As Treze Almas

 

Enquanto passeio entre os túmulos, um sorriso triste se instala em meu rosto. A impressão que tenho é de que em todo dois de novembro, dia de finados, o céu chora. Amanhece cinza, sem sol e sem brilho.

Ao percorrer os infinitos corredores entre as lápides, algo chama minha atenção e, quando dou por mim, estou inerte diante de uma imagem religiosa onde estão treze lápides perfiladas. 

O texto escrito na placa não revela muito, mas uma tristeza sem precedentes me invade: 

“As Treze Almas

 Somente Deus conhece seus nomes

 Descansem em Paz

02 de fevereiro de 1974

Incêndio do Edifício Joelma." 

Faço minhas orações por essas treze pobres almas, cujos nomes não sei. Choro por elas. Sinto como se meu espírito, de alguma forma, falasse com elas, como se compartilhássemos as dores.

 

Enfim me afasto e refaço o caminho inicial. No entanto, meus pensamentos continuam direcionados àquelas almas sofredoras, como uma conexão estabelecida através de um fio invisível.

 

Em minha mente, martela a curiosidade em saber mais sobre o que aconteceu no Edifício Joelma. Recordo vagamente de algo, mas tudo é um pouco nublado e obscuro.

 

 Lembranças são o que menos tenho. Estou com uma sensação de não existir mais — pessoas passam por mim e parecem não me ver, meu corpo está em constante sofrimento, vozes ecoam em minha mente, minha casa está sempre vazia, meu coração sofre e não consigo detectar o motivo desse tormento. No trabalho, meus amigos não me chamam mais para sair — não os condeno, pois não tenho sido uma boa companhia nem para mim mesma. Meus filhos não me ouvem mais, cada um tem sua vida e eu fiquei no esquecimento. Sinto como se tivesse caído num buraco sem fim, escuro e gelado, e estivesse deixando de existir.

 

           Acabo de sair do escritório de advocacia. De cabeça cheia, penso em todas as particularidades e desafios de um divórcio. Nunca pensei que estaria nessa situação, resolvendo questões relacionadas a esse assunto. Sinto um arrepio percorrer a espinha, um frio repentino, e ouço portas batendo, seguidas de sussurros no meu ouvido. Será que estou perdendo a sanidade? Uma senhora passa correndo por mim e eu a chamo, querendo saber o motivo de seu desespero, mas ela não me dirige sua atenção. As vozes continuam e meu tormento aumenta.

 

O som dos gritos, a correria e os pedidos de socorro me fazem erguer o olhar do monte de papel que Dr. Ricardo deu-me para analisar. Olho para a janela e vejo uma mulher se atirar no vazio. A cena é realmente muito forte, não consigo acreditar no que meus olhos veem. Percebo que está quente demais, a temperatura aumentou exponencialmente desde que cheguei. Então noto a fumaça, retiro a jaqueta, tento puxar o ar para os pulmões, mas respirar se tornou uma tarefa quase impossível. Já não consigo organizar meus pensamentos. A náusea me invade, a cabeça dói e a fuligem atrapalha a visão. 

Corro sem direção definida até achar o elevador. As portas se abrem e me deparo com doze pessoas tão desesperadas quanto eu.

 

 

                         Juliana Duarte Honorato

Nota 

O Edifício Joelma, hoje nomeado Praça da Bandeira, foi inaugurado em 1971 pela empresa Banco Crefisul de Investimentos. Mas um trágico acidente no dia 1° de fevereiro de 1974 fez com que o prédio ficasse internacionalmente conhecido. Naquele dia, um incêndio, causado pelo curto-circuito de um ar condicionado, resultou na morte de 191 pessoas e feriu mais de 300. Espíritos, vozes, gritos, faróis de carro acendendo sozinhos, e outros fenômenos sobrenaturais fazem parte da história do Edifício Joelma e da rotina de quem trabalha lá. 

 

Existe a lenda que ficou conhecida como "Treze Almas”. Teriam sido encontrados, no elevador do edifício, treze cadáveres que estavam tentando fugir do fogo. Todos os corpos foram enterrados lado a lado.

 

Juliana Duarte Honorato e Imagem: Glau mendes
Enviado por Juliana Duarte Honorato em 21/10/2023
Reeditado em 21/10/2023
Código do texto: T7913943
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