Uma noite sem fome
Os pratos já estavam na mesa há dez minutos. O pai mirava o filho com um olhar triste, infeliz. E o filho retornava o olhar com ainda mais tristeza. O menino sentia fome, muita fome, e o pai também, mas os pratos estavam vazios, não havia o que comer.
— Se a mamãe estivesse aqui, não deixaria a gente ficar com fome.
As palavras pesaram feito chumbo, e o pai chorou sua impotência.
— Me desculpe, filho, o senhor do mercado não aceitou um velho como eu. E a casa de ferramentas disse que eu não passaria uma boa imagem trabalhando lá. "Um velho deficiente vendendo foices e machados?", o dono disse. Talvez ele esteja certo — Baixou a cabeça.
O menino levantou-se rapidamente e rodeou a mesa. Abraçou o pai com tanta força que sentiu passar um pouco da conta.
— Ele está errado, é um bobo. O senhor seria um ótimo vendedor de foices, machados e outras coisas, seria o melhor, com certeza — Aproximou sua boca do ouvido do pai e acrescentou, bem baixinho: — Me perdoa por ter dito que a mamãe não deixaria a gente ficar com fome?
O homem sorriu.
— Claro.
O menino beijou a bochecha do pai e deu meia volta, girando sobre os pés. Quando sentou-se na cadeira, deitou um dos lados do rosto na palma da mão e deixou seus olhos inquietos caminharem o lugar. Tudo já era bem conhecido. Havia um armariozinho de madeira velha e ressecada pregado à parede, uma geladeira de uma década e meia perto da porta, cor escura, um fogão potencialmente ativo, quatro chamas, e uma mesa para quatro pessoas, no centro do cômodo. Na mesa não havia forro, havia somente tábuas nuas, e nessas tábuas, dois pares de braços e um par de prato de barro. Não havia talheres.
Ao terminar sua ronda pela cozinha, de repente o menino se viu perdido na cena desenhada bem ali, perante seus olhos, naquele prato tão limpo. A cena era representada pelo céu de uma noite com uma lua bem grande e branca e com estrelas salpicadas em todo lugar ao redor do astro maior. O menino também já conhecia aquela imagem ali estampada, mas por alguma razão, talvez a monstruosa fome que sentia naquele momento, ela o despertou para uma curiosidade de criança.
— Qual será o gosto de uma estrela, papai?
O pai fitou o filho com um ponto de interrogação enorme na testa.
— Estrela?
— Sim. Qual será o gosto delas? Ou da lua.
O pai sorriu, desconfiado.
— Não sei. E só saberemos se algum dia a gente experimentar, o que será bem difícil.
O menino se ensimesmou e de alguma forma não aceitou aquela dificuldade. A ele parecia tão possível quanto estranho. O pai não podia estar certo.
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Naquela mesma noite, passadas algumas muitas horas, o pai foi despertado do seu frágil sono depois de ouvir um barulho de algo se quebrando. Sentou-se rapidamente na cama e carregou as pernas para fora dela. Quando ia saindo, o filho entrou correndo pela porta e acendeu a luz.
— O que foi menino?
— Descobri o gosto das estrelas e também da lua. Têm gosto de terra. Não é muito bom, mas já não tenho mais fome.