A CADEIA É UM MOSAICO

               Não, hoje não quero sofrer, mesmo consciente de tudo, hoje eu não quero sofrer! Até acho que talvez não precisemos mesmo saber nada. Quem sabe a melhor saída seja sair levemente solto sem entender, apenas querendo apreciar todos os prazeres. Esquecer! Deixar pra lá o que não foi possível, se não foi, não foi, tudo bem! Por isso, agora, neste instante, quero simplesmente que esta música adentre meus miolos e me liberte das amarguras, de confusões e mal-entendidos. Sim! Quem sabe ser plenamente intenso no ato do estar no agora seja a melhor forma de encarar os declives de ruas que não chegam a lugar nenhum (embora eu bem saiba que ruas, mesmo aquelas sem saídas, sempre oferecem qualquer gesto em olhos que ultrapassam becos e fogem por estreitos espaços, ganhando outras veredas, pois sim, somos veredas...).
     
     Chega de tentar amarrar, segurar, prender o aquilo que é impossível de ser preso. É melhor saber que não há como dominar nada inteiramente e que as tentativas são meras maneiras de achar; apenas achar que podemos ter o controle da situação. O que se pode decifrar de todos os enigmas propostos é apenas conscientizar-se de que a teia suprema não pode ser aprisionada, nem desvendada, pois ela é o elo que nos empurra e nos estaciona sem entendimentos coerentes, e assim tudo é e sempre será plenamente sem nexos. Melhor compreender que a cadeia existe além dos muros impostos por regras e leis; a cadeia é um mosaico grande com grandes olhos que veem sem conseguir enxergar os reais efeitos das prisões. A cadeia é estar agindo livremente; são os laços que nos aprisionam ao tempo, ao espaço, aos sentimentos... Pensar em querer adentrar dias e noites e pessoas é estar disponível aos cadeados eternos; esses que são simplesmente o tudo do ser, do experimentar. Por isso não há como parar o fio condutor se você ainda se atreve a desviar a cortina da janela para olhar o sol que brilha, ou mesmo se se atreve a sair sob a lua apreciando a terna noite...
     
     Sim, arrisco-me, atrevo-me a expor minhas carnes aos equívocos, sou ferroado conscientemente, pois entendo que o trafegar tem seus preços e os juros são altíssimos. Mas entendi que não estou tão preocupado com o que pagarei, pois dizem que um bom empreendedor não tem medo de se arriscar. Eu arrisco investindo sem saber dos resultados, sorrindo mesmo de minhas desgraças como se elas me dissessem “você é mesmo um louco varrido”. Sim, talvez, mas quem sabe eu não tenha tantas outras saídas, por isso vou por caminhos que escolho consciente sem saber exatamente se quero ir, mas preciso ir, tenho que perder os medos e caminhar e sorrir e chorar e jogar meu anzol em profundos rios para saber o que conseguirei pegar. Claro, isso é certo, eu sempre quero pegar, entender e desfrutar de qualquer algo.      Mas hoje não, por favor, hoje não! Apenas quero olhar pela janela e captar somente aquilo que posso visualizar. É necessário que meus olhos se banhem em lágrimas do não motivo do choro, mas é que, é que, é que...
     
        Eu tenho que gritar alto. Tenho que inspecionar de soslaio e tentar me achar. Não sei onde estou, nem muito menos o que faço dentro dessas linhas mescladas com tantas decisões indecisas. E essa música parece saber como me fazer viajar por lugares desconhecidos, arrancando de dentro de mim aquilo que não existe dentro de mim, mas que é capaz de me fazer ousar mergulhos, voos e passadas imóveis no vasto pasto aprisionado em meu eu. Ah! Cores e sons e imagens inertes que me movimentam e fazem com que eu corra desesperado em buscas que podem ser vãs.
     
         Liberto minha mente nessa via sem fim, repleta de pessoas, sentimentos e visões; tantas visões, tantas ficções reais que qualquer sorriso vindo de outro alguém tem todos os significados do mundo e ao mesmo tempo não conseguem dizer absolutamente nada.
     
     Então abandono a casa e desprevenido me exponho ao nada, ou ao tudo, ou ao mundo, ou apenas a mim, a mim, só a mim mesmo. Mas há jardins ao meu redor e o sol e a chuva fluem, e pássaros cantam, e pessoas vivem quase normais, e eu sou parte da normalidade. Então preciso vestir e beber e sentir a normalidade, por isso hoje não quero fugir de mim, quero ser eu mesmo dentro dessa mascara que mesmo não dizendo quem sou, garante aos que me rodeiam que eu sou eu mesmo...
    
      E a música segue, e eu sigo, e eu estou e sou alguém com todos esses manufaturados ao meu redor...
Valdon Nez
Enviado por Valdon Nez em 17/04/2014
Código do texto: T4772264
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