A criatura nas ruínas

Haviam me avisado que o tesouro era guardado por um ser mitológico, embora ninguém houvesse tido a coragem de chegar mais perto e descobrir exatamente a natureza do guardião. Alguns testemunhos, contudo, relatavam a visão de algo que lembrava um hipogrifo, ou talvez um dragão de menor tamanho.

- O que se sabe, é que a criatura voa - afirmou categoricamente meu amigo Ravel, quando nos encontramos para discutir numa taverna a melhor abordagem ao sítio.

- Creio que levar um cavalo até a floresta é o mais indicado - sugeri. - Enquanto a besta persegue o animal, eu entro nas ruínas e procuro o tesouro.

Ravel aprovou meu plano e lá fomos nós até a borda da floresta com três cavalos: dois de montaria, e um para servir de isca. Meu amigo ficaria ali aguardando o meu retorno até a manhã seguinte, tempo suficiente segundo meus cálculos para comprovar a existência do tesouro e planejar uma ação para remover seu guardião em caráter definitivo.

- Fique de olho no cavalo; - instruiu-me Ravel - ele vai pressentir a chegada da besta muito antes de você.

Depois disso, adentrei a floresta ao crepúsculo. A noite seria de lua cheia e eu estava preparado para usar um encantamento de visão noturna, de modo a não precisar acender qualquer luz e revelar minha posição.

O percurso até as ruínas do castelo de Widforss durou cerca de uma hora pela mata escura e estranhamente silenciosa; parecia que até mesmo as criaturas que ali viviam temiam atrair a atenção do que quer que fosse que estivesse oculto em seu meio.

As ruínas erguiam-se enegrecidas contra o céu esmaecido, paredes destruídas pelas raízes de árvores que reclamavam para a natureza o que fora erguido pelas mãos dos homens. Não havia sinal de que algum monstro estivesse de tocaia, e o cavalo ainda não demonstrara qualquer nervosismo; bom sinal.

Apeei, e fazendo uso do encantamento para ver no escuro, entrei cautelosamente nas ruínas, descendo por uma escadaria de pedra que levava aos subterrâneos da construção. Ali, abaixo do solo, tudo parecia estar em melhor estado de conservação do que na superfície, e sobre o piso coberto de areia, pude ver espalhadas moedas de ouro e gemas preciosas que pareciam confirmar a existência do propalado tesouro. Agachei-me para pegar algumas, e quando ia me erguer, senti uma presença no ambiente. Voltei-me para uma arcada mergulhada em sombras e vi que dois grandes olhos me encaravam; os olhos estavam num rosto de mulher, e a mulher estava sorrindo para mim.

- Olá visitante - disse ela. - Há muito tempo que eu não tinha companhia...

A suposta mulher saiu de trás das colunas onde estava escondida e pude vê-la por inteiro: corpo de leão, imensas asas de águia... era uma esfinge!

* * *

Apeei do cavalo e encontrei Ravel adormecido junto a uma fogueira onde só restavam brasas. O dia ainda não havia raiado, mas o céu estava pintalgado de ouro e salmão. Sacudi meu amigo, que acordou assustado.

- Pelos deuses! Você conseguiu!

- Claro que consegui - repliquei, sentando-me junto da fogueira. - A esfinge é gente boa.

- Então... era uma esfinge esse tempo todo?

- Sim.

- E você conseguiu adivinhar a charada que ela propôs para não lhe devorar?

Balancei negativamente a cabeça.

- Não havia charada. A esfinge me fez passar por um teste de Rorschach...

Diante da expressão intrigada de Ravel, expliquei:

- Manchas pretas, como se fossem de tinta, numa folha de papel. Você tem que dizer o que as manchas parecem ser...

Ravel engoliu em seco.

- Manchas num papel? Mas... podem ser qualquer coisa! Como saber a resposta certa?

Dei uma risadinha.

- Acredite se quiser: não há resposta correta.

E para comprovar o que dizia, retirei dos bolsos algumas moedas e pedras preciosas que a esfinge gentilmente me permitira levar.

Sob a condição de que eu voltaria depois, para conversar mais com ela...

- [21-02-2022]