PHAEDRUS CONTA A ALFREDO UMA ESTÓRIA

Phaedrus conta a Alfredo uma estória

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Alfredo estava muito chato.

Andando de um lado para o outro no topo da geladeira, o pingüim não deixava Phaedrus concentrar-se na leitura do jornal.

- Phaedrus, por que você está lendo jornal nesta bela manhã de domingo? Phaedrus, você não vai telefonar para Fulano? Ei, cara - tem uma menina linda que estou vendo passar na rua!

Era Phaedrus isso, Phaedrus aquilo...

Phaedrus estava perdendo a paciência, querendo esganar aquele pingüim que mais parecia um papagaio, tanto que ele falava!

- Me conte uma estória, Phaedrus!

Phaedrus levantou-se e foi até a estante.

- Alfredo, está na hora de você conhecer o livro do Robert Pirsig - "Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas - Uma Investigação sobre Valores". Nele, é reproduzido um trecho de uma das mais belas estórias que um ser humano já produziu: "A Ilíada", de Homero. Vou ler o trecho para você!

'A Ilíada' é a estória do cerco de Tróia, cidade que será reduzida a pó, e dos seus defensores, que morrerão na batalha. A esposa de Heitor, o comandante, diz a ele: "Vossa força será a vossa destruição, não tereis piedade nem do vosso filho nem da vossa triste esposa, que logo se tornará uma viúva. Pois logo os aqueus cairão sobre vós e vos matarão; mas perder-vos será para mim um golpe fatal."

O marido responde:

"Bem o sei, e tenho certeza disto: aproxima-se o dia em que a cidade santa de Tróia perecerá, e com ela o rico Príamo e os nobres que o cercam. Porém, não choro tanto pelos troianos, nem pela própria Hécuba, nem por Príamo, o rei, nem pelos meus nobres irmãos, que serão trucidados pelo inimigo e ficarão estendidos no pó, nem tampouco por ti, quando um dos aqueus, com sua armadura de bronze, te raptar apesar do teu pranto, e puser fim a teus dias de liberdade. Poderás morar em Argos, trabalhar no tear, na casa de outra mulher, ou talvez carregar água para alguma dama da Messânia ou da Hipéria, muito contrariada: no entanto, estarás sob um forte jugo. E quando chorares, os homens dirão: 'Eis a esposa de Heitor, o mais nobre guerreiro da guerra com os troianos amansadores de cavalos, no tempo em que eles defendiam Ílion.' Eis o que eles dirão; e tua dor se renovará, pois terás ainda de lutar contra a escravidão, assim, sem marido. Eu, contudo, provavelmente morrerei, certamente ter-me-ão lançado a terra na cova antes que eu possa ouvir teus gemidos e saber das ofensas que te fazem."

Assim falou o brilhante Heitor, estendendo os braços em direção ao filho. mas a criança gritou, e encolheu-se no seio da ama bem cingida, apavorada ao ver seu querido pai todo vestido de bronze, com um penacho de crina que ondulava, terrivel, a cair-lhe do elmo. O pai deu altas risadas, e a mãe também. Imediatamente, o brilhante Heitor retirou o elmo da cabeça, depositando-o no chão e, tendo beijado e embalado nos braços o filho amado, suplicou a Zeus e aos outros deuses:

" Ó Zeus e vós, ó deuses, fazei deste meu filho um troiano dos mais valorosos, como eu, e um homem poderoso, que exerça grande domínio em Ílion. Que digam os outros, quando ele retornar da batalha:

'É melhor que o pai.' "

Phaedrus fechou o livro, e perguntou a Alfredo:

- Gostou da estória, amigo?

- Phaedrus, vamos dar uma volta? Está um sol lindíssimo lá fora!

(copyright by Phaedrus - Ago/2001)