Concorde

Quando ele nasceu, lá naquela família não muito privilegiada, a mãe viu pela tv a imagem de um dos últimos voos do célebre supersônico de transporte de passageiros franco-britânico, o Concorde. Decidiu, então, como ocorre nessas horas, usar da criatividade, e , deu ao rebento o insólito nome de João Aparecido da Concórdia e por fim, Silva, o sobrenome do pai.

Entendo que as pessoas humildes, na ausência de algo que as destaquem em meio à vida insossa em que vivem, tenham essas atitudes.

O pai, nem ligando muito para a situação, tão comum em meio àqueles de limitadas posses, já pensando no dia perdido na labuta de marreteiro sem registro e sem INSS, só exclamou para a esposa:

- Que nome é esse, mulher?- Mas parou por aí sua indignação.

O menino cresceu, nesse meio não muito favorável, mas cercado de carinho. Desde pequeno, a mãe reparava em um pequeno cacoete no filho; quando falavam com ele, esboçava um sorriso e balançava a cabeça afirmativamente. No começo achavam graça, mas depois, mesmo que dissessem: "você é um bobo!", repetia o mesmo gesto, quer o xingassem, quer o elogiassem. A mãe indignou-se, em sua ingenuidade:

-Xiii! Esse veio com defeito de fabricação; não raciocina!

Marcou consulta com os médicos do posto, com os psicólogos possíveis , fez de tudo que podia, mas nada mudava. Ele era aparentemente um rapaz como os outros, afora essa característica que o destacava em meio à multidão compacta de seres.

Na escola, claro que o caçoavam, mas ninguém falava ainda em bulliyng, então ficou com o apelido de Risadinha ou Boneco João Bobo.

Mas, como a Natureza é sábia, essa característica se revelou uma vantagem para João ( nome de apóstolo); quando conversavam com ele, sempre dizia sim a tudo ( não, ele raciocinava, sim, e muito bem, mas de aocrodo com o que diziam a ele). Um vinha e falava :" a moda agora é usar cabelo curto"; "Sim , vou cortar assim " E lá ia ele ao barbeiro, que falava: "´posso tirar mais três dedos?". "Claro!"- respondia ele, sorrindo e balançando a cabeça.

E isso com tudo. Lá vinha um e dizia:" eu não gosto de uva-passa!"- "Eu também não", repetia ele, com veemência e convicção, . Mas se outro dissesse : "Eu gosto de jiló!" Ele era capaz de comer e repetir. Com isso tornou-se uma pessoa querida, ótimo papo, pois concordava com tudo; era uma boa companhia, pois os deuses que circulam por aí não gostam de ser contrariados. Até mesmo aqueles arrogantes, cheios de empáfia e de si, que indagavam : "Você viu como sei seis línguas, toco dez instrumentos e tenho uma casa de dez cômodos?"-"Que legal!"- dizia ele, balançando a cabeça com uma franqueza que comovia. Claro que conquistou muitos favores com sua atitude. Começou num cargo humilde, pois não pôde estudar muito, mas logo conquistou a chefia, a empresa toda, até os invejosos e subiu, subiu na vida.

Achou uma mulher facilmente, pois mesmo não sendo lá bonito, era bonzinho e concordava com tudo. Quando uma reportagem abordou o insólito personagem, tornou-se conhecido nacionalmente, especialmente aquele sorriso e balançar de cabeça. Ganhou uma casa de um político famoso, fizeram uma campanha e recebeu caminhões de fraldas e roupas para todos seus três filhos. E...não tardou a um político convencê-lo a se candidatar a vereador, depois deputado; aquele sorriso e balançar de cabeça conquistavam a todos. Nunca se soube de uma rusga e de uma discussão com quem quer que fosse; alguns o achavam fingido, mas bastavam dois minutos de conversa que já o amavam.

E o inevitável aconteceu: recomendaram João Aparecido da Concórdia como candidato a presidente, com o slogam: "O homem da concórdia e do sorriso". Claro que ele aceitou. E tudo foi bem, até que resolveram colocá-lo em um discurso ao vivo, no horário elitoral. Ele, que até aquele momento sorrira e concordara com tudo na vida, por um capricho da Natureza, exatamente naquele momento do discurso, ele resolveu dar sua opinião. Disse do que gostava, do que não gostava, colocou suas ideias para melhorar o país, falou mal de muita gente com que não concordava, até cometeu a heresia de falar que nâo gostava de chocolate!

A partir daí, sua vida, que sempre fora favorável, começou a degringolar; a cada um que dava sua opinião, conquistava um inimigo "Imagine, dizer em rede nacional que não gosta de chocolate? Principalmente de chocotone!" Cancelaram sua candidatura à presidência, inclusive o desfiliaram do partido, foi caindo meteoricamente na proporção em que colocava suas opiniões e princípios, pois a maioria dos seres gostam de falar, não ouvir; falar de si, então, é um prazer como a ambrosia, o alimento dos deuses.

Enfim, a mulher o abandonou, os filhos não falavam mais com ele, pois adoravam chocolate e chocotone. Despencou de cargo e, hoje, é apenas auxiliar de limpeza II, com todo o respeito que tenho por essa nobre e honrada profissão.