazia!
Entrei no mercado e de repente comecei a ouvir, sentir e ver o comportamento de algumas pessoa que, como eu, também precisavam se reabastecer, antes que a noite terminasse!
Minha impaciência e desconforto era bem maior que todos.
Não conseguia esperar a minha vez.
Fui colocando alguns produtos no carrinho e como louco me movimentava de um lado para o outro tentando ganhar tempo.
Havia algo de muito estranho por ali - eu podia ouvir a respiração e os batimentos daqueles corações desacorçoados também.
Naquele instante, tudo transcorria igualzinho: pessoas e pessoas silenciosamente amedrontadas e desconfiadas se subdividiam em filas intermináveis e inimagináveis.
Não havia outro jeito! Só esperar a sua vez!
Até que o relógio exposto num cantinho discreto da parede acusava 12:00 h em ponto. ( o sino ressoara discreto,  para não acordar ninguém daquele lugar).
Pensei alta! Quase murmurante:
Agora entendo o porquê de os relógios ficarem sempre escondidos - para que as pessoas perdessem a noção de tempo - enquanto estivessem transitando de uma seção para outra ao fazerem suas comprinhas.
Dirigi-me ao caixa - lá estava ela, com um sorriso amarelo nos lábios, quase sussurrantes - Boa noite senhor!. Sua voz melodiosa,  e por vezes, grave, ia-se oscilando, ao passo que conferia e registava os produtos.
Senti um leve cansaço nos olhos e nos ombros daquela senhorinha.
Ela devia ter uma família enorme - filhos às pencas!
E, é claro, estariam-na esperando com ansiedade.
Afinal, olhar de mãe é outra coisa! Senti-me envergonhado.
Não estava em uma posição confortável - já a moça do caixa! Mantinha uma postura respeitosa, gentil,  porém, desvaziante!
Paguei as compras e sai repentinamente...como se estivesse fugindo de alguém - ou como se tivesse outro compromisso - e é claro! estava literalmente atrasado! Só imaginação apenas para justificar a minha pressa e desconforto.
Saí do mercado e ao entrar no estacionamento fiquei parado sentado ao volante sem querer sair dali - tive um pânico exautivo e desfalecedor.
Não queria seguir ou ir - retornar talvez para casa.
Mas a minha casa estava irremediavelmente desconsertante e despacificadora. mas fui assim mesmo - em direção ao meu destino!
Ao chegar coloquei as compras em cima da mesa da cozinha - coloquei algumas coisas na dispensa e abarrotei a geladeira e o friser de coisinhas e coisinhas petrificadas (tanto quanto os meus pensamentos e sentimentos que se desgelavam ao passo das horas que fervilhavam).
Não entendia o porquê de ter comprado tantos mantimentos - talvez, seriam provisões vindouras.
Não sairia de casa, talvez, por intermináveis dias ou mêses, quiçá ano?
Estaria eu planejando me refugiar neste aparatamento - ao cumprir o meu próprio exílio?
De vez... outra vez... estava eu desiludido de tudo!
Não quis comer nada sólido.
Apenas, peguei uma lata de cerveja e uma água com gás.
Fiquei olhando-as fixamente e decidi abrir a lata de cerveja.
Sorvi alguns goles e depois - entrei no quarto de banho - tirei a roupa - liguei a torneira... água começou a encher a banheira até transbordar... entrei na banheira toda  marmorizada bem lisinha e tentei dormir ali mesmo - submerso naquela água totalizadora.
Vencer o cansaço - ou ser vencido - por mim?
Mergulhava cada vez mais fundo e mais fundo... até escorrer vestígios de mim por entre as bordas. Estava se consumando um fato: não pretendia mais retroceder - agora era a própria Lei.
Não mais podia me caber em lugar algum - só neste espaço ovalado, compartimentado, e deslizante... acolhedor.
Dormir e dormir sem a menor intenção de retornar à superfície - estava ancorado no fundo sem fundo e aquela banheira passaria a abrigar-me perpetuamente! Mesmo que na outra manhã ou no outro dia - sairia talvez, mais compreendido! Não estava me cabendo mais em mim!  minhas vestes do corpo e minha pele já se enrijeciam lentamente.
Agora, com as pálpebras cansadas, pesadas aos milhões - permaneci estático, petrificando e sem saída. Entregue-me ao ocaso labiríntico dos meus pesadelos. Agora compreendi a fraqueza e pequenez do meu des (viver), in (contido), na inequação inexata dos meus achismos ou aforismos!
Sei que, como todo mundo, segui padrões e perdi grilhões.
Porém, existiria outros recomeços?! Estou mais só que antes, porém, pressinto uma borboleta amarela repousar em meu peito congelante!
Ela se abria e fechava aspirando um átimo de vida que ainda sulcante tansbordava aos jorros pelo chão do assoalho molhado e profuso dos meus viveres.
A porta se fechou! Perdi as chaves.
Não tenho como transpô-la.
Restá-me agora, talvez, alçar voo nas costas desta borboleta; e quem sabe me metamorfosear... pela eternidade!
Saberão depois.
Pois, a vida, mesmo insólita, seguirá, destarte, em outras asas!...

 
Elzana Mattos
Enviado por Elzana Mattos em 09/10/2013
Reeditado em 12/10/2013
Código do texto: T4518152
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