REENCONTRO

Estava me encaminhado para uma visita.

A rua era ampla, larga. A primeira imagem é de um espesso nevoeiro que se mostrava como nuvem, aos se deslocar expunha uma dorsal formação rochosa. Lembro que alguém falou que havia a possibilidade de, no dorso da formação, realizar uma trilha. De lá se tinha uma visão magnifica. Encaminhava-me pela rua, vestia calça e camiseta. Procurava não chamar a atenção, queria ser mais um dos que ali transitavam.

Mas o medo e a insegurança de andar em um lugar estranho deve ter chamado a atenção de uma mulher com os cabelos grisalhos que se aproximou de mim e disse: - Não se preocupe se perguntarem diga que é meu sobrinho.

Depositou seu braço esquerdo em meu ombro. Senti o peso. Passamos a andar lado a lado, em meio a muitas pessoas. Havia espaços para que todos pudessem caminhar. Ao andar pela rua meu sentimento era de que estávamos chamando atenção de todos que por ali transitavam. Minha preocupação aumentava. A mulher grisalha nada falava.

Apertamos o passo e logo em seguida pelo lado da mulher grisalha se aproximou um jovem magro, que carregava um pacote contra o peito e dele saia uma pequena antena. Esse jovem por sua conta e vontade colocou um broche amarelo no lado esquerdo da mulher grisalha, como se fosse um adereço que o jovem pretendesse que a mulher adquirisse. Era amarelo, como uma esfera partida ao meio. Olhei firmemente para o adereço e na minha mente veio à desconfiança de que se tratava de um rastreador eletrônico.

Aquela ação me fez reagir e imediatamente, me separei da mulher grisalha, não queríamos nada daquilo e questionei o jovem. – Que é isso piá. A expressão que usei, denunciou, na pronuncia e no linguajar, que eu era um estranho ao lugar, portanto alvo fácil. Nisso a mulher grisalha sentindo que poderia ser uma ação de um grupo para praticar um assalto, manteve sua marcha. Ainda lembro que ela voltou-se para traz, já distante. Mas não voltaria. Restava eu no meio de olhares tendo como principal interlocutor o jovem do broche. Que buscava uma aproximação como que para retirar a única coisa que eu possuía meu celular. Tenho o hábito de junto trazer uma pequena quantia de dinheiro e cartões de crédito.

Consegui me afastar um pouco daquele grupo, retrocedendo rapidamente. Teve momentos que corri. Já um pouco afastado retirei o celular do bolso da calça e cuidando a todos por todos os lados. Tentei algumas vezes discar o 190, sem sucesso. Passou-me também a ideia de ligar a um táxi que me retiraria daquele meio. Mas qual número ligar?

A situação só piorava. Todos que eu olhava, no meu entorno, tive a certeza de que participavam da mesma gangue com a intenção de retirar meus pertences. O que não era muito. Atitudes destes desconhecidos me deixavam apreensivos. Observei e estava convencido de que todos tinham contra mim um só objetivo. Há certa distância me observavam. Alguns destes como para me impressionar, parados, se deixavam cair ao solo como se participassem de uma brincadeira, um depois do outro contei talvez cinco.

Buscava minha fuga e o caminho que vislumbrava era retornar. Procurei por refugio em casas ao lado da rua, mas lembro de que eram construídas de tijolos, sem reboco, com cercas altas de telas, mal feitas, casas espremidas em pequenos espaços de terrenos. Pareciam desertas ou seus moradores estavam refugiados em seus interiores.

Logo adiante, em meu retorno, uma esquina. A direita do lado esquerdo, uma ruela a descer na forma de um passeio. Ali Uma porta aberta, dava acesso a um corredor, depois a um salão amplo.

Encontravam-se ali muitas pessoas. A primeira vista parecia ser uma igreja, ou mais próximo, um templo evangélico improvisado. Pessoas escoradas na parede do corredor. No salão pessoas de pés e sentadas em cadeiras estofadas. Nada novo nem muito organizado.

Não se ouvia alguém pregando, discursando, mas estavam ali. Umas acomodadas e outras inquietas circulavam pelo estreito corredor entre o salão e a saída.

Ainda buscava por minha segurança, talvez a escolha que tivera feito não fosse a melhor e busquei sair pelo corredor ao encontro da à saída.

Um senhor com certa idade de pela morena curtida e chapéu de couro batido amarrotado, tinha em mão uma pequena faca embainhada. Tirou a lâmina da bainha demonstrando que poderia usa-la se me minha intenção fosse abandonar o local.

Não tive outra saída a não ser voltar para o salão. Primeiro encostei-me à parede. Em seguida busquei acomodação em uma das cadeiras vagas ao lado de outro homem com características semelhante, porem usava um óculo.

Ao sentar, esse colocou uma de suas pernas sobre as minhas e me enlaçou com um dos braços a imobilizar-me. Não sei como escapei, mas por varias vezes com minha mão esquerda busquei o pescoço do sujeito, para sufoca-lo e assim me libertar da perna e do abraço. Ele era mais forte que eu.

Não sei quanto tempo se passou, não havia discursos. Eu sentado na plateia daquele salão buscando me desvencilhar de quem tentava me imobilizar. Não sei como consegui, mas me direcionei ao início do corredor, cansado descansei de cócoras ou mesmo sentado junto da parede.

Ali me achegou uma criança. Como toda criança sempre nos toma a atenção. Fiquei ali tentando estabelecer um dialogo. Nisso me chega uma segunda crianças que busca interação. Essa por sua vez estava “ranhenta”. Perguntei pelos seus pais, porque não limpavam seu nariz? Havia água acumulada no piso polido do corredor não julguei imprópria, com três tentativas usando dessa água limpei o nariz da criança, que se diga a exceção do nariz, não parecia mal cuidada. Tanto uma como outra demonstravam estar bem alimentadas e sadias.

O movimento do corredor aumentou. Observei que a maioria do pessoal sai do salão em direção à porta. Pensei ser esse momento. Junto com a multidão passaria despercebido. Enganando os que estavam ainda lá fora a me esperar. Logo na saída ouvi qualquer comentário de que os que saiam daquela porta eram os frequentadores da igreja dos bebuns.

Fui saindo em meio às pessoas. Tomei o corredor, em seguida estava no passeio. Imediatamente busquei retornar para a rua por onde havia vindo. Não era mais dia, o que demonstra que horas se passaram. Nesse ínterim fui abordado por alguém que não dei muita atenção que me sugeriu irmos tomar uns goles. O que respondi negativamente, pois queria a minha segurança.

Tomando a rua principal e de retorno observei que distante havia circulação de táxis. Parecia ser a melhor atitude a tomar. Ir ao encontro destes para que me levassem à rodoviária ou aeroporto da cidade para que pudesse retornar.

Observei que era acompanhado pelas duas crianças. Uma pequena diferença de idade entre as duas. E a elas pedi ajuda para ir ao encontro dos táxis. Seriam recompensadas, com parte da pequena quantia que carregava junto ao celular.

Foi o que juntos fizemos. Andando por certa distância dobramos a esquerda subindo uma ladeira, com um aspecto bem diferente. Eram construções bem acabadas, como se fosse uma área comercial. Chegamos agora a uma praça, havia ali dois táxis de cor amarela, estacionado.

Havia dois homens. A direção dos táxis estava deserta. Fui informado que havia carro, mas não motorista.

Andei junto com as duas crianças no entorno dessa praça e mais outras duas se aproximaram, uma delas com um boneco nas mãos. Pediam a mim que lhes desse cinquenta reais. Não tinha esse dinheiro. Ou esse era boa parte do dinheiro de que dispunha. Quando espreitava o compartimento do celular reservado aos cartões e ao dinheiro via uma nota de dez reais, foi o que saquei para dar as duas crianças que eu havia prometido. Ao ato de puxar o dinheiro para alcançar-lhes o dinheiro, elas se afastaram. Insisti, no que uma mulher negra que estava em um sobrado a uns 50 metros e nos observava de uma rua lateral a praça, me disse que era para jogar o dinheiro ao chão. Foi o que fiz e me afastei, a uma certa distância ainda me voltei e observei que o dinheiro lá ficava jogada e não haviam mais crianças.

Já não me sentia inseguro. A situação era de tranquilidade. Afastei-me um pouco da praça, aguardando para que houvesse disponibilidade de táxis para minha corrida.

Passado algum tempo fui chamado por um senhor jovem com voz muito familiar, que se chamava Fernando, dizendo que meu táxi havia chegado e que poderíamos ir, ele iria me acompanhar.

Fui me aproximando do ponto de táxis. Não eram mais dois carros, mas vários que se acumulavam. Com a intenção de escolher fui me aproximando e reparando, quando fui surpreendido por Fernando que me alertou que o meu era o C, apontando para um carro aberto com três fileiras de bancos de madeira sem encosto que cabiam mais ou menos 9 passageiros.

Falei-lhe de minha corrida e ele me disse que iríamos ao fundão. Sentamos lado a lado no terceiro banco e a nossa frente sentou mais duas mulheres, portanto éramos o motorista e quatro pessoas. O veiculo começou a deslocar-se e fui estabelecendo um dialogo com o meu acompanhante. Eu perguntei-lhe o que fazia. E ele respondeu que sua tarefa era acompanhar as pessoas ao fundão como se fosse um guia. Era a prestação de serviço social por uma falta ou falha grave que não mencionou. Percebe-se que assimilava a condenação. Não falou de seus crimes, mas uma forma de compensação. O carro desceu por uma ladeira e logo se encontrava andando sobre ruas ou riachos, ou ambos, eram ruas com água.

As casas pareciam bem construídas e acabadas, as águas nas ruas não eram esgotos, contudo não eram cristalinas. Não havia cheiro ou muito ruídos, lembro que falei ao Fernando que não tinha muito medo dessa região, mesmo porque a maioria das pessoas eram pessoas de bem, eram famílias.

O veiculo se deslocava pelas ruas córregos até que se encaminhou como que para a entrada de um túnel quadrado. Não havia água, mas como numa barreira humana, estavam quatro homens uniformizados. Como a um exército, vestiam cores laranja. Armados com pistolas e fuzil guarneciam e fiscalizavam o acesso ao túnel. O Veículo não parou, contudo foi ali que fiquei. Lembro ainda do Fernando que sem camisa, em pé com as mãos erguidas seguia com o veiculo. Eu não havia feito aquele gesto de tirar a camisa e levantar do acento com as mãos erguidas, o que provavelmente determinou que eu ficasse na revista dos guardas.

Fui conduzido à parede. Com a ponta do fuzil, imagino, fui sendo tocado nas laterais do corpo em baixo dos braços.

Um dos guardas gesticulou algo, mas não consegui ouvir. Fiquei naquela posição por instantes. Pernas abertas, braços levantados sendo revistados. Pelo que julgo era a ponta de uma arma. Ainda lembrei-me do celular no bolso da calça.

Acordei quando senti seu corpo e me encontrava na cama.

A sensação que ficou me deixou apreensivo. Quem me revistava e eu era um só, a mesma pessoa, que naquele exato instante haviam se reencontrado, dois meios corpos que se fundiram duas almas no mesmo corpo.

Nunca usei arma. Se passar a usar, não serei eu.