O Quinto Homem - parte 17

MORRO GRANDE - interior de Paulo Lopes

02 de abril 14:44

----- uhhnnnn -- gemeu ao acordar. A moça que estava debruçada sobre si, deu um salto para três.

Era uma menina de uns 15 a 17 anos. Não aparentava mais que isso.

Magra, 1,60, cabelos castanhos amarrados em rabo de cavalo, seus olhos negros abriram-se em sinal de espanto.

--- Quem .. quem ‚ .. você? - tentou perguntar Marcelo..

---- Paieeee!! Ô Paieeee!! - o grito da menina fez ele sentir como se um trovão tivesse ribombado em seus ouvido. Um grito fino e longo..

Tentou se mexer.. não conseguiu. Só então começou a olhar o lugar aonde estava. Era uma casa de madeira.

Estava esticado em cima de uma cama de solteiro, com um lençol, que um dia já fora branco, e seus pés estavam amarrados no pé da cama.

Não estavam apertados, porém o impediam de sair da cama.

Na parede do quarto haviam fotos de cantores sertanejos, artistas e uma imagem de Santa Clara. A parede era velha, via-se os nós da madeira barata. Uma cadeira ao lado da cama, e uma bacia com água, indicava que lhe cuidavam, lhe tratavam bem. Uma toalha molhada, cor azul claro, sobre o encosto da cadeira lhe confirmou isso.

---- Que foi isso menina? O que aconteceu? -- viu a figura do homem aparecer na porta. Não era alto, nem forte, mas tinha um ar de honestidade e força que a primeira vista Marcelo já o admirou.

Corpo meio arcado, provavelmente pelo uso da enxada ou do arado, pensaria depois Marcelo, queimado do sol, cabelo curto, com umas gotas de suor a lhe escorrer pela testa.

--- O moço, pai.. ele acordou.. ---- ouviu a menina dizer..

--- Muito bem, já estava na hora. Agora vamos saber quem ele é.-- o homem se aproximou da cama.

---- Onde...on... onde estou? - Marcelo conseguiu falar.

---- Calma moço, precisa descansar mais. Eu consegui tirar a bala do seu ombro, mas você perdeu muito sangue. Ainda bem que não morreu no choque com a árvore, digo, ainda bem se você for homem de bem, caso contrário vou ter de entregá-lo pra policia.

---- árvore.. que... que arvore? não me lembro..

---- Você bateu em um pinheiro, aqui perto, na invernada.... sorte que nós ouvimos o barulho, não tem muita gente que mora aqui por perto..

--- Aonde ‚....que estou? que lugar é esse?

---- No morro grande, em Paulo Lopes..- a menina disse, olhando para ele, encostando no pai, sentado na cadeira.

---- Paulo Lopes? a quanto tempo estou aqui?

---- Está aqui a dois dias. O que aconteceu com você? Quem atirou em você? -- perguntou a menina ao mesmo tempo em que passava a toalha molhada na testa de Marcelo.

---- Vocês não ouviram nada? ... os tiros..?

---- tiros? não, não ouvimos nada... as vezes vem caçador por essas bandas, a gente já nem liga mais pros tiros, mas não ouvimos nada não..

---- Os corpos deles...

---- Você matou alguém? - se meteu de novo a menina..

---- Achei nos teus documentos a identificação de Investigador. Os documentos são seus? Você é policial? - perguntou o velho.

---- Sou.... detetive.. trabalho por conta..-- as dores no ombro ainda eram atrozes..

---- bem descanse.. você quer que ligue pra alguém lá em Floripa.? desculpe eu remexi em todos os seus bolsos, sabe, encontrar alguém ferido de bala, um desconhecido e trazer pra dentro da casa da gente... não é fácil fazer isso não.. ainda mais aqui nesses cafundó..

---- tudo bem.. não .. não ligue pra ninguém.. e nem conte que me encontrou.. por favor..

---- tá, você que sabe.

----- Vem Cátia, deixa ele dormir mais um pouco..

---- Ahh pai, de repente ele está com fome, não está? - a menina sorriu ao perguntar, quase a esperar que ele dissesse sim..

---- É! acho que sim. Alguma coisa no estômago me faria bem, obrigada. Até parece que faz dias que estou aqui.

---- Na verdade faz tres dias. - daí falando para a menina - Tá, vai fazer então. - disse dando um tapa nas costas da menina que saiu correndo em direção a porta..

------ é uma boa menina, perdeu a mãe logo cedo. É minha companhia nesse mundão de Deus..

----- Ela não estuda? - falar parecia estar fazendo bem.

---- Ela vai na escola, de manhã, e volta ainda a tempo de fazer o nosso almoço, enquanto eu fico na roça. Sabe seu moço, não é uma vida fácil, mas é uma vida digna. Aqui não devo nada pra ninguém. Não pago aluguel, essa casinha é tudo que tenho, mais a terra. Televisão a gente só vê no fim de semana quando vamos na missa lá em Paulo Lopes.. Tenho um compadre. Então almoço no domingo na casa dele. A Cátia as vezes fica lá uns dias. Eu acho que ela devia morar com eles. Teria mais futuro, mas ela não me larga. Disse que vai ficar comigo até que eu morra. Tenho pena dela. Não merece essa vida que leva...

Marcelo lembrava de seu tempo de criança na pequena cidade de Rosana, no interior de São Paulo, das brincadeiras, dos amigos, da vida simples e pacata que tinham. Teve saudades de tudo isso, ao ouvir o velho falar..

Conversaram ainda uns 30 minutos, quando então a menina trouxe uma marmita de aço, onde tinha arroz, feijão e um bife acebolado.

Marcelo comeu na marmita mesmo, ajudado a ficar sentado na cama, depois que desamarraram seus pés, pedindo desculpas. Explicaram que durante seu período de sono se debatia muito e assim tiveram que lhe amarrar as pernas.

Devorou tudo com uma fome que não pensava possuir.

Raspou com a colher o fundo da marmita.

Os dois, o pai e a menina, apenas observavam, sorrindo.

Após comer lhe deixaram dormir..

............................... 03 de abril. Paulo Lopes

---- Tem certeza disso? não tem nada aqui, nem sinal de sangue!!

---- Claro que tenho certeza! Essa atadura no peito é a prova. Que foi? Acha que inventei isso tudo pro senhor e pra sua filha?

---- não! não estou dizendo isso, mas é tudo tão estranho!

---- Com certeza alguém esteve aqui, e levou os corpos, além de tratar de limpar a casa.

---- Essa casa está abandonada a pelo menos uns seis meses, nunca vimos ninguém vir para cá. Até por que para vir por aqui tem que passar por perto de casa.

---- Então vocês devem ter ouvido quando eles me trouxeram para cá?

---- bom, como eu lhe disse, ás vezes nós vamos até a cidade e passamos a noite lá. Não me lembro de ter ouvido barulho de carro nenhum..

Marcelo sai para fora da velha casa onde estivera feito prisioneiro do homem mascarado.

Caminha em direção ao pátio da casa.

Avista-se um bom descampado a uns 150 a 200 metros da casa.

Caminha para lá .

A vegetação parece estar pisoteada.

Não, não é pisoteada, é .. dobrada. As folhas de algumas plantas estão deitadas, como se um vento forte as tivesse empurrado.

Helicóptero.

Eles tinham um Helicóptero.

--- Veja!! -- chama o homem para perto..- eles estiveram aqui.. está vendo? - olha para o homem esperando sua confirmação.

---- É, acho que alguém esteve mesmo aqui. Veja o que eu achei lá embaixo do assoalho. - mostra um rodo com um pano velho e encardido, cheio de manchas de sangue.

---- Seu Agenor, eu lhe agradeço muito o que fez por mim. Agora eu tenho que voltar pra cidade.

---- Mas.. assim??.. você mal pode ficar de pé.. É perigoso..

---- Eu sei disso, mas tenho umas coisas para fazer, e não posso deixar para depois..

---- Não pode ficar mais uns dias, dois dias, e dai já estará melhor.

---- É que eu preciso ler umas anotações que minha ex-secretária fez para mim.. isto é..-- colocou a mão no ombro -- aiii....acho que o senhor tem razão..-- estava começando a ficar tonto..-- a Kátia não poderia pegar para mim?

---- A Kátia? Pegar o quê? - o homem pareceu não gostar de envolver sua filha naquilo.

---- Ou .. quem sabe, o senhor mesmo..

---- O que é?

---- Preciso que o Senhor, ou ela, vá até Florianópolis, no meu escritório, deve estar na minha mesa, ou na minha pasta. Na confusão daquela noite não me lembro. Não, espere, .. claro... deve estar no carro.

---- Que carro?

---- Olha, eu lhe explico direitinho assim que sentar e tomar um bom copo d'água.

--- Tá, eu pego pro senhor! Só um instantinho.

Sentou-se na escada que dava acesso a porta da frente da casa, duas, três tábuas, e ficou com os olhos fechados por instantes..

Então o grito.