O INSPETOR E A MACACA

O inspetor Castro saiu as 19 h de sua sala na central de investigações criminais e rumava para casa. Fora um dia tranqüilo sem muitas ocorrências. Morava distante uns 30 km do centro da cidade e dirigia por uma estrada estreita rodeada por matagais e uma ou outra habitação geralmente distante uma das outras. Ainda não escurecera totalmente e repentinamente um vulto meio curvado fazia sinais com os longos braços. Castro reduziu a velocidade e ao aproximar-se,

– Caramba! Macacos me mordam, é um macaco! Estacionou o carro e o chimpanzé aproximou-se, com a boca escancarada fazendo aquele ruído característico da raça. O animal abriu a porta do carro, demonstrando que estava habituado a fazer isso. Subiu e sentou-se puxando-lhe a manga da camisa e resmungando apontava para diante e sacudia a manga como que a querer que ele seguisse naquela direção.

– Ok! Vamos lá, você sabe pra onde? Arrancou o carro e prestava a atenção aos movimentos do macaco que batia palmas satisfeito. Logo adiante uma segunda via de chão batido surgiu e o animal agitou-se e agora apontava para ali. Castro obedeceu e entrou na estrada.

– Muito bem, você parece bem inteligente vamos lá. Rodaram por cerca de uns 300 m e diante de uma casa grande, de alvenaria o macaco voltou a agitar-se e puxar a camisa de Castro. Mal parou o carro e o macaco jogou-se para fora. Castro desceu e o macaco segurando sua mão puxava-o em direção a casa. O portão e a porta da frente estavam abertos. O macaco sempre segurando a mão de Castro quase o arrastava. Andaram por um corredor e desceram uma escada para o porão onde em uma peça com a porta aberta, um homem estava caído sobre a mesa onde um computador dava sinais de que tivera seu interior revirado. O chipanzé tapava os olhos com as mãos como que evitando olhar a cena. O homem levara vários tiros. Provavelmente ninguém ouvira pois não havia vizinhos próximos. Castro pegou o celular e ligou para casa, chegaria tarde com certeza. Depois discaria para a policia, mas, o macaco ainda agitado puxava-o para a escada.

– O que foi? Tem mais? Novamente seguiu o animal e à porta do que deveria ser a cozinha, uma mulher caída sobre uma poça de sangue, havia também sido morta a tiros. Castro ligou para a polícia e enquanto aguardava andava pela casa em busca de detalhes que pudessem ser importantes. O chipanzé o acompanhava atentamente. Voltou à sala no porão. Uma outra porta dava para um pequeno corredor com mais uma porta lateral onde se lia uma plaqueta de madeira com um nome “Chita”.

– Hora veja, é uma macaca, Chita.

– Ok, menina então você tem um nome. Voltou a concentra-se na cena do crime.

Uma biblioteca com uma grande quantidade de livros de programação em linguagens diversas, vários manuais de programas de análise de dados e programação voltada a objetos. Examinou o computador aberto, estava faltando o HD. Era trabalho de profissionais, entraram atirando e foram rápidos e precisos. Não haveria impressões digitais. Provavelmente usavam luvas. Duas viaturas da polícia acabavam de chegar e Castro agora calmamente desdobrava um clipe, para abrir o leitor de CD. Estes aparelhos possuem um pequeno orifício na parte dianteira que ao introduzir-se um arame ou clipe, permite abrir a gaveta. Havia um CD e Castro teve uma intuição. Substituiu-o por um outro com arquivos musicais. Colocou-o em um envelope e o guardou no porta luvas do carro. Chita o acompanhava atentamente. Revirou as gavetas e em uma delas a carteira do morto. Havia algum dinheiro e um cartão. A identidade era de Abel Linhares. Programador sênior especialista em sistemas de segurança. Finalmente depois que terminou o trabalho da perícia, Castro pensava o que fazer com a macaca. Pouco depois ligou para sua esposa Olga que achou estranho o pedido de compra de uma grande quantidade de bananas, mamão e maçãs.

– Chita, você vai ficar comigo até que descubra o que fazer com você. Chita bateu palmas e saiu correndo em direção a pequena peça, onde havia uma cama de criança e voltou rápido com um penico na cabeça e um travesseiro na outra mão. O inspetor caiu na risada,

– Ok! Não vamos deixar seu penico. Quando entrou em casa, Olga caiu na gargalhada, trazia a macaca pela mão e segurava o penico na outra.

– gora eu sei pra que tanta banana. Comentou Olga sem parar de rir. Castro beijou a esposa que quis saber.

– De onde você tirou este macaco?

– É macaca e chama-se Chita. Os donos foram mortos, depois conto pra você. Vamos ter que ficar com ela até descobrir o que fazer.

– Porque não ficamos com ela? Thaís vai adorar.

– Bem, vou ver com o departamento. Sabe animais selvagens são proibidos e não quero cometer um ato ilegal.

– Ok, venha jantar e depois resolvemos.

Castro tomou um banho demorado e como costumava fazer, pensava no que havia acontecido. Abel fora surpreendido enquanto trabalhava. Os bandidos não lembraram do CD. Depois iria examiná-lo em seu computador, mas suspeitava que os assassinos fossem voltar à cena do crime. Ligou para Julio e pediu que montasse uma tocaia de espera no local

– Bem! Vem jantar! A comida vai esfriar.

Olga não gostava da mania que ele tinha de levar trabalho pra casa. No começo brigava, mas depois acostumou. Ele era assim. Enquanto não resolvia um caso, não parava de trabalhar. Depois do jantar, Olga ganhara uma parceira pra ver a novela na tv e ele foi para seu escritório. No CD havia um software bastante pesado, quase 600 MB e um arquivo nomeado “leia-me.doc”. No cabeçalho da página o timbre do tribunal de contas do estado. O texto dizia, “Cara, neste CD o arquivo do qual te falei, trata-se de um programa de gestão financeira praticamente de todos os setores do estado. Há uma suspeita de que os dados contidos aí estejam vazando. O programa contém bancos de dados e acessos a informações confidenciais de todo o sistema de administração publica. Ocorre que a quantidade de dados enviados não combina com o total de informações oficiais solicitadas. Suspeito de um vírus ou um desvio programado em algumas cópias oficiais do programa. Por favor analisa isso e depois me liga” Assinado, Roberto Mancuso. Gabinete da Procuradoria Geral do Estado.

– Nossa! Quem tiver isso na mão terá acesso a muita grana e um poder quase ilimitado. Então Abel foi morto, porque estava analisando o programa. Isto vai dar trabalho pra caramba e aposto que tem gente graúda envolvida. Na manhã seguinte reuniu-se com Julio e outros investigadores.

– Então pessoal o que temos?. Julio era um policial competente e dedicado. Castro o considerava um dos melhores com quem trabalhava.

– Inspetor, falou Julio com o relatório a sua frente. Abel levou 4 tiros, mas, qualquer um deles teria sido suficiente. A mulher levou 3 balas da mesma forma. Armas de grosso calibre, provavelmente, com silenciador. Foram mortos quase ao mesmo tempo o que indica que eram 2 os assassinos. O crime ocorreu entre 17,30 h e 18,00 h. Por volta de 17,00 h dois homens numa vã branca estiveram em um armazém próximo, pedindo informações sobre o endereço de Abel. Além do HD, nada foi roubado. Não encontramos, digitais ou qualquer outra pista.

– Ok! Falou Castro. O carro provavelmente roubado.

– Sim, concordou Julio. Já estamos investigando.

– Vou falar com Roberto Mancuso na procuradoria. Mas, vamos por enquanto nos concentrar nos assassinos. Interrogar gente do primeiro escalão, não vai dar em nada. Mantenham isso sob sigilo. Digam à imprensa que por enquanto não temos nada. Castro levou o CD consigo e o colocou sobre a mesa de Mancuso, um Homem ainda jovem e simpático.

– Senhor Mancuso, Abel Linhares morreu porque analisava dados neste CD.

– Sim, inspetor Abel era um especialista e um grande amigo de longa data.

– Este programa, me fale dele. A quem interessam esses dados?

– Muita gente, inspetor. Este programa na verdade é um projeto piloto implantado recentemente. Um programa de gestão, que pode cruzar dados de toda a atividade financeira do estado. Possui mecanismos que permitem conter a corrupção e acabar com licitações fraudulentas, sobre faturamento e muito mais. Contém também muita informação pessoal de membros do serviço público em todos os níveis. Como você vê, tem muita gente que gostaria de por as mãos nele e muita gente também interessada em acabar com o programa.

– É vai ser uma parada dura. Você não tem como bloquear o programa temporariamente?

– Sim, mas só o governador pode autorizar. Mas, por quê?

– Porque quem estiver por trás disso, está buscando dados e informações. Se o desativarmos, interrompemos o processo enquanto investigamos.

– Vou ver o que posso fazer, mas não posso garantir que ele acate a sugestão.

– Certo! Por enquanto mantenha a coisa em sigilo o mais tempo que puder.

Castro despediu-se e voltou para o escritório. A vã havia sido localizada m uma estrada não muito distante do local do crime. Uma funcionária do armazém havia reconhecido um dos criminosos no arquivo da polícia. Julio já colocara uma equipe no encalço do suspeito. Castro aguardava o resultado das buscas e voltou a estudar o CD. O programa possuía 6 chaves de segurança. Impossível acessa-lo. Resolveu voltar à casa de Abel. Estava tudo ainda como deixara afinal os criminosos não haviam voltado para apanhar o CD. Começou a revirar mais uma vez as gavetas e um bloco de anotações chamou a atenção. Havia organogramas rabiscados com várias anotações em linguagem de programação e alguns blocos foram marcados com um x em alguns tópicos. Castro recolheu o bloco e voltou para o escritório. O telefone tocou e Julio falava do outro lado da linha.

– Inspetor, lembra do Mão de Vaca?

– Sim respondeu Castro. Ele não está cumprindo pena? - Hora inspetor, sabe como é, progressão de pena etc.

– Sei! Regime semi-aberto e daí. – E daí, o localizamos, está morto. Ele, a namorada e um outro cara não identificado ainda.

– Ok, estou indo pra lá, me dá o endereço. Castro anotou e saiu. Chegando ao local, um pequeno apartamento na zona norte. A polícia já estava no local e a cena era algo impressionante. Os 3 haviam sido executados enquanto conversavam em volta de uma pequena mesa da sala. Foram impiedosamente metralhados. O apartamento fora todo revirado e havia marcas de balas por todo lado. Não tiveram qualquer chance de reação.

– Queima de arquivo. Falou o inspetor enquanto fazia seu habitual e minucioso exame do local.

– Acho que por isso, não voltaram à casa de Abel. Falou Julio. Castro pegou o celular do bolso do Mão de Vaca. Examinava a agenda enquanto Julio prosseguia recolhendo impressões digitais e outros objetos que poderiam dar uma pista dos executores. Voltou para o escritório e solicitou que um investigador checasse os nomes. Abel não tinha parentes na cidade. Sua família era de São Paulo e naturalmente a policia se encarregaria de comunicar o acontecido. Castro serviu um café e recostou-se na cadeira rememorando os acontecimentos. Não foi latrocínio nem um crime político. Abel devia ter anotado naquele bloco alguma coisa. Folhava o bloco com cuidado examinando cada detalhe das anotações. Algumas setas rabiscadas apontavam para nomes de pessoas ou empresas. Julio retornou da rua e Castro pediu.

– Veja o que você consegue destrinchar deste CD e veja se as setas no bloco combinam com algo. Julio pegou o CD e foi para sua sala. Castro resolveu ir embora. O dia fora movimentado e estava cansado. Olga ficou satisfeita ao ver que naquela noite não haveria trabalho em casa e então poderia ter o marido só para ela. Eram 23 h quando resolveram dormir recém haviam deitado depois de uma longa seção de trapalhadas da Chita que divertia a todos. Tocou o telefone e Castro atendeu. Era Julio.

– Cara! Você ainda está trabalhando?

– Sim inspetor e tenho novidades. Dos nomes na agenda do Mão de Vaca, um é conhecido. Manco é um matador profissional foragido e deve ser o cara que matou o Mão de Vaca. Outro nome, o de Avelino Luz é adivinhe! O cunhado do Governador.

– Ok. Descubra se eles têm alguma ligação.

– Tem mais inspetor, o Avelino é dono da empresa que perdeu a concorrência para implantação do programa.

– Está bem, vamos dormir e amanhã faremos uma reunião. Olga suspirou aliviada, já esperava ver o marido vestir-se e sair mais uma vez tarde da noite para trabalhar. No dia seguinte, as investigações continuaram e Julio havia solicitado a quebra do sigilo bancário e telefônico de Avelino Luz. Castro também havia feito algumas diligências por conta própria e as informações sobre Avelino Luz não eram as melhores. O homem já havia sido investigado por sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Naquela tarde, mais um desaparecimento de menor havia sido registrado. Há meses o departamento investigava uma relação de 6 meninas, desaparecidas em circunstancias misteriosas e que até agora não havia sido esclarecida. Agora uma sétima vítima engordava a lista.

– Inspetor, tem uma informação que o senhor vai gostar. Julio voltava com um extrato bancário de Avelino.

– Houve recentemente um depósito de quinhentos mil na conta do Avelino. Adivinhe de quem?

– Fale, não tenho a menor idéia.

– Do candidato da oposição ao governador, seu maior adversário.

– Puxa, isso põe lenha na fogueira. Que Avelino não é trigo limpo, já fiquei sabendo. Mas que cunhado o governador tem! Julio coçou a cabeça.

– Inspetor, tem mais uma aqui. Recentemente a empresa do Avelino trocou de endereço. O prédio antigo pertence ao candidato da oposição. Helio Marcondes. Isso nos leva a crer que tem algo a ver com os assassinatos. Avelino deve estar mancomunado com o Marcondes pra ferrar com o governador. Será que a mulher dele está envolvida nisso?

–Acho que hoje ainda vou dar umas voltas. Falou o Inspetor apanhando o paletó. O escritório do Avelino ficava no oitavo andar de um prédio comercial. Recebeu Castro gentilmente e prontificou-se a responder as perguntas do inspetor.

– Você tem como comprovar a entrada de R$ 500.000,00 na conta da sua empresa?

– Sim inspetor, trata-se da implantação de sistemas nas empresas do meu cliente. São programas caros e cada empresa precisa de uma licença individual.

– Você parece muito íntimo do Marcondes, adversário do seu cunhado.

– Hora inspetor, eu não concordo com as idéias do meu cunhado e para ser franco nossas relações não são as melhores. O inspetor fez mais algumas perguntas de rotina, mas não revelaram nada consistente. Resolveu então almoçar e ver o que faria na parte da tarde. Possuía na garagem uma velha Brasília que usava em ocasiões em que precisasse ser menos notado. A tarde resolveu dar uma olhada no prédio onde antes era a sede da empresa de Avelino. Estacionou o carro do outro lado da rua e quando abriu a porta, Chita estava escondida atrás do banco do carona e ao ser percebida, colocou as mãos sobre os olhos, naquele gesto comum nos macacos quando surpreendidos.

– Chita! Não sei como conseguiu, mas já que está aqui, vamos lá. O inspetor tomou a macaca pela mão e caminhou em direção ao portão lateral. O prédio era constituído de um conjunto de salas adaptadas no que antes deveria ter sido um depósito. O portão estava aberto e ele resolveu examinar o local. Mais ao fundo, uma porta lateral estava destrancada. Castro observou que havia ainda muito lixo característico de uma mudança, papeis e caixas estavam espalhados. Havia uma porta para o terreno ao fundo. Castro resolveu examinar o terreno, mas não havia nada além de algumas pilhas de entulhos e o mato tomando conta. Chita soltou sua mão e saiu andando. O inspetor não se importou, deve querer fazer alguma necessidade. Continuou examinando o local. Havia uma cozinha ainda em uso e em uma das salas frontais, uma mesa de reuniões e cadeiras. A luz estava ainda ligada e deveriam usar o local para reuniões. Num pequeno monte de papeis rasgados, chamou a atenção um cartão de visitas. Laboratório Antrop Ltda. Tratava-se da filial brasileira de um grande laboratório multinacional. Castro resolveu guardar o cartão e recolheu ainda alguns pedaços de papel com áreas de texto impresso. Castro estava convencido de que o local servia para reuniões provavelmente secretas, pois era um local isolado e não chamaria a atenção. Estava absorto em seus pensamentos e nem percebera que Chita estava sentada no Chão ao seu lado Ela tentava enfiar no pé um tênis feminino.

– Chita! De onde você tirou isso? A macaca coçou a cabeça e tomou a mão do inspetor. Conduziu-o ao fundo do terreno onde estivera revirando uma área de terra solta. Então o inspetor resolveu revirar um pouco onde um pedaço de tecido vermelho era visível. Era o outro tênis, só que estava calçado. O inspetor apanhou uma pá encontrada em uma despensa ao lado da cozinha. Voltou a cavar com cuidado e revelou-se então o cadáver de uma menina de uns 16 anos. Ligou para Júlio e solicitou uma equipe no local. Deveria haver mais cadáveres.

Até o final da tarde, mais 6 cadáveres haviam sido desenterrados alguns em adiantado estado de decomposição, outros não passavam de esqueletos. O movimento dos carros da polícia e a agitação no local haviam reunido um bom número de curiosos e a imprensa estava em peso no local. O inspetor voltava após deixar Chita em casa e um homem que estivera meio arredio aproximou-se.

– Inspetor Castro? Perguntou.

– Sim! Respondeu Castro.

– Tenho uma coisa aqui que deve lhe interessar. Eu sou fotógrafo e um dia desses fazia fotos noturnas da vizinhança, moro logo ali e da janela do meu apartamento vi alguém que cavava no local de onde os senhores descobriram os corpos. Achei estranho alguém fazendo buracos às 3 h da manhã. As fotos estão neste cartão de memória.

Apesar de tarde da noite, as câmeras digitais compensam a luz e a foto vai ajudá-lo. O inspetor agradeceu e guardou o cartão no bolso. Havia mandado expedir uma intimação para um depoimento de Avelino que tinha agora muito a explicar. Dirigiu-se para seu escritório e sabia que a primeira vítima encontrada, com certeza era da última menina que estava na relação de garotas desaparecidas. Ela havia sido morta recentemente e o seu cadáver ainda estava em bom estado. Depois de cumprir algumas rotinas no escritório, Castro foi para casa, já estava anoitecendo e precisava por as idéias em ordem. Desde que a macaca Chita tinha entrado em sua vida, ele vira-se as voltas com um caso que desdobrava-se e interligava-se com crimes de estupro e violência. Avelino estaria também por trás dos assassinatos e dos desaparecimentos daquelas garotas?

Chegando em casa, mal beijou Olga e foi para seu escritório particular, gostava de pensar ali sobre os acontecimentos que envolviam os casos em que trabalhava. Além disso a internet servia como meio de pesquisa para muitos assuntos sobre os quais não tinha muito conhecimento. Colocou o cartão de memória no leitor de seu PC e tinha quase certeza de que veria a foto do Avelino cavando sepulturas, mas tal não ocorreu. As fotos eram de muito boa qualidade e dava para perceber que as modernas câmeras digitais são capazes de fotografar cenas noturnas como se fosse dia. Tratava-se de um homem aparentando uns 35 anos, forte e musculoso com um rosto de feições duras e deveria ter quase dois metros de altura. Um brutamontes como se costuma catalogar indivíduos assim. Lembrou-se do cartão do laboratório que levava no bolso. Esparramou os pedaços de papel que recolhera sobre a mesa. Digitou o nome do laboratório no Google. Abriu o site da empresa e além dos links habituais sobre a constituição da empresa, produtos, etc. Clicou no link que versava sobre projetos e lançamentos. Tratava-se de um grande laboratório com atuação destacada tanto na área médica, como na de cosméticos que representava hoje o maior faturamento mundial. Chamou-lhe a atenção uma manchete que versava sobre pesquisas na área do câncer. O laboratório prometia a cura do Câncer para dentro de dois anos e mostrava estudos publicados na revista da comunidade científica sobre as pesquisas de sua colaboradora Dra. Beatriz Couto Linhares.

– Caramba! Esta agora me pegou! Beatriz Couto Linhares, nada menos que a esposa do Abel Linhares, o programador. Então o Inspetor Castro começou a se dar conta que havia cometido um engano. Se o Avelino possuía uma empresa concorrente com capacidade de manipular o código do tal programa, poderia obter a cópia por outros meios, não precisaria matar ninguém. A tão sonhada cura para o câncer poderia ser uma fonte de disputa entre laboratórios internacionais. Representava bilhões de dólares em jogo. Talvez o motivo da morte do casal, fosse a fórmula do tal medicamento e não o programa em que o marido trabalhava. Mas, havia uma ligação com Avelino, pois o cartão encontrado no lixo mais a relação com os bandidos, seu nome estava na agenda do Mão de Vaca, lhe davam a quase certeza de que Avelino tinha muito a explicar. Somente os assassinatos das meninas destoavam, mas também estavam ligados ao Avelino ou seu comparsa ex deputado Marcondes.

– Meu deus, quanta sujeira. Olga entrou na sala e surpreendeu o marido falando sozinho.

– Agora você deu pra pensar em voz alta? Quem é esse Marcondes?

– Hora! È candidato a sucessão no governo, mas quem realmente é? Isso terei que descobrir. Na manhã seguinte Julio telefonou informando que o Avelino se apresentou em companhia de seu advogado e como era de se esperar negou-se a responder as perguntas. Seu advogado limitou-se a dizer que o prédio abandonado não estava trancado e portanto poderia ser usado por qualquer um e que portanto não havia provas para incriminar seu cliente.

– Está bem! Julio vou dar mais umas voltas e só vou para o escritório provavelmente a tarde.

– Ok inspetor. Recebi as imagens do homem cavando as sepulturas, vou sair a campo e ver o que consigo.

Castro havia enviado as fotos por e-mail, pois pretendia voltar a casa onde Abel e Beatriz haviam sido mortos. Levaria Chita consigo, pois poderia ser útil. Era um animal inteligente e poderia dar alguma dica. O HD havia sido roubado. Será que a fórmula estaria armazenada ali? Deveria haver mais alguma coisa naquela casa, um detalhe que lhe passara despercebido. A polícia ainda mantinha a casa sob vigilância embora a estas alturas dificilmente alguém fosse voltar ali. Dirigiu-se ao quarto do casal. Era um ambiente confortável e bem decorado. Aos pés da cama junto a parede um rack com uma tv de plasma. A esquerda da cama, junto a parede, um grande guarda roupas de 9 portas. Começou a abrir a primeira porta do guarda roupas a esquerda, mas viu que Chita tentava abrir a última porta a direita. Resolveu então aceitar a sugestão. Abriu a porta e havia apenas roupas penduradas, mas Chita enfiou-se para dentro e empurrou a parede que abriu-se revelando uma passagem para uma outra peça da casa. O inspetor acendeu a luz e deu de cara com um bem montado laboratório. Havia um balcão com um forno de micro ondas, uma torradeira além de inúmeros utensílios, como provetas, Cubos de ensaio enfim coisas típicas de um laboratório químico. Chita o acompanhava com atenção e o Inspetor pensava sobre o que procurar. Revirou todas as gavetas e compartimentos dos armários e não encontrou nada. Chita olhava para a torradeira e segurava o queixo como se estivesse pensando. Então o Inspetor se deu conta de que a torradeira não estava ligada. O fio pendia para trás do balcão.

– Chita! Não é hora de uma torrada, é isso que você quer? Perguntou levantando a tampa da torradeira então descobriu um livro, um diário.

– Menina você é demais. Parece que você e sua dona eram inseparáveis.

O inspetor sentou-se na cadeira diante da mesa onde havia um estabilizador, mas não havia um computador ligado. Começou a folhar o diário A Dra. Beatriz costumava anotar todas as suas pesquisas e experiências diárias. Havia muitos diagramas e anotações matemáticas. Na última página, havia algo que deveria ser uma fórmula. O inspetor guardou a agenda e saiu. Passou em casa para deixar a Chita e dirigiu-se a casa de um amigo já aposentado e que fora professor de química e biologia. O velho Tavares o recebeu na varanda, um lugar agradável, com muitas folhagens e rodeado de um bem cuidado jardim. Castro lhe contou sobre a sua preocupação com o caso e passou-lhe a página com a tal fórmula. Tavares colocou os óculos e passou os olhos atentamente. Depois de um tempo, falou. – Sim! É uma fórmula mas está incompleta. Veja! Há muito tempo que os cientistas sabem que a célula cancerosa antes de morrer, transmite para as células sadias informações que as tornam a partir daí, também doentes. Este tem sido o maior desafio da ciência, pois a única maneira de evitar que transmitam essas informações seria fazer com que explodissem antes de transferi-las. Parece que a Dra. Aparentemente chegou lá. Mas, na fórmula ela descreve o processo e dá detalhes sobre o veículo, uma bactéria existente na folha de tabaco, que ataca as células doentes. Esta bactéria é oca e poderia carregar a bomba, capaz de explodir as células doentes. Mas, é justamente isso que está faltando. Ela simplesmente menciona. CVTR3. O nome da substância que provavelmente ela formulou.

– Sim! Na página da internet existe a informação de que os testes com camundongos foram promissores e já teria sido testada com sucesso em seres humanos.

– Bem meu amigo, seja como for esta fórmula é inócua sem a substância que está faltando. O inspetor despediu-se do amigo e tomou o rumo do escritório. Percebeu pelo retrovisor que um Toyota preto parecia estar lhe seguindo. Já percebera o carro antes e não dera muita importância, por via das dúvidas conferiu a arma e a deixou a mão.

Resolveu então estacionar. O Toyota manobrou e entrou na rua a esquerda. Deu para ver que havia dois homens e um deles olhava para trás. Chegou ao escritório e Júlio trouxe-lhe o relatório das investigações. Finalmente as conversas telefônicas haviam sido decodificadas e reeditadas. Foram algumas horas de análise e Castro anotou os tópicos mais importantes. Em uma das gravações alguém informava para Avelino.

– O bifinho está na mesa.

– Ok! Vai preparando o molho que daqui a pouco estou aí!. Em outra a voz de Marcondes para Avelino.

– Gostei do cara que você arranjou para imitar a voz do homem. Vai ser um show.

– Tudo bem, posso mandar o Tikão passar aí?

– Tenho 200 hoje, ta bom? Numa outra conversa alguém falava, sempre para o Avelino que parecia ser a mente que comandava tudo.

– A receita do bolo não fecha, vai abatumar.

– Eu sei, mas espere, os manos vão completar pra nós. Castro anotou estes tópicos. Com a experiência que tinha, ficava claro que Avelino orquestrava um complô para prejudicar o cunhado. O Governador tinha no momento uma preferência popular de 70% sobre seus adversários, o suficiente para ser reeleito em primeiro turno. Avelino tinha nas mãos as ferramentas para detonar escândalos que comprometessem a figura do cunhado. A história do bifinho, era intrigante, mas poderia ser qualquer coisa, obviamente era um código. “A receita do bolo não fecha” Seria a fórmula? Mais uma vez o nome do Avelino estava envolvido. Os manos somos nós. Ele pensa que temos ou que poderíamos ter encontrado a fórmula do CVTR3. Isto agora criava uma duvida na cabeça de Castro

– Eu tenho só a formula do veículo, ou eles tem a do CVTR3, ou tem uma cópia igual a nossa. Agora faltava descobrir quem era Tikão. Castro encarregou Júlio de investigar isso. Tinha uma intuição que poderia ser o cara da foto cavando as sepulturas. O celular chamou e Castro levou o fone ao ouvido. A voz do outro lado distorcida eletronicamente falou.

– Inspetor temos alguém que quer falar com o senhor.

– Pai! Eu...

– Sua filha será entregue assim que nos entregar o que queremos. O senhor sabe o que é. Aguarde instruções. Castro tentou dizer algo mas a ligação foi cortada. Thaís estava em poder dos bandidos e Castro precisava agir rápido, não gostava de apostas, preferia trabalhar com os pés no chão. Mas sua filha estava nas mãos deles e precisava pelo menos ganhar tempo. Resolveu aguardar a ligação com as instruções. Julio por sua vez fazia diligências para encontrar Tikão e fizera cópias das fotos do homem cavando. Não foi muito difícil depois de rodar por várias boates e inferninhos e localizar prostitutas que o conheciam. Desde o começo Júlio imaginava que o grandalhão provavelmente era leão de chácara de alguma casa noturna. Várias o conheciam, mas de passagem, não sabiam onde trabalhava no momento ou onde poderia ser encontrado. Júlio lembrou de Luma, uma morena que trabalhava em uma boate de luxo na zona norte. Já estivera com ela e sabia onde morava. Ela o recebeu em seu apartamento ainda sonolenta

– Sim! Conheço o Tikão, ele trabalha no Julia´s Club, uma boate de luxo na João Pessoa, já trabalhei lá.

– Sabe onde Mora?

– Sim, Num ap no centro. Ele usa para encontros digamos informais entende? – Sim! Valeu. Obrigado.

– Por nada, quando vai aparecer lá?

– Qualquer hora, por enquanto tenho muito trabalho. Castro resolveu ligar para casa, mas não esperava que Olga estivesse lá. O telefone chamou sem sucesso. Já esperava por isso. Olga também deveria estar em poder dos bandidos. O celular tocou e ele atendeu ansioso.

– Inspetor, envie para o e-mail zumbi33@ibest.com.br a cópia em arquivo *.doc. Assim que conferirmos, entramos em contato. Olga era mantida sentada ao chão em uma vã com as mãos amarradas para trás e uma fita adesiva tapando-lhe a boca. Apanhara Thaís na escola e ao parar na sinaleira, uma moto encostou em seu carro e o carona apontou a arma. Mandou que ela ficasse quieta e entrou sentando no banco de trás ao lado de Thaís. O bandido tirou o capacete e sempre apontando a arma para Thaís, ordenou.

– Apenas siga a moto e não acontecerá nada. Usava uma touca ninja e encolheu-se para não ser visto. Olga obedeceu, sabia que não teria qualquer chance de reação.

Thaís sentia medo, mas procurava se controlar. Seguiram pela avenida beira rio até a zona sul onde a moto entrou numa garagem. O local parecia uma oficina mecânica, abandonada era sujo e bagunçado. Então eles a amarraram e colocaram Thaís em uma outra vã que partiu rapidamente. Ela pensava em algo, mas, o que poderia fazer? Não tinha nem como ligar para o marido Castro arrancou a folha com a fórmula e a digitalizou enviando a cópia colada em um arquivo do Word em branco. Aguardava o resultado já agora acompanhado por toda a equipe do departamento que já havia localizado o carro de Olga que fora rastreado por GPS. Já haviam enviado um batalhão do esquadrão de operações especiais. Não fariam nada até que Thaís fosse localizada. O telefone chamou novamente e Castro atendeu.

– Inspetor! Que brincadeira é essa? Isso nós temos, você sabe o que está faltando. Portanto dê um jeito. Desligaram. Castro contava com esta hipótese! Agora teria que agir de outra maneira. Não tinha o que eles queriam. Thaís estava em um quarto em um apartamento. Lembrava de ter subido três lances de escadas, portanto deveria estar no terceiro ou quarto andar. Tinha 12 anos e era uma garota esperta. O quarto tinha uma cama de casal onde estava recostada em umas almofadas altas. Seu carcereiro era um sujeito gordo. barbudo e de poucas palavras. Apenas vez por outra perguntava se ela queria alguma coisa. Permanecia sentado em uma cadeira e ouvia música sertaneja em um radinho de pilha. À esquerda da cama havia uma porta larga de vidro que dava para uma pequena sacada. Eles não a amarraram, pois não tinham com que se preocupar. Thaís então colocou a cabecinha pra funcionar. Tinha um plano.

– Oi! Tio! Me arruma um refrí e umas bolachinhas de chocolate? Estou com fome.

– Está bem, falou o barbudo. Ele então saiu e passou a chave na porta do quarto. Era tudo o que ela queria. Percebeu que a porta da sacada tinha uma chave na fechadura da metade esquerda. Thaís era ginasta. Até já ganhara uma medalha nas olimpíadas escolares. Abriu a porta com cuidado e usando o parapeito da sacada como a trave, saltou balançando o corpo rumo a sacada de baixo. Já estava escuro e a porta do quarto estava entreaberta. Ela esgueirou-se para dentro do quarto e alguém acendeu a luz.

– Caramba! De onde você saiu?

– Moço, eu fui seqüestrada e acabo de fugir. O cabo Franco da polícia militar estava tirando uma soneca antes de seguir para o trabalho onde teria um plantão. Levantou-se ainda vestindo as calças.

– Ok! De onde você veio? Thaís apontou com o dedo para o andar de cima.

– Ok! Venha comigo! Tomou Thaís pela mão e a levou para a cozinha onde Nair preparava algo pra ele comer antes de sair.

– Fique aqui com a Nair.

Pegou a arma e saiu para o corredor. O barbudo vinha correndo escada abaixo com a arma segura pelas duas mãos. Ao perceber a arma, Franco sacou a sua e gritou!

– Largue a arma ou atiro! O gorducho apontou para ele, mas antes que pudesse puxar o gatilho Franco disparou atingindo-o no peito. O homem ainda conseguiu disparar e a bala atingiu de raspão o braço de Franco então rolou escada abaixo e veio morrer aos pés do policial.

– Droga, uma boa maneira de começar o trabalho. Voltou para a cozinha e quando Thais disse quem era, arregalou os olhos. Era um negro simpático e tinha um jeito engraçado.

– Nossa! Tu é filha do Castro? Tem aí o telefone dele?

– Sim! Eu sei o número.

– Diga aí! Castro atendeu e quando ouviu a voz de Thaís, sabia que pelo tom, ela havia aprontado alguma.

– Você está bem?

– Sim! Pai. Estou na casa da dona Nair, o marido dela matou o bandido.

– Ok! Estou indo, me dê o endereço. Thaís então passou o fone para o Franco. Castro anotou e ordenou que a operação de resgate de Olga iniciasse. Estava dirigindo-se para o endereço, quando o celular chamou.

– Então inspetor? Já tem a nossa encomenda?

– Sim! Respondeu Castro. Mas está codificada estamos inda decodificando, mas daqui a pouco te envio. Desligou. Eles não sabiam ainda da fuga de Thaís e isto daria tempo para a operação de resgate da Olga. Júlio revirou os arquivos da polícia e descobriu que Tikão era nada menos que Tito Karmina, assassino foragido, a serviço da máfia siciliana, procurado pela Interpol há vários anos. Só uma coisa destoava, era homossexual assumido e não combinava com estupros de garotas adolescentes.

Castro chegou ao apartamento de Franco acompanhado dos policiais e da perícia. Franco o recebeu e Thais correu para abraçá-lo.

– Pai! Que saudades e a mamãe?

– Ela estará bem, nossos homens vão solta-la logo.

Não havia muito mais a fazer por ali e castro resolveu deixar Thaís com sua avó. Precisava ir para a zona sul onde sua esposa ainda era refém dos bandidos. A polícia havia fechado todas as saídas do bairro e preparava-se para invadir o local. Atiradores de elite já estavam em suas posições e apenas aguardavam o sinal de fogo. Era noite e isso facilitava as coisas. Eram apenas dois os bandidos no local. Peterson, veterano atirador, já tinha um deles na mira O outro estava sentado a uma cadeira e pareceu pressentir algo. Aproximou-se de Olga, e mantinha agora a arma pronta.

– Então o Megafone da polícia soou. “Vocês estão cercados. Saiam com as mãos na cabeça e liberem a refém”

– Nada feito mano! Gritou o que estava próximo a Olga. “Vamos negociar, digam o que querem. O plano de vocês furou, a garota já está livre”

– Vocês estão blefando! Nada feito.

Então Peterson abriu fogo. Quase ao mesmo tempo o outro teve a cabeça atingida por outro disparo. Mas ouviu-se um terceiro tiro. E isso aterrorizou todo mundo. Correram para dentro do galpão e Olga estava caída. Um dos bandidos teve tempo de apertar o gatilho ou sua arma disparou atingindo o peito de Olga. O impactou a jogou para trás com cadeira e tudo. A ambulância já estava a postos e os para médicos trabalhavam febrilmente para aprestar os primeiros socorros. Ela estava ainda respirando, mas corria-lhe sangue pelo canto da boca. Não era um bom sinal. Rapidamente a colocaram na ambulância e seguiram para o pronto Socorro. Castro passou pela ambulância na avenida beira rio e teve um pressentimento. Ambulâncias com sirenes abertas na cidade era coisa comum no dia a dia, mas algo lhe dizia que alguma coisa havia dado errado. Acelerou o que pode e chegando ao local, viu pela expressão dos colegas que algo estava terrivelmente errado.

– O que ouve? Perguntou ao capitão Mário.

– Sua esposa, está gravemente ferida!

– O que? Perguntou Castro enraivecido. Desferindo um violento soco que atingiu o capitão em cheio. Logo os outros saltaram e trataram de conte-lo. Ainda com a mão sobre o queixo ferido o Capitão Mario falou.

– Foi um acidente.

– Nada retrucou o inspetor. Vocês são uns merdas e fizeram tudo errado. Quem deu a ordem para atirar? Ok! Agora preciso estar com minha esposa, mas, aviso! Vou fundo nisso aí! Dizendo isto pegou o carro e saiu acelerado. Duas viaturas da polícia o acompanhavam e uma delas tomou a dianteira e ligou as sirenes. O inspetor chegou ao hospital e foi direto para a sala do diretor.

– Como está ela? Perguntou. O diretor médico com ar muito preocupado falou.

– Sente-se inspetor. Ela está agora na sala de cirurgia e devo preveni-lo de que o quadro é muito grave. No momento está em coma induzido. Os dois se entreolharam e ficaram em silêncio. O inspetor resolveu sair da sala do médico e foi comprar um maço de cigarros, havia deixado de fumar a algum tempo, mas agora só umas tragadas iriam lhe devolver os nervos ao lugar. O momento era terrível! Em sua carreira já presenciara muitas situações como esta. Agora era sua vez. Sentou-se em um sofá, apanhou uma revista, mas não conseguiu ler nada. Tentou colocar as idéias em ordem e pensar sobre tudo o que havia se passado até ali. Neste meio tempo Júlio chegava ao apartamento de Tikão. Antes de bater na porta, preparou a arma e preparava-se para tocar a campainha quando ouviu gemidos abafados. Com a arma em punho, rodou a maçaneta e empurrou a porta com força. Estava aberta e seus olhos depararam com Tikão caído, recostado contra a parede e com o peito ensanguentado. Ligou para a polícia chamando uma ambulância.

– Quem fez isso? Perguntou. O criminoso falava com muita dificuldade.

– Foi o Avelino. Nós brigamos e ele atirou em mim.

– Sim, mas por quê? – Eu não agüentava mais, ele me obrigava a fazer coisas que eu não queria. Já fiz muita maldade, mas estava tentando me recuperar. Ele me ameaçava de extradição caso eu não fizesse o que me pedia. Como matar aquelas garotas, e outras coisas. Eu vou morrer, mas antes quero que saibam de tudo... Tikão desmaiou. Júlio ligou para o celular de Castro informando do ocorrido.

– Certo, temos agora uma acusação formal, mande expedir um mandato.

O inspetor desligou e tentava conectar os acontecimentos. Avelino deveria ser o estuprador das garotas. Lembrou-se da gravação das conversas telefônicas. “O bifinho está na mesa” deveria referir-se as meninas mortas. Provavelmente Tikão as aliciava e depois entregava ao Avelino. Depois do serviço feito ele as matava. Uma suspeita forte começou a tomar conta dos pensamentos de Castro. Um elo não estava se encaixando em seu raciocínio. Avelino não era o tipo de delinqüente capaz de negociar com laboratórios internacionais.

As garotas mortas, o mafioso italiano, a boate onde Tikão trabalha e as ligações com matadores profissionais ligavam-no a uma cadeia de delitos relacionados provavelmente com drogas, prostituição e exploração sexual de menores. Agora para incriminá-lo pela morte das meninas, bastava um exame de DNA. Duas pessoas estavam mortas e apesar das suspeitas não havíamos ainda conseguido ligar o nome de Avelino nem ao programa de computador nem ao roubo da fórmula. Deveria haver uma terceira pessoa ligada ou não a ele. Quanto às mortes de Abel e a esposa, podem ter sido obra dos mesmos homens que mataram o mão de vaca. Pelo menos o estilo de fuzilamento implacável, era o mesmo. A chave desse mistério tem que estar relacionada com a fórmula. Neste momento o inspetor foi arrancado de seus pensamentos pela presença de sua mãe que trazia junto Tahís. Aproveitou para ir até em casa, precisava ver se não estava faltando nada para a Chita. A macaca havia ficado sozinha e a casa estava uma verdadeira bagunça. Castro foi ver o pote de água e a tigela onde costumavam servir os alimentos e Chita estava às voltas com o travesseiro sentada no sofá da sala. Era a terceira vez que era surpreendida nesta atitude. Escarafunchava com o dedo indicador, como se quisesse fazer um buraco ou encontrar um furo. –Está bem me de isso aqui! Vamos ver o que você procura. Algumas dessas almofadas possuem um pequeno fecho éclair e esta o possuía, Chita apenas não atinava para isso. Então o Inspetor resolveu apalpar a almofada e notou algo duro em seu interior, um pequeno objeto. Resolveu abri-la e qual não foi o seu espanto quando descobriu um pen drive! Mal esperou para colocar o pequeno aparelho em seu computador. Havia uma pasta com um nome em código “ZZ4BD55FE7” Dentro da pasta um documento do Word Criptografado. Havia também uma carta ou rascunho de e-mail que dizia: “ Karina, suspeito que minha vida está em perigo. O R.M.L me fez uma proposta para compra dos direitos de produção da fórmula que te falei. Não aceitei é claro! Mas gente desse tipo, não aceita recusa. Tem muito dinheiro em jogo. Temo pela minha vida e o Abel está tentando uma transferência para a Suíça. Mas isso ainda pode levar tempo. Depois conversamos mais.” O texto terminava por aí, nem dava para saber se havia sido enviado. Parecia que havia sido interrompido antes. A data de gravação era de dois dias anteriores ao do crime. O Inspetor enviou o conteúdo por e-mail para o escritório. Guardou o aparelho no cofre e voltou para o hospital. Chegando ao local, quis saber como estava Olga. Sua mãe havia chorado ainda estava com os olhos inchados.

– Filho! A situação é muito séria. Os médicos estão perdendo as esperanças.

– Castro tomou a filha no colo e a acariciava sem poder conter as lágrimas que começavam a brotar-lhe dos olhos.

– Pai! E agora? Mamãe vai morrer?

Thaís também chorava agarrada ao pai.

–Não filha! Se deus quiser, não! As 3 h da manhã, o diretor médico apareceu à porta e todos se levantaram.

– Inspetor, lamento, mas não há mais nada a fazer! Nós a perdemos. Caiu um silêncio mortal e ninguém conseguia balbuciar uma única palavra. Apenas choravam. Olga estava morta. Castro colocou as mãos no rosto deixou-se cair no sofá. Os responsáveis iriam pagar muito caro, disto ele tinha certeza.

Passaram-se alguns dias depois do funeral de Olga e Castro precisava voltar ao trabalho. Sua cunhada Célia irmã de Olga ajudava a cuidar de Tahís, era dedicada e sempre nutrira certa admiração pelo inspetor. Chita agora mais tranqüila voltava a aprontar suas traquinagens que ajudavam a minimizar o ar pesado. Célia nesta noite preparava o jantar e Castro como sempre já mergulhava no trabalho. Fez uma pesquisa e o único laboratório que se encaixava nas iniciais R.M.L., era o RANDEL MEDICHAL LABORATORY da Suíça. Lembrou-se de dar uma olhada no Orkut que já andava meio abandonado. Não havia nada de especial além das costumeiras gozações dos amigos torcedores como ele. Resolveu digitar o nome de Beatriz no campo de busca do Orkut, as mulheres geralmente têm páginas ali. Não deu outra. Mas lhe chamou a atenção mensagens trocadas entre Beatríz e sua amiga Karina onde seguidamente referiam-se a R.M.L. Resolveu examinar a relação de amizades anexas ao programa, Beatriz parecia ter centenas de amigos, mas um em particular fez com que Castro quase caísse da cadeira. Roberto Mancuso Louzada. Castro acessou a página de Mancuso e a surpresa foi grande. Isto agora mudava toda a história com o agravante de que Mancuso tinha um irmão que trabalhava na filial de um laboratório multinacional em Brasília. Então o R.M.L. referia-se provavelmente ao nome de Mancuso. Na manhã seguinte chegando ao trabalho foi informado de que Avelino fora preso no aeroporto Salgado Filho, tentando embarcar para a Suíça com 100 mil dólares não declarados. Júlio efetuara a prisão acompanhado de vários federais que também estavam no encalço de Avelino por lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, formação de quadrilha e mais algumas outras acusações além dos assassinatos das meninas. A estas alturas, Castro já formara uma opinião completa sobre o caso. Restava apenas tomar as medidas habituais de mandatos judiciais etc. Antes precisava resolver outra questão que o incomodava. Foi até o batalhão de operações especiais. Peterson o recebeu em sua sala. – Sente-se inspetor. Aceita um café?

– Claro! Respondeu Castro.

– O que o trás por aqui?

– Peterson! Quero saber os detalhes da operação e quem deu a ordem para atirar. Peterson visivelmente constrangido sorveu um longo gole de café e ao final desabafou.

– Inspetor! A ordem partiu do capitão Mário. Não havia razão para atirar. Mas o senhor sabe que nessas horas a gente funciona como um robô. A tensão é muito grande e afinal, somos treinados para isso.

Mas o capitão está sendo investigado pela Corregedoria da polícia, por envolvimento em ações desastrosas e abuso de autoridade. O inspetor deu-se por satisfeito, despediu-se de Peterson e voltou para seu escritório. Resolveu examinar o histórico de serviços do capitão Mário e encontrou muitas irregularidades. Ao final da tarde voltou para casa. Naquela noite iria pegar Célia e Thaís e leva-las para jantar fora. Precisava relaxar um pouco e havia prometido à Tahís. Foi uma noite agradável e até o fez esquecer um pouco do trabalho. Depois foram até uma sorveteria, a noite estava quente e sorvetes sempre caem bem com o calor. Na manhã seguinte Castro dirigiu-se a procuradoria geral do estado. Apresentou-se na sala de Mancuso que o recebeu cordialmente.

– Inspetor! A que devo sua visita?

– Sr. Roberto Mancuso Louzada, é esse o seu nome não!

– Sim! Mas por quê...

– Por que o senhor está preso, acusado das mortes de Abel Linhares e sua esposa Beatriz, aliás, o senhor andou dando em cima dela certo?

– Inspetor, o senhor está louco?

– Não! O senhor soube da grande descoberta que Beatriz havia feito e resolveu se aproximar, afinal seu irmão de Brasília era um ótimo canal para vender a fórmula. Quanto vale este papelzinho? 30 milhões? Mais? Primeiro o senhor tentou via Orkut, mas parece que se deu mal. Então o senhor fez a oferta que Beatriz recusou. Aí não restou alternativa. O senhor contratou o Avelino para fazer o serviço sujo. Mas o senhor é esperto então jogou o CD com o programa do estado pra cima do Abel, com isso lançando suspeitas sobre o Avelino que estava dando uma rasteira no cunhado. Quanto o senhor pagou ao capitão Mário para queimar os arquivos?

– De que arquivos o senhor está falando?

– Dos seqüestradores da minha mulher é claro.

Se eles fossem presos falariam. Mas, o senhor esqueceu o Avelino ou ele escapou e estava tentando fugir?

– Inspetor, o senhor não tem provas!

– Há tenho sim! Inclusive da sua participação no estupro e assassinatos de 7 garotas desaparecidas.

– Inspetor isso é loucura!

– Não é não! Você sabia que o Avelino tentou matar o Tikão?

– Quem é esse Tikão?

– Hora! Não seja ingênuo. Avelino é bom em mandar matar, na hora dele apertar o gatilho, digamos que é um fiasco. O Tikão sobreviveu e deu todo o serviço.

– Inspetor o senhor está blefando!

Agora Mancuso estava visivelmente nervoso. O senhor me acompanha? Ou tenho que chamar os meus auxiliares?

– Esta bem, mas quero a presença do meu advogado.

– Claro! Mancuso levou a mão ao telefone, mas desviou no caminho tentando abrir a gaveta onde havia uma arma.

O inspetor permaneceu impassível. Mancuso agiu muito rápido, mas antes que pudesse apontar a arma, foi atingido no peito. Caiu sobre a mesa e ainda tentou apontar e disparar, mas suas forças o abandonaram e ele caiu pesadamente sobre a mesa. Os outros policiais entraram e o inspetor estava calmamente guardando a arma que estivera o tempo todo em sua mão por baixo do paletó sobre braço esquerdo. Aguardou a chegada da perícia e deixou o local, não havia mais nada para fazer ali. O inspetor então pegou seu carro e dirigiu-se a casa do capitão Mário. Mário morava sozinho em uma bela casa no alto do morro da Glória. Uma pequena mansão muito acima da renda mesmo para um capitão da polícia. A empregada o atendeu.

– O capitão está na garagem lá nos fundos, o senhor pode ir até lá se quiser. Castro concordou com um gesto e deu a volta a casa. Trazia uma arma na mão e ao vê-lo o capitão ergueu-se de uma prancha onde examinava o assoalho do carro.

– Inspetor! Foi um acidente! Castro jogou a arma rente ao chão em sua direção e falou.

– Pegue e atire! O capitão apanhou a arma e apontou.

– Inspetor, o senhor deve estar louco. Vou matá-lo em legítima defesa.

– Então atire! O capitão apertou o gatilho, mas a arma falhou. Então o Inspetor atirou. Atingido no peito o policial caiu e ainda tentava atirar.

– Não vai funcionar! Sabe por quê? Estas são as armas que vocês compram para os soldados. Armas de baixa qualidade enquanto desviam as verbas. Esta aí já matou três bons soldados! Agora é sua vez de provar o veneno. Este aqui é pela minha esposa.

Então o Inspetor atirou novamente, desta vez na cabeça. Ligou para a polícia. Júlio chegou junto com os outros policiais. A cena era óbvia, o capitão caído com a arma ainda na mão, não deixava dúvidas. Passaram-se dois meses e os exames de DNA comprovaram o envolvimento de Avelino e Mancuso no estupro e assassinato daquelas garotas desaparecidas. Tikão morreu em conseqüência do ferimento a bala. Avelino foi condenado a 90 anos de prisão pelos seus crimes. Castro viajou para Brasília onde entregaria a fórmula completa ao Presidente da república que com certeza iria quebrar a patente para produzir o medicamento no Brasil. Júlio chegou para trabalhar e sentia falta do amigo que havia agora tirado umas merecidas férias. Estava absorto, tentando achar algo na internet para passar o tempo e nem prestara atenção ao envelope sobre sua mesa.

Edinéia trouxe-lhe um café e comentou.

– Vamos ter festa então?

– Festa? Por quê?

– Uhé! Não viu o convite?

– Convite?

– Sim, cara, aquele envelope ali. Júlio abriu o envelope. Era um convite de casamento. De quem? Castro e Célia!

– Hora! O inspetor não brinca em serviço! Vamos ter uma festa e tanto! Quer ir comigo?

– Claro! Finalmente me convida pra sair! Ufah!

ΩΩΩ

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 28/04/2010
Código do texto: T2224455
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.