Segundo dia.
Eram oito da manhã e Bituca subia as escadarias mal feitas pelas estreitas vielas da Favela da Perdição. Andava e assobiava uma música alegre, vestindo um bermudão abaixo do joelho, havaianas nos pés, camisa sem manga e um boné aba reta novinho, este último, o único bem que o menino de quinze anos conseguiu comprar com o que sua mãe deu da grana que ele próprio ganhou.
Chegando na boca do movimento, ouviu alguém chamá-lo:
_Bituca, Bitucaa, oh molegue, chega aí.
Era Farelo, que estava com um dos braços enfaixado e apoiado por uma tipóia.
_Ae velhinho, ontem a gente precisou conter uns safados do lado de lá que tentaram tomar nossa boca, foi atividade total e eu acabei levando um tiro, vou ter que ir lá no PS fazer curativo, porque a bala atravessou maltratando minha carne.
Bituca olhava espantado e ficou com medo, afinal, era só o seu segundo dia. E então Farelo continuou:
_Olha Bituca, toma essa PT 9mm, sabe como funciona ?
_Não. Disse Bituca enquanto admirava a pistola cromada.
_"Prestenção", aqui fica a trava de segurança, e esse botão faz cuspir o carregador, cabem 18 balas e mais uma na agulha, carregou tá armada, é só "rastar" o dedo que os tiros vão saindo um atrás do outro, quando acabar, você aperta o botão e troca de carregador, cuidado que é uma máquina perigosa.
_Bituca pegou a arma com cuidado e guardou na cintura. E Farelo continuou:
_Toma o rádio, hoje você vai ficar mais em cima, atrás de um paredão de concreto, com aqueles dois figuras lá, se os "safado" tentarem invadir de novo, é só vocês mostrarem para eles que tá dominado, chamar o Patrão no rádio, que lá de cima eles manda de fuzil, certo. Tô saindo fora, se cuida irmão.
Então, Farelo foi descendo as escadas.
Bituca chegou no paredão e os outros dois jovens fumavam maconha, Bituca não gostava do cheiro e enjeitou a oferta para um "pega", ficou atento a qualquer movimentação suspeita e naquele dia, almoçou e jantou sem sair da posição de alerta.
A tensão era alta e constante, às vezes o Patrão mandava um gerente no ponto para conferir se a contenção estava no posto, para poder barrar a tiros a incursão de qualquer invasor.
Já passava da uma da manhã, Bituca estava com sono, e os dois jovens ao seu lado agora cheiravam cocaína para conseguirem passar a noite acordados. Bituca não aguentava mais, queria sentar no sofá da sua casa, conversar com a sua mãe, ver televisão. Entre seus pensamentos, ouviu um estampido, e o jovem que estava do seu lado caiu inerte, com um buraco no peito. Bituca e o outro comparsa começaram a atirar à esmo, sem enxergarem o alvo. Nisso, Bituca passou pelo rádio o alerta para a gerência, que copiou a mensagem e começou a atirar lá de cima, com a .50 mm, e conseguiram afastar os invasores.
Bituca se impressionou com a cena, o garoto morto ao seu lado, o comparsa comemorando estar vivo e ele calado, sem reação alguma.
O Patrão chegou com mais dois homens armados no posto de Bituca, mandou um senhor buscar o corpo e fazer um enterro digno, tirou R$ 1.000,00 e deu para Bituca, fazendo o mesmo com o outro garoto encarregado do posto, dizendo:
_Hoje vocês foram guerreiros, por isso merecem se divertir, eu indico a Boate Sexxu´s, vão lá e arranjem umas garotas, amanhã é dia de folga, mas depois de amanhã quero os dois lá na gerência, OK?
Os dois assentiram com a cabeça e foram embora, contando o dinheiro e tentando apagar aquele incidente da memória.
Chegaram na boate, beberam, transaram, riram. Foram sair de manhã, Bituca passou no mercado, fez uma boa compra e mandou entregar na casa de sua mãe.
Foi um dia difícil, precisava dormir, chegou em casa, caiu na cama e apagou...