Sonhos Roubados

 

Juliana Duarte Honorato/ G. Beckauser

 

Acordei em uma caixa escura. Desorientada tentei me levantar e não consegui, algo me prendia ao solo. Pesados grilhões enferrujados que machucavam e impediam os movimentos, me faziam sentir um desespero atroz. Não lembrava como fui parar ali, acorrentada.

Tentei olhar  ao redor naquele breu e o que vi aumentou minha angústia; pessoas amontoadas, muito choro, pedidos de socorro, sentia dores e a morte se fazia presente.

O lugar cheirava à vezes. A morte tem cheiro(?).

De repente um solavanco. Nossos corpos não conseguiam ficar estáveis no lugar, o cheiro fétido aliado ao balanço constante naquela caixa, nos fazia sentir náuseas, piorando a sensação desagrádavel que sentíamos.

Meus pulsos, pescoço e tornozelos já estavam em carne viva por conta do atrito das correntes. 

Tentava me situar no tempo e no espaço. Ocasionalmente apareciam teimosos raios de Sol por entre as escassas frestas daquela escuridão na qual fomos jogados.

Em meio a passagem dos dias percebi várias pessoas doentes que não aguentavam tamanha fome, sede e sofrimento.

Sem cerimônia, essas pessoas eram retiradas do nosso meio e sequer sabíamos para onde estavam sendo levadas.

Que lugar é esse?

Como vim para aqui?

Como todas essas pessoas vieram parar aqui/

Aos poucos percebi que nos encontrávamos num porão úmido. Aquela caixa escura nada mais era que um navio.

A desolação tomou conta ao entender que fomos escravizados, tivemos nossa liberdade arrancada, nossa dignidade ferida, jogados à própria sorte.

Minha última lembrança… Tento me esforçar, lembro estar a cavalgar por nossas terras, o Sol se pondo no horizonte, o céu em tons alaranjados. Um novo lapso de memória e a imagem de nosso reino sendo invadido por saqueadores de almas. Possuíam objetos que cuspiam fogo e não tínhamos poder sobre eles.

Ainda assim lutamos bravamente. Fiz questão de estar à frente de meu povo defendendo-os. Porém não foi o suficiente para enfrentar aquela gente estranha que carregava consigo um poder que jamais vimos. Muitos não resistiram aos ferimentos causados por seus objetos.

“Armas  era assim que denominavam aquilo. 

De repente as memórias se confundem e tudo some. Aquela felicidade que um dia tive, aquele lugar em que vivi bons momentos ficaram somente na lembrança.

Já não tenho mais nome, nem reino.Meu destino não mais me pertence, meu mundo não mais existe. Nasci princesa e me tornei rainha. Hoje rainha sem reino.

Sinto mãos me tocando novamente, já não sinto mais dor. Somente asco e o vazio dentro de mim.

O tempo passa, não sei se são dias ou meses, já não consigo distinguir mais o tempo. Pessoas conversam à minha volta e eu não entendo nada. Uma língua desconhecida por mim.

Enfim a caixa se abre, vejo a luz do Sol, vejo o mar e finalmente terra firme!

Por um breve momento, após meus olhos se ajustarem à claridade, me senti maravilhada. Tão diferente da minha conhecida savana, era essa nossa terra.

Uma paisagem de um verde exuberante que contrastava  com as correntes que me tolhida a liberdade.

Olhei para meus companheiros sofridos, com ossos sobressaltados, castigados no corpo e na alma. Olhei para mim mesma, o ventre dilatado. 

Trago comigo a esperança, o sonho. 

E por ele lutarei.

Um dia voltaremos juntos para minha, nossa nação. 

De mim foi tirado meu povo. Nada sobrou, nem ninguém. 

Ficaram apenas lembranças, saudosas lembranças.

   

Esse conto foi escrito originalmente para a coletânea  de contos Fragmentos Históricos. Disponível na Amazon. 



 

Juliana Duarte Honorato e G.Beckauser/ Imagem: Anna Claudia Ferrer
Enviado por Juliana Duarte Honorato em 20/10/2023
Reeditado em 13/12/2023
Código do texto: T7912896
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