MAIS UMA NOITE ENLUARADA

Eu estava sozinho. Minhas mãos geladas, mas ainda assim eu não tinha medo. Minha mão segurava o revolver prateado com firmeza. Me sentia seguro. A lua estava tão bela, tão fina e amarelada no céu. Eu estava com ele.

Camisa branca de seda, calças de linho, sapatos que custavam mais do que todo o meu gasto durante o mês. Seu rosto grande e redondo estava avermelhado pela bebedeira. Ele não se importava com o revolver que eu estava segurando. Ele sorria alegre, e eu. Eu lhe dava sorrisos enquanto bebia um ou outro trago de pinga. Ele cheirava uma carreira de pó, enquanto afastava a puta que ele mesmo havia chamado para aquela noite. O cheiro forte de álcool, cigarros e mulheres suadas me davam um certo prazer, confesso.

- O que foi Lincoln, parece triste!

- Estou apenas pensando na vida.

- Moleques!

E gargalhou de mim. Ricardo era um homem feliz, muito mais do que meu pai foi um dia. Suspirei por um instante, levei minhas costas a cadeira de plástico que estava sentado, e após um longo trago, pensei: “Não queria eu ser o algoz”. Mas até mesmo Ricardo entenderia aquilo.

Ele se levantou, disse que iria ao banheiro, e cambaleando bêbado, ele foi. Voltei meus olhos para o ambiente todo, duas putas falavam comigo, mas eu não as escutava. Ao fundo, musica sertaneja e um pequeno corredor que levava ao banheiro. Sentir o ar pesado da minúscula kit-net. Podia ver a fumaça do meu cigarro bailar pelo quarto. Um homem, um tal Cleber, homem de confiança de Ricardo, estava lá, deitado sobre a cama com uma das putas, sua mente já estava invadida pela bebida forte, e seu corpo sedento por aquele corpo tão voluptuoso que era o daquela puta. Eu sorri mais uma vez.

- É minha deixa meninas. Respondi de maneira alegre e me levantei com tranqüilidade, ela suspiraram um gemido estranho de uma tristeza falsa. Eu sorri novamente. A arma ainda estava nas minhas mãos. Aproximei da porta do banheiro, e a chutei, não estava trancada.

Lá estava Ricardo. Seu corpo roliço, suas calças arriadas, e ele sentado sobre o vaso, como um rei tão patético como seu trono branco de cerâmica. Eu sorri. Ele não.

Foram dois tiros. Um no peito e outro no abdômen. Ele gritou. Mas ainda posso lembrar do som ecoar estridente, os banheiros sempre tem sua acústica única, é fato. Ele caiu, com suas calças arriadas, com sua bunda suja e os lábios cheios de sangue. Ainda lembro da sua boca escancarada pedindo por sua mãe. É... Ele gritava pela mãe. Por um segundo pensei em meu fim, se seria tão triste e ridículo, mas não quis dar aquele tiro de misericórdia que pensei que iria dar. Deixei ele se arrastar pelo banheiro branco, maculado pelo vermelho vivo de seu sangue. Ele se aproximava. Eu sorri e lhe dei as costas. Cleber já estava em pé naquele instante. E as putas? Essas havia se escondido sabe lá Deus onde. Não tive medo. Nem de Cleber ou mesmo da policia que provavelmente seria chamada pelas putas.

Mais dois disparos. Cleber estava sobre a cama, sua cabeça sujava a cama de sangue, que grosso e escuro mancharia aquele colchão para sempre. Seu corpo tremia levemente.

“Eu sou o melhor.” Pensei. Voltei-me para trás, e ainda o vi, Ricardo estava no banheiro, agora morto, lutou até o fim por sua vida. No fim, estava lá... Com as calças arriadas, e seu traseiro cheio de merda. Acendi um cigarro. Bebi mais um trago da pinga mineira que estava sobre sua mesinha de vidro e depois voltei os olhos para a noite cuiabana, para aquela lua fina e amarelada no alto e pensei: “como é linda”.

Logo depois me fui. Sem medo, sem remoço. Se um ladrão que rouba outro tem mil anos de perdão, imagine um assassino que mata outro. Talvez seja dois mil anos de perdão. Eu sorri quando pensei nisso. Mas não sentia mais aquele ar pesado, apenas a noite quente cuiabana, enquanto aquele lua fina e amarelada me seguia.

Zé Rizzotto
Enviado por Zé Rizzotto em 11/01/2008
Reeditado em 03/02/2008
Código do texto: T812297