CITE E EXPLIQUE

Estou a ler notícias na internet e me deparo com um fato inusitado.

O ministro das finanças britânico, num programa de televisão, se recusou a responder a pergunta de uma criança de sete anos.

Parece que foi Chaplin quem disse certa vez que "nunca contracene com criança ou com cachorro, nenhum ator tem possibilidade de sair ganhando".

Mas não é que o Joãozinho inglês, de sete anos, perguntou ao ministro das finanças "quanto é sete vezes oito?".

O ministro engasgou, coçou a ponta do nariz com o dedo e respondeu: "tenho por regra de vida não responder a pergunta de matemática".

Inventou na hora mais uma regra prá sua vida e deveria mesmo é ter dito "não sei".

Porque o moleque sabia: "cinquenta e seis".

Para a Inglaterra inteira ouvir.

Quando cursei o curso primário eu tinha, (e ainda tenho), um amigo que se chamava Valdecir.

Ele e eu não compreendíamos matemática.

Em especial multiplicação e divisão.

Soma e subtração são operações fáceis.

Um dia, depois de levar uma bronca da professora, (da qual tenho maravilhosas lembranças), eu me reuni com o Valdecir na saída da escola.

Propus: "Valdecir, nos não somos burro, apenas não sabemos a matemática da professora. Vamos inventar a nossa matemática."

E ai, daquele encontro de gênios, que ficou prá história da escola isolada Prata e Jacutinga, arquitetamos uma nova teoria.

"Esqueça esse negócio de multiplicar e dividir. Vamos só somar e subtrair. Não sabe quanto é sete vezes oito? Então vamos pelo mais fácil, se dez vezes sete é setenta, basta tirar sete duas vezes. Assim, setenta menos sete é igual a sessenta e três. Sessenta e três menos sete é igual a cinquenta e seis. O que equivale a mesma resposta de sete multiplicado por oito."

Complicado?

É.

Para quem teve uma boa educação escolar pode parecer um método mais complicado que decorar a multiplicação. Mas para quem, como eu e o Valdecir, tropeçava pela vida para equilibrar trabalho e educação, o "decoreba" não funcionava.

Um método inventado por nós era um método mais compreensível que a matemática oficial, repetida pelo Estado e pela professora.

Hoje isso tem um nome complicado, acho que "construtivismo"; mas para nós era simples "necessidade".

Assim eu e o Valdecir passamos a raciocinar pelo "nosso" método. Aquele que havíamos inventado.

De repente, como um passe de mágica, passamos a ser os bons da matemática.

Dava gosto.

A professora nos perguntava:

"Quanto é quinhentos vezes oito?"

Minha cabeça, (e a do Valdecir), fazia cálculo mental. Se quinhentos vezes dez é cinco mil, tirando duas vezes quinhentos, a resposta era quatro mil.

Bingo.

Até hoje sou muito bom em matemática, modéstia parte.

O truque funcionou um certo tempo.

Um dia a professora fez prova escrita e colocou lá, "cite e explique", ou seja, a espertalhona não queria só a resposta, queria também ver a demonstração do cálculo.

Olhei para o Valdecir e ele olhou para mim.

Ficamos enroscados.

Colocar nosso método no papel era cascudo na certa.

Então, passamos a assinalar só a reposta.

E como certos políticos, não explicávamos nada.

"E a demonstração do cálculo?" - perguntava a severa professora.

Estendíamos a palma da mão para cima para ela dar a costumeira reguada, simbolo do seu poder.

Mas ela não batia, porque ficava confusa com nosso comportamento.

Guardamos para sempre este trunfo:

"A professora nunca nos compreendeu." - é o que dizemos quando nos encontramos.

E, apontando o dedo um para outro, passamos a vida a nos cumprimentar assim:

"Cite e explique!".

E caímos na risada.

Caso o ministro da fazenda inglês houvesse raciocinado pelo nosso método teria dado a resposta certa.

E caso o Joãozinho britânico tivesse insistido: "cite e explique"; ele poderia responder como todo ministro e pessoa pública:

"Sem comentário".

Ninguém criticaria a resposta, pois que estamos todos a ela acostumados.

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Obrigado pela leitura.

Sajob - julho/2014