A tratadora

A garota bronzeada, cerca de 25 anos e vestida como uma hippie, estava parada à beira da estrada, um saco de lona aos seus pés. Ergueu o polegar direito apontando para trás, ao ver minha caminhonete se aproximar. Olhei para ambos os lados da rodovia, com suspeição, para ver se identificava outros hippies que pudessem estar escondidos atrás dos arbustos, mas não percebi nenhum movimento suspeito. Resolvi parar.

- Ei! Para onde está indo? - Indaguei pela janela aberta.

- Senhor, estou tentando chegar em Savana, mas aceito uma carona até a próxima cidade - declarou ela de modo cortês, cerimonioso até. Não consegui identificar o sotaque, mas com certeza ela não era da região e parecia ter recebido uma boa educação.

Ajeitei o chapéu na cabeça, intrigado.

- Savana? Isso é na Geórgia... você está bem longe de casa, garota.

Como a expressão dela não se alterou, prossegui:

- Vou até Tallahassee fazer uma entrega, de lá você pode pegar um Greyhound para Savana. Está bem para você?

- Está sim, senhor - assentiu polidamente.

- Não tem lugar na caçamba. Tudo bem vir na cabine comigo?

Ela fez um gesto de concordância e apontou para o saco de lona.

- Se importa se eu entrar com minha bolsa?

- Não, não me importo - redargui, abrindo a porta do lado do passageiro.

A garota entrou, depois de dar uma olhada cautelosa para o interior da cabine. Eu também faria o mesmo, Deus sabe. Aliás, se eu fosse ela, provavelmente não estaria pedindo carona no acostamento de uma estrada da Flórida, mas cada um sabe de si.

- Eu sou George - me identifiquei, tocando a aba do chapéu.

- Eu sou Vana - replicou a garota, com um sorriso tímido.

Toquei a caminhonete pela estrada quase deserta e indaguei, em tom casual:

- Você não é daqui, não é Vana?

- Daqui? - Ela me lançou um olhar confuso.

- Não tem sotaque do Sul, e Vana me parece um nome estrangeiro.

- Eu sou de Savana - afirmou ela solenemente.

Dei de ombros.

- Você não fala como o povo da Geórgia - avaliei.

- Meus pais vieram do exterior - admitiu.

- Ah, sim, agora começa a fazer sentido - ponderei. - E o que faz tão longe de casa, se me desculpa a curiosidade?

- Eu me perdi - declarou com tranquilidade. - As circunstâncias ainda não estão bem claras na minha cabeça; posso ter perdido parte da memória recente.

Ergui os sobrolhos.

- Nossa. Você levou uma pancada na cabeça, ou sofreu um acidente?

- Eu... não me lembro bem. Mas não creio que tenha sido nada dessa forma. Acho que foi... algum tipo de encantamento.

Franzi os lábios. Obviamente, os hippies acreditavam nessa espécie de bobagem. Ou talvez houvesse sido efeito de drogas, vai saber.

- Bom... pelo menos você não esqueceu de onde veio - comentei em tom jovial. - Quando chegar em casa, provavelmente tudo vai ficar mais claro.

- Assim espero - suspirou Vana. - Meus animais devem estar precisando de mim, disso tenho certeza.

- Você morava numa fazenda? - Questionei, intrigado.

- Não eram animais de fazenda, - replicou - mas eu era a responsável pelo bem-estar deles.

- Como uma tratadora - deduzi.

- Acho que pode me chamar assim - assentiu Vana.

- Eu espero realmente que você recupere a memória - redargui, olhos na estrada à frente.

Ao meu lado, Vana declarou calmamente:

- Preciso recuperar a memória para pegar o desgraçado que fez isso comigo.

Olhei para ela pelo canto do olho e vi que também tinha os olhos postos na estrada, aparentemente mergulhada em seus pensamentos de vingança.

- [07-05-2023]